segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Editorial - Presunção de saber


Presunção de saber



O pior tipo de pessoa para se conviver, seja no trabalho, seja na escola, seja no lar (neste é uma tragédia!) ou em qualquer outro lugar que frequentemos ou por onde passemos, é aquele que pouco sabe, tem informações truncadas e esparsas sobre determinado tema, mas que se julga um "expert" na matéria. "Dita cátedra" a respeito, cometendo ridículos disparates, que lembram muito a letra de uma famosa canção dos anos 60, o "Samba do Crioulo Doido".

Esse "drama" torna-se intolerável quando tal indivíduo ocupa posição superior à nossa na hierarquia profissional. E são muitos nessa situação, a atestar que nem sempre as empresas têm critérios justos (ou no mínimo lógicos) para a designação dos seus chefes.

Claro que não se pode generalizar. Mas isso é muito mais comum do que se pensa. Nestas circunstâncias, ou seja, quando somos obrigados a ouvir bobagens de superiores hierárquicos, temos duas atitudes a tomar. Ou agimos de maneira hipócrita, ouvindo, e até apoiando, o "sabichão", para conservar o emprego, revelando (ou pelo menos admitindo tacitamente) a nossa suposta ignorância. Ou arriscamo-nos a cair em desgraça na empresa, com possibilidades até mesmo de sermos demitidos, mas conservando-nos fiéis à nossa consciência e, sobretudo, à verdade (o que nem sempre é comum).

Trata-se de uma situação mais frequente do que pode parecer. Quando cruzamos com um indivíduo desses, casualmente, sem nenhuma imposição profissional, sem necessidade de dividirmos o seu convívio (em geral em roda de amigos num bar, ou no clube, ou mesmo na faculdade), e o mesmo espaço, "cortamos volta", sempre que podemos. E rapidinho... Evitamos esse chato, metido a esperto, para não termos nosso dia irremediavelmente arruinado. E ele arruína, estejam certos. Tolerá-lo, podendo evitar, é um exercício de masoquismo. Mas às vezes, as circunstâncias não permitem uma retirada estratégica. Aí, a situação torna-se trágica, ou quase. Quando isso não é possível... Bem, o jeito é aguentar ou partir para o confronto. Em geral, prevalece a segunda hipótese. E raramente ganhamos. Bem diz o dito popular: "a melhor resposta para um ignorante, é o silêncio". Pois a ignorância é atrevida.

O interessante é que tais indivíduos fazem papel ridículo, sem que se deem conta. Julgam-se por cima e até assumem ares de extrema sapiência. Teimam, muitas vezes, em temas que são do conhecimento público, virtualmente consensuais e de que eles são dos poucos a desconhecer, achando que conhecem. E tome opiniões estapafúrdias, conceitos eivados de erros e conclusões absurdas! Essa é uma situação surrealista, digna de um Salvador Dali ou de um Franz Kafka.

Óbvio que por maior que seja a cultura de alguém, jamais ela abrange todos os campos do conhecimento. Sempre há assuntos dos quais somos leigos (a maioria, por sinal), ou de que temos conhecimento muito artificial, meros rudimentos incompletos, insuficientes para firmarmos alguma opinião. Em tais temas, a atitude correta, prudente, honesta e inteligente é, em vez de opinarmos sem fundamento, admitirmos nossa ignorância e, quando possível (e desejável, se se tratar de algo digno de se saber, pois às vezes não é o caso), nos inteirarmos a respeito. Não há demérito nisso. Pelo contrário. É como diz o surrado clichê: "o saber não ocupa lugar". Bem entendido, o "saber" e não a "presunção" de sabedoria.

O historiador Daniel J. Boorstin confessou, em um ensaio: "Quanto mais estudo a civilização, mais me convenço de que as suas maiores limitações, ao longo dos tempos, não se deveram à ignorância. O maior óbice à evolução humana sempre foi a 'presunção do saber'". Dela é que se originam os dogmas, os sofismas e as ilações com aparência de verdade que, no entanto, são falsas.

Caso típico foi o de Galileu. O sábio afirmava, baseado em observações e estudos, que a Terra orbitava o Sol, e não o contrário, como garantia a Igreja Católica. Para os "doutos" do Vaticano, afirmar, ou mesmo insinuar, que o nosso planeta não era o centro do Universo, se constituía em uma enorme heresia. O incauto, que ousasse desafiar esse dogma, estava sujeito a prestar contas à "Santa Inquisição", que de santidade tinha muito pouco (ou absolutamente nada). Muitos intelectuais morreram em fogueiras por muito menos do que isso.

Galileu, posto que conservando a sua convicção, "se retratou", concordando com os "doutores da Igreja". Ainda assim, foi mantido confinado e enfrentou enormes dissabores, apenas pelo fato de conhecer e não ter a mera "presunção do saber". Giovanni Bruno teve menos sorte (ou foi mais teimoso) em questão parecida, e foi imolado pela "Santa Inquisição". E haja santidade...! Somente há alguns anos, na década de 90 do século passado, o papa João Paulo II admitiu o terrível erro, a absurda e ridícula injustiça, cometida contra os dois sábios, e pediu-lhes perdão. Era, é óbvio, tarde demais. Deles não restam sequer cinzas. Sobraram, somente, suas ideias, já que estas ninguém consegue matar (embora se consiga esconder por muito tempo).

A história registra dezenas, centenas, milhares de outros casos em que ignorantes presunçosos serviram de pedra de tropeço à evolução humana, quer no campo das ciências exatas, quer no das humanas e nos mais diversos campos do conhecimento. Além de chatos, portanto, esses "sabichões de araque" são perigosos. Fuja deles!

Boa leitura!

O Editor.



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