quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Vaidade e corrupção - Pedro J. Bondaczuk


Vaidade e corrupção


* Por Pedro J. Bondaczuk


A corrupção, não importa se política ou de outra natureza qualquer, é tema tão velho quanto o próprio homem. Desde a invenção do alfabeto, e por consequência, da escrita, a História registra casos e mais casos de indivíduos lesando seus semelhantes, não raro povos inteiros, se apropriando do que não lhes pertencia, alguns punidos e outros tantos escapando ilesos. Mas a escrita existe há uns quatro ou cinco milênios. E antes, não havia corrupção e corruptos? Ora, ora, ora. Certamente existiram e em maior profusão. Nós é que ficamos impossibilitados de saber a respeito.

A corrupção, por exemplo, foi o principal pretexto para o golpe de 1964, que se propunha a identificar e punir os corruptos e a instalar a lisura e a ética na vida pública. Instalou? Respondam vocês! Dezenas de parlamentares foram cassados, na oportunidade, mediante processos sumários (diria, sumaríssimos), nos tais (e inúmeros) Inquéritos Policias Militares, por haverem praticado supostas falcatruas sob o manto da representatividade.

Ademais, houve verdadeira “caça às bruxas”, e não somente no Parlamento, mas no funcionalismo público das várias esferas, nas universidades, escolas etc.etc.etc. Em suma, os que se apoderaram do poder a esse pretexto acabaram com a corrupção? Pelo menos ela foi diminuída? Ora, ora, ora. Todos sabem que não. Desgraçadamente, desde 2014, tudo se repete em nosso país, de forma monótona e, por que não dizer, cínica.

O interessante é o tom apocalíptico adotado por alguns editorialistas e comentaristas políticos de televisões, emissoras de rádio, jornais, revistas e espaços da internet que, mesmo que não se deem conta, deixam implícita, em seus textos, a mensagem de que tudo está perdido, de que nas próximas horas o País deixará de existir, e outras elucubrações neuróticas do gênero, caso determinado grupo não se instale no poder. É verdade que compete aos formadores de opinião tratarem não somente deste, mas de tantos outros problemas que afetam a comunidade.

Mas é preciso ponderação, equilíbrio, isenção e, sobretudo, muito bom-senso ao proceder às análises. Até porque, estas podem estar equivocadas (e não raro estão), por mais lógica e verossimilhança que venham a apresentar. É assim que eles estão agindo, ou seja, com lisura, responsabilidade, ponderação, equilíbrio e isenção? Ora, ora, ora. Está mais do que evidente que não. Ademais, opinião é uma coisa, propaganda política, sobretudo partidária (e velada) é outra, muito diferente. E este tipo de atitude não deixa de ser, também, uma forma de corrupção, possivelmente a mais perversa de todas, posto que fundamentada na mentira, quando não na meia-verdade.

Muito pior é quando os meios de comunicação divulgam informações falsas, ou seja, as tais das “Fake News”. E isso está se tornando tão comum, que chegamos a duvidar da veracidade de boa parte do noticiário diário. Lamentável. Como jornalista, reputo, óbvio, a informação correta, exata e minuciosa muito (mas muitíssimo) mais importante do que a opinião. Esta última eu também tenho e posso partilhar ou não. Ela pode ser correta ou incorreta, como, aliás, todas as opiniões.

O professor Eduardo Gianetti da Fonseca, no ensaio “Ética e Inflação”, publicado no boletim “Braudel Papers”, edição janeiro-fevereiro de 1993, cujo trecho peço licença para reproduzir, para fundamentar minha tese, observou, com muita propriedade: “O problema moral não é, certamente, algo exclusivo do Brasil. Ele existe desde o tempo em que a filosofia grega, a partir de Sócrates, voltou-se para a reflexão sobre os princípios da conduta humana e a distância entre o existente e o desejável”.

Cada geração tem a tendência de achar que é decisiva para a História, que os dramas que a afetam são os maiores, que os perigos a que o Planeta está exposto são os mais graves (e até podem ser, não duvido). No entanto, passam, como tudo e todos no mundo, e a Terra continua em seu giro pelo espaço. Em condições piores, é verdade, mas continua. Requer-se, pois, dos formadores de opinião, mais objetividade e menos retórica. Mais sinceridade e menos sectarismo. Afinal, a verdade não tem donos.

Diante do noticiário atual, dá para repetir as palavras de uma crônica intitulada “Vae Soli!”, publicada por um jornal do Rio de Janeiro em 1892, uma raridade que “garimpei” em meus arquivos implacáveis, que diz, em certo trecho: “Um dia desta semana, farto de vendavais, naufrágios, boatos, mentiras, polêmicas, farto de ver como se decompõem os homens, acionistas e diretores, importadores e industriais, farto de mim, de ti, de todos, de um tumulto sem vida, de um silêncio sem quietação, peguei uma página de anúncios e disse comigo: ‘Eia, passemos em revista as procuras e ofertas, caixeiros desempregados, pianos, magnésias, sabonetes, oficiais de barbeiro, casas para alugar, amas de leite, cobradores, coqueluche, hipotecas, professores, tosses crônicas’”.

Ah, a propósito, estas palavras foram escritas por um profundo conhecedor da natureza humana. Seu autor foi o que os norte-americanos chamam de “self-made man” (não sei se a grafia, em inglês, é mesmo esta) – o homem que se faz sozinho – tendo de superar tremendos obstáculos impostos pelo preconceito: pelo fato de ser mulato, gago, epiléptico e de nunca ter frequentado escola. Claro que me refiro a um dos maiores escritores brasileiros (e, por que não, mundiais) de todos os tempos, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, a qual presidiu: Machado de Assis. Como se observa, as cassandras de mau agouro não são novas e já causaram tédio, com a sua histeria, aos nossos avós, nos estertores do século retrasado.

A corrupção existe, sim, e precisa ser combatida (é o óbvio ululante, diria Nelson Rodrigues), não se pode negar. E claro que não nego. Pelo contrário. Mereceria maior ênfase do que aquela que tem sido dada. E o combate a esse mal deve envolver não somente os políticos, mas cada um de nós, que cometemos frequentes “pecadilhos” (nós é que os julgamos assim), mas que ao fim e ao cabo não passam de lídimos atos de corrupção. Sequer preciso enumerá-los, tão conhecidos que eles são, não é mesmo?.

Mas será que tudo, de fato, está perdido no País, como muitos dão a entender? Ora, ora, ora. O que se deve procurar, todavia, são soluções concretas e este é o papel maior dos analistas, daqueles que dissecam os fatos com um certo distanciamento, ou que pelo menos deveriam proceder dessa forma. Se não têm nenhuma para sugerir… calem-se para sempre!

O festival de retórica que circula por aí (pelo menos da forma que a maioria das críticas é colocada) não passa, pois, do que Eclesiastes captou tão bem: “Vaidade, vaidade...”, nada mais do que vaidade… Neste caso estou me referindo aos que se julgam “donos da verdade” (e estes são muuuitos!), embora no íntimo saibam que estão mentindo ou, no mínimo, distorcendo os fatos, sem se importar se estão ou não destruindo reputações. E prefiro acreditar que seja só isto e não coisa muito pior!


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

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