Presunção de saber
O
pior tipo de pessoa para se conviver, seja no trabalho, seja na
escola, seja no lar (neste é uma tragédia!) ou em qualquer outro
lugar que frequentemos ou por onde passemos, é aquele que pouco
sabe, tem informações truncadas e esparsas sobre determinado tema,
mas que se julga um "expert" na matéria. "Dita
cátedra" a respeito, cometendo ridículos disparates, que
lembram muito a letra de uma famosa canção dos anos 60, o "Samba
do Crioulo Doido".
Esse
"drama" torna-se intolerável quando tal indivíduo ocupa
posição superior à nossa na hierarquia profissional. E são muitos
nessa situação, a atestar que nem sempre as empresas têm critérios
justos (ou no mínimo lógicos) para a designação dos seus chefes.
Claro
que não se pode generalizar. Mas isso é muito mais comum do que se
pensa. Nestas circunstâncias, ou seja, quando somos obrigados a
ouvir bobagens de superiores hierárquicos, temos duas atitudes a
tomar. Ou agimos de maneira hipócrita, ouvindo, e até apoiando, o
"sabichão", para conservar o emprego, revelando (ou pelo
menos admitindo tacitamente) a nossa suposta ignorância. Ou
arriscamo-nos a cair em desgraça na empresa, com possibilidades até
mesmo de sermos demitidos, mas conservando-nos fiéis à nossa
consciência e, sobretudo, à verdade (o que nem sempre é comum).
Trata-se
de uma situação mais frequente do que pode parecer. Quando cruzamos
com um indivíduo desses, casualmente, sem nenhuma imposição
profissional, sem necessidade de dividirmos o seu convívio (em geral
em roda de amigos num bar, ou no clube, ou mesmo na faculdade), e o
mesmo espaço, "cortamos volta", sempre que podemos. E
rapidinho... Evitamos esse chato, metido a esperto, para não termos
nosso dia irremediavelmente arruinado. E ele arruína, estejam
certos. Tolerá-lo, podendo evitar, é um exercício de masoquismo.
Mas às vezes, as circunstâncias não permitem uma retirada
estratégica. Aí, a situação torna-se trágica, ou quase. Quando
isso não é possível... Bem, o jeito é aguentar ou partir para o
confronto. Em geral, prevalece a segunda hipótese. E raramente
ganhamos. Bem diz o dito popular: "a melhor resposta para um
ignorante, é o silêncio". Pois a ignorância é atrevida.
O
interessante é que tais indivíduos fazem papel ridículo, sem que
se deem conta. Julgam-se por cima e até assumem ares de extrema
sapiência. Teimam, muitas vezes, em temas que são do conhecimento
público, virtualmente consensuais e de que eles são dos poucos a
desconhecer, achando que conhecem. E tome opiniões estapafúrdias,
conceitos eivados de erros e conclusões absurdas! Essa é uma
situação surrealista, digna de um Salvador Dali ou de um Franz
Kafka.
Óbvio
que por maior que seja a cultura de alguém, jamais ela abrange todos
os campos do conhecimento. Sempre há assuntos dos quais somos leigos
(a maioria, por sinal), ou de que temos conhecimento muito
artificial, meros rudimentos incompletos, insuficientes para
firmarmos alguma opinião. Em tais temas, a atitude correta,
prudente, honesta e inteligente é, em vez de opinarmos sem
fundamento, admitirmos nossa ignorância e, quando possível (e
desejável, se se tratar de algo digno de se saber, pois às vezes
não é o caso), nos inteirarmos a respeito. Não há demérito
nisso. Pelo contrário. É como diz o surrado clichê: "o saber
não ocupa lugar". Bem entendido, o "saber" e não a
"presunção" de sabedoria.
O
historiador Daniel J. Boorstin confessou, em um ensaio: "Quanto
mais estudo a civilização, mais me convenço de que as suas maiores
limitações, ao longo dos tempos, não se deveram à ignorância. O
maior óbice à evolução humana sempre foi a 'presunção do
saber'". Dela é que se originam os dogmas, os sofismas e as
ilações com aparência de verdade que, no entanto, são falsas.
Caso
típico foi o de Galileu. O sábio afirmava, baseado em observações
e estudos, que a Terra orbitava o Sol, e não o contrário, como
garantia a Igreja Católica. Para os "doutos" do Vaticano,
afirmar, ou mesmo insinuar, que o nosso planeta não era o centro do
Universo, se constituía em uma enorme heresia. O incauto, que
ousasse desafiar esse dogma, estava sujeito a prestar contas à
"Santa Inquisição", que de santidade tinha muito pouco
(ou absolutamente nada). Muitos intelectuais morreram em fogueiras
por muito menos do que isso.
Galileu,
posto que conservando a sua convicção, "se retratou",
concordando com os "doutores da Igreja". Ainda assim, foi
mantido confinado e enfrentou enormes dissabores, apenas pelo fato de
conhecer e não ter a mera "presunção do saber". Giovanni
Bruno teve menos sorte (ou foi mais teimoso) em questão parecida, e
foi imolado pela "Santa Inquisição". E haja santidade...!
Somente há alguns anos, na década de 90 do século passado, o papa
João Paulo II admitiu o terrível erro, a absurda e ridícula
injustiça, cometida contra os dois sábios, e pediu-lhes perdão.
Era, é óbvio, tarde demais. Deles não restam sequer cinzas.
Sobraram, somente, suas ideias, já que estas ninguém consegue matar
(embora se consiga esconder por muito tempo).
A
história registra dezenas, centenas, milhares de outros casos em que
ignorantes presunçosos serviram de pedra de tropeço à evolução
humana, quer no campo das ciências exatas, quer no das humanas e nos
mais diversos campos do conhecimento. Além de chatos, portanto,
esses "sabichões de araque" são perigosos. Fuja deles!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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