Vaidade e corrupção
* Por Pedro J. Bondaczuk
A
corrupção, não importa se política ou de outra natureza qualquer,
é tema tão velho quanto o próprio homem. Desde a invenção do
alfabeto, e por consequência, da escrita, a História registra casos
e mais casos de indivíduos lesando seus semelhantes, não raro povos
inteiros, se apropriando do que não lhes pertencia, alguns punidos e
outros tantos escapando ilesos. Mas a escrita existe há uns quatro
ou cinco milênios. E antes, não havia corrupção e corruptos? Ora,
ora, ora. Certamente existiram e em maior profusão. Nós é que
ficamos impossibilitados de saber a respeito.
A
corrupção, por exemplo, foi o principal pretexto para o golpe de
1964, que se propunha a identificar e punir os corruptos e a instalar
a lisura e a ética na vida pública. Instalou? Respondam vocês!
Dezenas de parlamentares foram cassados, na oportunidade, mediante
processos sumários (diria, sumaríssimos), nos tais (e inúmeros)
Inquéritos Policias Militares, por haverem praticado supostas
falcatruas sob o manto da representatividade.
Ademais,
houve verdadeira “caça às bruxas”, e não somente no
Parlamento, mas no funcionalismo público das várias esferas, nas
universidades, escolas etc.etc.etc. Em suma, os que se apoderaram do
poder a esse pretexto acabaram com a corrupção? Pelo menos ela foi
diminuída? Ora, ora, ora. Todos sabem que não. Desgraçadamente,
desde 2014, tudo se repete em nosso país, de forma monótona e, por
que não dizer, cínica.
O
interessante é o tom apocalíptico adotado por alguns editorialistas
e comentaristas políticos de televisões, emissoras de rádio,
jornais, revistas e espaços da internet que, mesmo que não se deem
conta, deixam implícita, em seus textos, a mensagem de que tudo está
perdido, de que nas próximas horas o País deixará de existir, e
outras elucubrações neuróticas do gênero, caso determinado grupo
não se instale no poder. É verdade que compete aos formadores de
opinião tratarem não somente deste, mas de tantos outros problemas
que afetam a comunidade.
Mas
é preciso ponderação, equilíbrio, isenção e, sobretudo, muito
bom-senso ao proceder às análises. Até porque, estas podem estar
equivocadas (e não raro estão), por mais lógica e verossimilhança
que venham a apresentar. É assim que eles estão agindo, ou seja,
com lisura, responsabilidade, ponderação, equilíbrio e isenção?
Ora, ora, ora. Está mais do que evidente que não. Ademais, opinião
é uma coisa, propaganda política, sobretudo partidária (e velada)
é outra, muito diferente. E este tipo de atitude não deixa de ser,
também, uma forma de corrupção, possivelmente a mais perversa de
todas, posto que fundamentada na mentira, quando não na
meia-verdade.
Muito
pior é quando os meios de comunicação divulgam informações
falsas, ou seja, as tais das “Fake News”. E isso está se
tornando tão comum, que chegamos a duvidar da veracidade de boa
parte do noticiário diário. Lamentável. Como jornalista, reputo,
óbvio, a informação correta, exata e minuciosa muito (mas
muitíssimo) mais importante do que a opinião. Esta última eu
também tenho e posso partilhar ou não. Ela pode ser correta ou
incorreta, como, aliás, todas as opiniões.
O
professor Eduardo Gianetti da Fonseca, no ensaio “Ética e
Inflação”, publicado no boletim “Braudel Papers”, edição
janeiro-fevereiro de 1993, cujo trecho peço licença para
reproduzir, para fundamentar minha tese, observou, com muita
propriedade: “O problema moral não é, certamente, algo exclusivo
do Brasil. Ele existe desde o tempo em que a filosofia grega, a
partir de Sócrates, voltou-se para a reflexão sobre os princípios
da conduta humana e a distância entre o existente e o desejável”.
Cada
geração tem a tendência de achar que é decisiva para a História,
que os dramas que a afetam são os maiores, que os perigos a que o
Planeta está exposto são os mais graves (e até podem ser, não
duvido). No entanto, passam, como tudo e todos no mundo, e a Terra
continua em seu giro pelo espaço. Em condições piores, é verdade,
mas continua. Requer-se, pois, dos formadores de opinião, mais
objetividade e menos retórica. Mais sinceridade e menos sectarismo.
Afinal, a verdade não tem donos.
Diante
do noticiário atual, dá para repetir as palavras de uma crônica
intitulada “Vae Soli!”, publicada por um jornal do Rio de Janeiro
em 1892, uma raridade que “garimpei” em meus arquivos
implacáveis, que diz, em certo trecho: “Um dia desta semana,
farto de vendavais, naufrágios, boatos, mentiras, polêmicas,
farto de ver como se decompõem os homens, acionistas e diretores,
importadores e industriais, farto de mim, de ti, de todos, de um
tumulto sem vida, de um silêncio sem quietação, peguei uma página
de anúncios e disse comigo: ‘Eia, passemos em revista as procuras
e ofertas, caixeiros desempregados, pianos, magnésias, sabonetes,
oficiais de barbeiro, casas para alugar, amas de leite, cobradores,
coqueluche, hipotecas, professores, tosses crônicas’”.
Ah,
a propósito, estas palavras foram escritas por um profundo
conhecedor da natureza humana. Seu autor foi o que os
norte-americanos chamam de “self-made man” (não sei se a grafia,
em inglês, é mesmo esta) – o homem que se faz sozinho – tendo
de superar tremendos obstáculos impostos pelo preconceito: pelo fato
de ser mulato, gago, epiléptico e de nunca ter frequentado escola.
Claro que me refiro a um dos maiores escritores brasileiros (e, por
que não, mundiais) de todos os tempos, um dos fundadores da Academia
Brasileira de Letras, a qual presidiu: Machado de Assis. Como se
observa, as cassandras de mau agouro não são novas e já causaram
tédio, com a sua histeria, aos nossos avós, nos estertores do
século retrasado.
A
corrupção existe, sim, e precisa ser combatida (é o óbvio
ululante, diria Nelson Rodrigues), não se pode negar. E claro que
não nego. Pelo contrário. Mereceria maior ênfase do que aquela que
tem sido dada. E o combate a esse mal deve envolver não somente os
políticos, mas cada um de nós, que cometemos frequentes
“pecadilhos” (nós é que os julgamos assim), mas que ao fim e ao
cabo não passam de lídimos atos de corrupção. Sequer preciso
enumerá-los, tão conhecidos que eles são, não é mesmo?.
Mas
será que tudo, de fato, está perdido no País, como muitos dão a
entender? Ora, ora, ora. O que se deve procurar, todavia, são
soluções concretas e este é o papel maior dos analistas, daqueles
que dissecam os fatos com um certo distanciamento, ou que pelo menos
deveriam proceder dessa forma. Se não têm nenhuma para sugerir…
calem-se para sempre!
O
festival de retórica que circula por aí (pelo menos da forma que a
maioria das críticas é colocada) não passa, pois, do que
Eclesiastes captou tão bem: “Vaidade, vaidade...”, nada mais do
que vaidade… Neste caso estou me referindo aos que se julgam “donos
da verdade” (e estes são muuuitos!), embora no íntimo saibam que
estão mentindo ou, no mínimo, distorcendo os fatos, sem se importar
se estão ou não destruindo reputações. E prefiro acreditar que
seja só isto e não coisa muito pior!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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