O
melhor funcionário
*
Por Gustavo do Carmo
Aqui
na empresa ninguém fala comigo. O Almeida foi bastante cordial nos
primeiros dias e me apresentou ao pessoal. Na semana seguinte passou
a me tratar com a mesma frieza polar dos meus colegas, dos quais não
decorei o nome. Não faço o menor esforço para guardar o nome de
quem não gosta de mim.
Sei
que tem um gordinho, boa praça, muito simpático, que conversa com
todo mundo no escritório. Ele é representante comercial. Passa o
dia inteiro na rua, tentando conquistar novos clientes. Às vezes,
viaja. Quando volta, passa o dia inteiro contando o que viu na rua e
em suas viagens, algumas para o exterior. Conta para todo mundo.
Menos para mim.
O
piadista oficial do escritório é o gerente de vendas. Também não
guardei o seu nome. É um magrinho de pele negra, também muito
simpático. O mais engraçado em suas piadas são as dramatizações
e a sonoplastia que ele faz quando conta para os colegas. Menos para
mim.
Lúcia,
acho que é esse o seu nome, é a contadora. Uma senhora muito
bondosa com os seus colegas e até com os novos funcionários.
Considera todos como filhos. Exceto a minha pessoa.
No
meio dessa panelinha, tem gente antipática, sim. Geraldo, o
estagiário, se acha o máximo. Mas tem uma popularidade... Ih!
Consegui lembrar com certeza o nome de alguém! Ele me odeia. É o
único que fala comigo. Para me provocar. E tem um louro de cabelos
arrepiados que destrata todo mundo e vive reclamando da empresa.
Ninguém gosta dele, de quem sempre falam mal pelas costas. Tentei
fazer amizade com ele, mas levei um fora. Ouvi dizer que está com
os dias contados no escritório. Levou um ultimato. Nem o
Almeida aguenta mais.
Eu
também me acho um bom funcionário. Faço tudo o que me pedem.
Mesmo não sendo a minha função. Sou o responsável por redigir
todos os memorandos e circulares da empresa. Ainda faço a coleta de
tudo o que é publicado na mídia sobre ela. Quando peço o material
que preciso, os meus colegas atendem. Mas passam tudo sem dizer uma
palavra. Se não estivessem satisfeitos, me mandariam embora.
Só
o Almeida me deu o seu celular e o e-mail. Qualquer coisa que eu
precisasse, poderia ligar para ele. Um dia eu precisei. Precisava
avisar que ia faltar, não lembro o motivo. Ele me atendeu
friamente. Sabia que era eu pelo identificador. Quando lhe disse que
eu ia me ausentar naquele dia, foi compreensivo. Até um pouco
simpático. Sequer se interessou pelo motivo da falta. Mesmo assim
expliquei e ele me cortou seco, dizendo que eu não precisava
justificar. Desliguei o telefone. Já os meus colegas não me deram
seus telefones. Tampouco me chamavam para almoçar com eles. Iam
sempre a um restaurante a quilo nas redondezas do escritório, que
ficava na Barra da Tijuca. Enquanto eu ia ao shopping próximo comer
um hambúrguer com fritas, refrigerante e a minha solidão.
Voltava
muito cedo do almoço. O gordinho, o rapaz negro, a contadora, o
Almeida e o Geraldo chegavam sempre com as piadas do
gerente. Eu me divertia ouvindo tudo aquilo, mas sentia uma ponta de
tristeza por ser rejeitado por eles. Quando eu tentava me aproximar
do grupo para entrar na conversa e tentar me enturmar, todos saíam
dizendo que estava na hora de trabalhar.
No
meio dessa turminha, de vez em quando, estava a recepcionista.
Cláudia é o seu nome que eu vi pelo crachá. Que mulher linda!
Morena, olhos verdes, cabelos lisos e negros, lábios e queixos
finos, pernas bem torneadas, seios médios para grandes. Geralmente
os deixava decotados. Apaixonei-me na hora. Pena que ela não
suporta nem me ver. Ela fica tão nervosa quando a observo que sai
correndo sem disfarçar.
Ai,
ai! Tenho vontade de deixar a empresa. Se eu soubesse que ia
trabalhar neste clima, preferia ter ido para cadeia, como eu quase
fui. Um dia, estava desesperado para arrumar um emprego. Cansei-me
de tantas frustrações. Tantos nãos.
Sou
formado tímido e sincero demais para passar nas
entrevistas. Contava tudo o que não podia quando o entrevistador me
perguntava sobre os meus defeitos. Sem falar dos e-mails com o meu
currículo que eu mandava e não tinham resposta.
Um
dia, quis mostrar que era alguém. Já havia enviado um currículo
para essa empresa onde trabalho, por correio mesmo. Atendi ao
anúncio de um jornal que precisava de um auxiliar administrativo.
