quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Nosso Português Brasileiro


Nosso Português Brasileiro


* Por Mara Narciso
 
Assim como não bate o carro quem não dirige, não erra o Português quem não escreve. Poucos redigem uma página inteira sem erros, sejam gramaticais, sejam ortográficos. Outros se confundem na lógica, nos conceitos, ou no uso de palavras, algumas vezes inexatas, que faladas soam mal, e por escrito deixam patente o engano.
 
Todos os aspectos da linguagem escrita são desafiadores. Passar a vida lendo, observando, detalhando, consultando o dicionário, reduz os erros, mas não os abolem. E quanto mais a pessoa escreve, mais exigente se torna, mais enganos vê que cometeu, especialmente depois do texto publicado, e, principalmente anos depois. São indispensáveis os corretores, revisores, editores. Para meu colega de jornalismo Girleno Alencar, “não existe texto perfeito”. João Guimarães Rosa, numa entrevista, relatou ler um texto cem vezes antes de considerá-lo pronto. Então, o que dizer dos simples escritores?
 
A prática ajuda, enquanto a pressa destrói. Quem se arvora em sua sapiência, também apresentará erros. Recuar e aceitar críticas, não faz errar menos. O erro público machuca e abala o amor-próprio. E a pergunta: como não vi isso, lendo tantas vezes? Conferir a informação é indispensável. Rever a coerência do texto, e anotar se não há discordância de ideias, ainda que sutil. Observar se o pensamento saiu completo ou se ficou faltando alguma coisa na frase. Mudanças de última hora, sem os devidos critérios e revisões são caminhos curtos para o erro, especialmente de concordância.
 
Cometer um equívoco na redação não é banal.  Dói fundo a visão de um erro grosseiro, que poderia ter sido evitado, caso a atenção fosse maior. O desconhecimento é a principal causa da escrita errada, dos significados equivocados, das palavras mal colocadas, da pontuação inadequada. Um texto passável pode receber nota ruim dada por um revisor exigente, que chega rabiscando tudo, com grifo amarelo, trocando palavras, questionando conceitos, especialmente se as regras da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas não forem seguidas num trabalho acadêmico. Liberalidades podem ser tomadas como estilo, mas os excessos são desacertos puros e simples.
 
Na dúvida da conjugação de um verbo, troque de verbo, se não sabe como escrever a palavra, abandone-a. Sem contar os inúmeros acordos ortográficos. O mais recente entrou em vigor em 1º de janeiro de 2009, necessário para formalizar e unificar a Língua Portuguesa falada em Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Timor-Leste, Portugal e São Tomé e Príncipe. Há lógica, porém, certos detalhes sugerem que nem mesmo quem participou das decisões sabe por que assim o fez. As exceções são mais amplas que as regras, e há casos em que nem mesmo há regra. Em relação às normas para o uso e desuso do hífen, só mesmo decorando.
 
Quem escreve com o coração e quer acertar, relê muitas vezes e troca vocábulos a cada leitura. Escrever bem é cortar palavras, e manuais de redação, ainda que direcionem o estilo e até os termos, fazem o veículo de comunicação linear, como se tivesse sido escrito por uma só pessoa, e sua leitura fica fluida. Houve um tempo em que havia uma revista, de publicação semanal, que era informativa e agradável. No entanto, tornou-se um panfleto, e, quando engessou o pensamento dos jornalistas, deixou de ser interessante para mentes indomadas.
 
Revisar de maneira minuciosa, deixar o texto dormir e relê-lo no dia seguinte tornam as coisas mais claras. Uma leitura sem compromisso, feita por alguém com bons conhecimentos gerais, pode ser crucial para encontrar falhas.
 
Português é uma língua difícil, complicada, quase impossível, haja vista a dificuldade de se falar corretamente em público de maneira improvisada. Algumas matérias jornalísticas mostram pessoas com o vocabulário restrito. Capas de jornais dão vexame em certas chamadas. Olavo Bilac imortalizou seu verso dizendo sobre a “Língua Portuguesa”: “Última flor do Lácio, inculta e bela”, se referindo ao Português do Lácio, região central da Itália, onde soldados falavam algo derivado do Latim vulgar. Uma língua viva, como as demais, que deixa os brasileiros perdidos na norma culta, quando a intenção é redigir certo.
 
 
* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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