sexta-feira, 31 de agosto de 2018

O amor nas mãos de Pandora - Jaime Vaz Brasil


O amor nas mãos de Pandora


* Por Jaime Vaz Brasil


E se nas mãos de Pandora
dormissem os conteúdos
 
que da caixa se soltaram
e nos prenderam a tudo
 
tudo o que possa ser visto,
sentido ou imaginado
 
na cor dos males do mundo,
na corrente dos pecados?
 
O que será de todos
nós, pecadores, agora
 
e na hora da colheita
das flores do ir embora
 
se no colo de outra virgem
nascesse um novo messias
 
pregando em nome do Pai
perversões e rebeldias
 
e que do céu derramasse
um girassol, um sinal
 
e nos fizesse viver
sem ter juízo, afinal?
 
O que seria de todos
nós, livres de culpa e dolo,
 
sem confissões nem martírios,
seitas, ritos e consolos?
 
No coração dos humanos
eu, em verdade, vos digo
 
só um problema haveria,
qual um suspenso castigo:
 
se o próprio Deus nos mandasse
alguém falar em seu nome
 
autorizando o pecado,
o amor morria de fome.
O amor em pouso de ave
 
Eis que eu te queria plena,
mas não com ares de entrega.
 
(Antes , o olho invasivo
da paixão aguda e cega.)
 
Eis que eu te queria inteira
mas não assim, repentina.
 
(Antes, o corpo que aos poucos
é entregue a quem se destina.)
 
Eu te queria fechada
sem janelas e postigo.
 
(Mas chave pronta em segredo
ao que não penso ou não digo.)
 
Eu te queria nos ventos
só por ver-te, me consolo.
 
Tu, o meu pássaro doido.
Eu, tua sombra no solo.
 
Eis que eu queria calma
mas não constante ou tão quieta.
 
(Antes, o denso imprevisto
de uma tela incompleta.)
 
Eis que eu te queria louca
mas não assim, em conflito.
 
(Antes, linha que me solta
preso ao timbre do teu grito.)
 
Eu não queria um amor
de sangue em vidro partido.
 
(Mas alma em pouso de ave
ao colo dos meus sentidos.)
 
Eu aprendi que o teu nome
me liberta e me vigia.
 
Por isso te quero minha.
Para sempre. Ou por um dia.



* Poeta gaúcho

Nenhum comentário:

Postar um comentário