Felicidade Interna Bruta
As
sociedades contemporâneas, notadamente as dos países tidos e
havidos como de Primeiro Mundo, eufemismo utilizado para denominar os
povos supostamente desenvolvidos, baseiam sua ideia de progresso na
quantidade de riquezas que juntam.
Pouco
importa que os bens sejam mal distribuídos, que alguns tenham em
excesso e por isso esbanjem e outros não contem, sequer, com o
suficiente para lhes garantir três refeições diárias, um abrigo
decente e condições de higiene e de instrução dignas de um ser
humano. Essa é uma distorção que duvido que algum dia venha a
mudar. Ouso afirmar que não mudará.
É
certo que há sociedades mais sábias, onde não é a riqueza que
importa. Assisti, há alguns anos, um documentário, no canal de TV a
cabo National Geographic, que deu o que pensar. Ele mostra,
sobretudo, um choque de culturas e, quem assistiu, atento, a essa
exibição, conclui que há gritante distorção de valores na
avaliação de comportamentos. Os que consideramos civilizados são
os verdadeiros selvagens e vice-versa.
O
documentário a que me refiro foi feito com base numa viagem de
alguns nativos da ilha de Tana, invisível pontinho no mapa,
pertencente ao Arquipélago da Melanésia, esquecida por todos na
imensidão do Oceano Pacífico, à Inglaterra. Naquela remotíssima
localidade cultuam-se, ainda, os valores que, de fato, são
“valiosos”, como a solidariedade, o respeito mútuo, o amor ao
trabalho e a perfeita distribuição dos parcos bens que esse povo
tem. Ali não há ricos e nem pobres. Há pessoas integradas e
felizes e (como em todo o lugar que se preze), os que sonham com esse
tipo de vida que nós levamos e que nos oprime e judia.
Interessante
nesse filme é o pasmo dos visitantes face aos costumes e
procedimentos dos ingleses que, guardadas as devidas proporções,
são também os nossos. Uma das coisas que mais lhes causaram espanto
foi o fato de haverem pessoas sem-teto, tendo que “morar” nas
ruas, e sobreviver da piedade alheia, enquanto viram numa das cidades
que visitaram, no caso Manchester, uma infinidade de prédios vazios,
à espera de pessoas que comprem seus apartamentos e toneladas de
comida sendo jogadas no lixo.
Nós
consideramos isso “normal” e lícito. A sociedade em que vivemos
instituiu, como parâmetro de progresso, o Produto Interno Bruto. Os
habitantes de Tana acham isso a suprema das tolices e a mais cruel
das injustiças. Sobretudo quando lhes foi mostrado como os animais
de estimação são tratados, em gritante contraste com o tratamento
dado aos “excluídos” Para eles, o que conta é a .Felicidade
Interna Bruta. Quem está certo, nós ou eles? Quem é primitivo e
selvagem, nós, ou eles?
“E
onde entra a Literatura em tudo isso?”, você deve, certamente,
estar perguntando. É ela que nos proporciona a possibilidade de pelo
menos uma consciência mínima do nosso equívoco. Ela nos induz a
pensar. Ela nos apresenta “n” alternativas de um modo melhor de
viver. Ela é, conforme Cesare Pavese declarou com muita lucidez,
“nossa defesa contra as ofensas da vida”.
Foi
de propósito, pois, que intitulei este texto descompromissado e
informal da mesma forma que Leonardo Boff o fez com magnífica
crônica que acabo de reler, pela décima vez, uma das mais lúcidas
que li nos últimos tempos.
Damos
excessiva importância ao Produto Interno Bruto, que ademais não
será nunca distribuído equitativamente e do qual nosso quinhão
será sempre ínfimo, quando não nulo e não damos nenhuma ao
parâmetro que deveria nos nortear: a Felicidade Interna Bruta.
Repito,
pois, meu questionamento: quem é o selvagem, nós ou os habitantes
de Tana? Ou, baseados nas considerações de Leonardo Boff: quem é o
“atrasado”, nós ou o povo do Butão, diminuto país encravado na
Cordilheira do Himalaia?
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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