sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Editorial - A grande incógnita


A grande incógnita


A vida pode ser comparada a um caminho de sombras e luzes, cuja extensão desconhecemos e que nos conduz a um destino ignorado. É como essas trilhas perdidas num bosque, que são mais escuras nos trechos em que há grande concentração de árvores e totalmente iluminadas pelo sol naqueles em que não há planta nenhuma, a não ser um verde gramado de se perder de vista.

Caracteriza-se, sobretudo, pelo imprevisto, bom ou ruim, para os quais temos que estar sempre atentos. No primeiro caso, para usufruirmos, com alegria e encantamento. No segundo, para nos prevenirmos e evitarmos os buracos, pedras e espinhos que venham a atrapalhar nossos passos, quando não nos derrubar e nos ferir.

É nessa imprevisibilidade que reside o grande encanto da vida.. Quanto à sua extensão e destino... não devemos nos preocupar. Por que não? Porque é inútil. Porque estes são fatores nos quais não temos a menor condição de interferir e modificar.
Entre as inúmeras incertezas que temos, em relação ao universo, uma certeza se destaca, soberana e imutável: a de que o planeta que habitamos, um dia, terá fim. Não sabemos quando isso irá ocorrer, mas conhecemos “como” acontecerá. Quando o sol consumir todo seu combustível, irá se expandir, de tal sorte, que reduzirá a cinzas os planetas que o orbitam, entre os quais, o nosso, claro.

Depois, explodirá, como monstruosa bomba de hidrogênio e se contrairá, até se tornar uma anã branca. Por mais que essa estrela tenha existido, exista e venha a existir, será um tempo ínfimo, em relação à eternidade. E qual será o destino do homem?

Estará fadado à extinção, num piscar de olhos, assim como um dia começou a existir? Conquistará outro planeta, de uma outra estrela, e dará continuidade à vida? Isso, ninguém sabe, embora possa intuir. Mesmo sem o homem, porém, o universo seguirá em seu curso eterno, rumo a um destino que nossa mente jamais alcançará saber qual seja.

Não sabemos, portanto, além da duração e destino da vida e do tempo exato em que a Terra continuará a existir, se a nossa espécie irá se extinguir ou se, com sua engenhosidade e inteligência, saberá prover alguma forma de sobrevivência. Nenhuma dessas questões, porém, se constitui na grande incógnita, sobre a qual devamos nos debruçar para esclarecer.

A pergunta fundamental, que deveria ser nossa preocupação constante, é, aparentemente, mais simples, e foi feita em uma entrevista, concedida na década de 70 à extinta revista “Visão”, por Eugéne Ionesco, um dos maiores patafísicos e dramaturgos do teatro do absurdo: “Por que não nos amamos?”

Pois é. Por que? O próprio escritor romeno acrescenta: “Para isso (para nos amarmos) não há necessidade de grandes homens e de grandes doutrinas”. Não há mesmo. Ionesco, para justificar essa afirmação, lembra que essa mesma pergunta foi feita pelo principal personagem de Fedor Dostoievski, no romance “O idiota”, “em sua lúcida ingenuidade”.

Se todos estamos no mesmo barco (e estamos), se ninguém consegue sobreviver por muito tempo sozinho, se para os mínimos atos da vida dependemos uns dos outros, convenhamos, é uma extrema estupidez o fato de não nos amarmos. Mas não nos amamos, em sentido genérico. Competimos uns com os outros, os fortes subjugam e se aproveitam dos mais fracos (não somente no aspecto físico, mas no mental, psicológico, econômico e social) e em raras ocasiões conseguimos nos entender, o mínimo que seja.

Confesso que, por muito tempo, fiquei com um pé atrás em relação a Eugène Ionesco (que, apesar de romeno de nascimento, tinha fortes vínculos com a França, já que sua mãe era francesa e ele passou a maior parte da sua vida nesse país). Conhecia, dele, apenas sua principal peça, “A cantora careca”, encenada pela primeira vez em 11 de maio de 1950, no Teatro dos Noctambules, em Paris, e que originou o movimento conhecido como Teatro do Absurdo. Detestei!

Não atentei, a princípio, para a sua proposta. Achava-a maluca demais para os meus padrões estéticos e culturais de então. Ao assistir outras encenações desse mesmo trabalho, porém, aos poucos foi compreendendo suas ideias (e concordando com elas). Ionesco mostrou, sobretudo, humildade nas entrevistas que concedeu. Confessou, por exemplo, que na criação do Teatro do Absurdo, ou “antiteatro” – que propunha a volta às origens das artes cênicas, ou seja, um teatro puro, despojado de convenções, cruelmente poético, casual e sumamente imaginativo – foi influenciado por Franz Kafka e pelo poeta e dramaturgo francês Alfred Jarry, conhecido por suas peças hilariantes e insólitos poemas.

Li, posteriormente, alguns ensaios seus e achei-os lúcidos e equilibrados, assim como os cinco romances que publicou. Vibrei, pois, quando soube que Eugène Ionesco foi eleito para a seletíssima e badalada Academia Francesa, em 1970. Foi quando passei a refletir com assiduidade sobre essa que ele classificou como a “grande incógnita humana”: “Por que não nos amamos?”. Sim, leitor, por que? Você teria uma única resposta objetiva que, em pouquíssimas palavras, desse uma, e só uma justificativa lógica para tamanha omissão? Eu, da minha parte, confesso, humildemente: não tenho!.


Boa leitura!

O Editor.


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