Mandei. Não tive resposta. Fiquei tão decepcionado que, num gesto
de extremo descontrole, invadi o prédio envidraçado na Barra com
uma arma de brinquedo e uma faca de verdade.
Fui
recebido com simpatia pela Cláudia. Ela me perguntou o que eu
desejava. Respondi que era um emprego.
—
Infelizmente,
não temos vaga.
—
Como
não?! Semana passada, mesmo, mandei o meu currículo para cá.
—
Mas
ela já foi preenchida. Lamento.
—
Tão
rapidamente assim??? Não pode! Foi para algum apadrinhado. Só pode
ser.
Já
nervosa com o meu destempero, a recepcionista ameaçou, já com o
telefone na mão:
—
Olha,
eu vou chamar a segurança se o senhor não se acalmar.
—
CHAMA
QUE EU QUERO VER!!!!
Em
um minuto apareceram três seguranças, daqueles bem fortes. Ao
sentir a aproximação deles, pulei para dentro do balcão, me
agarrei àquele corpo lindo e, por trás, apontei a arma de
brinquedo para a sua cabeça, tomando-a como refém. Ameacei:
—
SE
APROXIMAREM-SE DAREI UM TIRO NELA!!!! AFASTEM-SE!!!!!
Sussurrei
em seu ouvido que ela poderia ficar tranquila, que eu não ia fazer
nada de mal. Só pedi para ela falar para os seguranças e o Almeida
que eu estava armado e iria matá-la. Subi com ela para o décimo
andar. Comecei a gritar que ia matar a recepcionista e me suicidar
em seguida se não me dessem um emprego.
Vieram
a polícia e a imprensa. Além, claro, dos meus queridos colegas de
trabalho. A contadora, mãe de todos, até passou mal. Plantão em
todas as emissoras de televisão e rádio. A negociação durou
quinze horas. O delegado insistiu se eu queria um carro ou um
helicóptero para fugir. Eu me cansava de dizer que não. Dizia que
eu queria um emprego nesta empresa. Era a mais importante da cidade.
Mas voltavam a prometer um carro se eu soltasse a refém. Não
queria nada disso, pôxa! Já estavam enchendo o saco. Acabei
soltando a moça, mas fui para a janela. Ameacei pular se não me
dessem um emprego e ainda me prendessem.
O
Almeida teve pena de mim. Ofereceu o emprego que eu queria e onde eu
trabalho atualmente. Ele pediu para a polícia arquivar o caso de
sequestro e perturbação da ordem pública. Disse que resolveu
tudo. Iria me empregar e eu começaria na tarde seguinte. Para
fazê-lo cumprir a sua palavra, ameacei fazer tudo de novo se eu
fosse para casa, me preparasse para o trabalho e fosse barrado. A
situação se acalmou. A polícia e a imprensa foram embora.
Voltei
para casa. Pedi desculpas aos meus pais pela vergonha que os fiz
passar. Eles pararam de falar comigo. Tomei um banho bem demorado.
Coloquei uma camisa social e uma calça. Tive que passar a roupa e
engraxar os sapatos. Eu morri para os meus pais. Peguei a minha
pasta executiva e saí para o meu primeiro emprego na tarde do mesmo
dia em que o sequestro acabou.
Não
fui barrado. A imprensa voltou para acompanhar o primeiro dia do
homem que sequestrou uma empresa para pedir um emprego. O Almeida
foi bastante cordial comigo e me apresentou ao pessoal. Na semana
seguinte passou a me tratar com a mesma frieza polar dos meus
colegas, dos quais não decorei o nome. Não faço o menor esforço
para guardar o nome de quem não gosta de mim.
Claudinha
ganhou licença. Ficou traumatizada. Quando voltou e me viu
trabalhando normalmente, fez um escândalo e ameaçou se demitir. O
Almeida e as colegas de recepção convenceram-na a ficar. Em
solidariedade, os meus colegas de escritório decidiram me boicotar.
Ela passou a fugir de mim descaradamente.
Paguei
o meu preço para conseguir o meu emprego na marra e sem ser preso
por sequestro. Perdi o carinho dos meus pais e ganhei a antipatia
dos meus colegas.
Achei
melhor pedir demissão ao Almeida, depois de seis meses de trabalho
e tratamento ruim. Quando saí da sua sala, fui surpreendido com uma
faixa confeccionada pelos meus colegas de escritório:
“POR
FAVOR, PIMENTA!!!! NÃO DEIXE A NOSSA EMPRESA. VOCÊ É O NOSSO
MELHOR FUNCIONÁRIO!”
*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração.
Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de
São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess
- http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe
-http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
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