sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Boneca de pano e minha opinião sobre literatura - Edir Araújo


Boneca de pano e minha opinião sobre 
literatura.


* Por Edir Araújo


Sou um autor trágico, haja vista meu primeiro livro publicado há quatro anos, "A Passagem dos Cometas". "Boneca de Pano" segue a mesma linha, drama trágico, cujo enredo me obrigou a incorporar uma mulher, "encarnar", vamos dizer assim, numa mulher. Penetrar no universo feminino. Através de Samantha eu faço uma soturna ilustração de todo sacrifício e amargura por que passam as vítimas de estupro.

Uso uma estratégia, comum em meus romances, inserindo anedotas, algumas picantes, cuja intenção é abrir uma breve lacuna para distrair o leitor. Também chamado "digressão", cujo fim é desviar do assunto tratado. Recurso literário muito utilizado por Machado de Assis para detalhar, ilustrar ou criticar um assunto. Em "Boneca de Pano" é uma quebra sutil, com a intenção de desanuviar a aura pesada que paira sobre a leitura. Sua intenção é atenuar o ranço de morbidez que predomina seu texto ao tratar de um tema tão impactante como é o estupro e a pedofilia, causando nos leitores um choque emocional e moral. Um livro que vai quebrar a sua rotina de leitura.

O tema é universal, instigante e sempre atualíssimo. Neste livro o autor teve que "incorporar" uma mulher: Samantha. Penetrar no universo feminino. Destarte, foi uma experiência muito importante. Poucos autores têm essa capacidade. Este é o meu quarto livro e essa qualidade torna o livro "Boneca de Pano" realmente especial. Um livro de extremos, sensações extremas, que se manifestam intensamente. Tudo é excessivo, ardente, forte, profundo. Atingindo todas as dimensões do espírito humano. Palavras, setas disparadas em várias direções, mapeando sem meio termo todos os extremos da dor, da solidão, do sexo, do vício, da crueldade, da sordidez, da decadência moral, da indignidade humana, etc. Uma incansável busca pelo tempo, perdido, roubado, e que chega tardiamente, para consolar o coração daquela inocente criatura que foi lançada ao poço de podridão, cuja superação nos causa perplexidade, profundo respeito e admiração.

Estou ciente que meu livro “Boneca de Pano” pode causar certo espanto, e até mesmo escandalizar. Um livro que, pela verossimilhança, pode também causar certo mal estar. Um leitor, após ler “Boneca de Pano” me disse que tenho um perfil perverso, um comportamento libertino, ou de um psicopata, a julgar pelo teor do texto, cruel, depravado e promíscuo. Diante disso concluí que o conceito de sexualidade hoje não parece muito distante do perpetrado por Marquês de Sade em seus romances libertinos há mais de 200 anos. E isso é realmente incrível.

Acho importante salientar que “Boneca de Pano” não é uma literatura “de consumo”. Independe da aceitação do público. É direcionada a um público específico. Não é uma literatura com foco exclusivamente no mercado, que segue fórmulas. Na minha concepção, arte é tudo aquilo que desperta emoção, mesmo que cause incômodo ou desconforto. Acho que o autor independente, sem vínculos com editoras (como eu) é notadamente rebelde, “do contra”, não segue regras preestabelecidas, seu lema é quebrar as regras e paradigmas. Existe muita coisa mal escrita por aí, muitos livros, assim circulando, mas não deixa de ser literatura.

Sou muito seletivo quanto aos livros que leio, fujo de livros meramente comercializáveis, como Paulo Coelho, por exemplo, isto é literatura de consumo, mas ele está pouco se lixando pra isso, ele é bem assessorado, o negócio é vender, e muito.

Não escrevo para vender, talvez para me tornar um pouco popular, talvez reconhecido, nem que seja num círculo restrito. Meus livros são para um público seleto.

Alan Poe, Clarice Lispector, e outros, não escreviam preocupados em vender, mas com a primazia que redunda nos grandes clássicos.

Não almejo que meus livros caiam nas graças do grande público. “50 tons de cinza” é literatura? Sim, claro. Só que eu nunca li. Nunca tive interesse em ler. O que li de sinopses sobre o livro já me deu uma bagagem enorme, abrangente, a respeito do enredo. Isso é alta literatura? Baixa literatura? Não importa. É vendável, isso importa. E como vendeu e vende até hoje.

Enfim, acho que para vender vale tudo, principalmente apelar para os requintes do mau gosto. Desde que agrade público e crítica, e principalmente as editoras.

Sigo espalhando meus livros por aí afora. Quem sabe caiam nas mãos de alguém que se identifique com o texto, que aprecie de verdade, que valorize.

* Edir Araujo é poeta e escritor, autor dos livros A PASSAGEM DOS COMETAS, GRITOS E GEMIDOS e BONECA DE PANO.



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