O celeiro da várzea
O
futebol brasileiro abasteceu-se de craques, durante muitos e muitos
anos, no farto celeiro do que se convencionou chamar de "várzea".
São inúmeros os jogadores que serviram à Seleção Brasileira, e
alguns até que foram campeões do mundo, que começaram jogando em
times amadores, desses sem sede fixa, tendo como patrimônio somente
um jogo de camisas, onde as pessoas pagam para jogar.
Muitos
outros deixaram de ser aproveitados pelos clubes profissionais por
uma questão de circunstância ou por burrice de treinadores, ou por
cegueira dos dirigentes esportivos, os famosos "cartolas".
É o caso de alguém que conheci em São Caetano do Sul.
Chamava-se
Celso. Jogava no Flamenguinho da Vila Paula, uma dessas equipes
formadas debaixo de um poste de iluminação, mas que dentro do campo
mostrava uma técnica que não se vê a todo o momento no
profissionalismo.
Sua
"sede" social, emprestada, ficava nos fundos do "Bar
do Baixinho", onde guardava suas taças e troféus, dispostos em
quatro prateleiras de um enorme armário, além dos seus posters,
faixas e medalhas. O segredo desse time, além do talento de grande
parte dos jogadores, era a união. Era formado, exclusivamente, por
pessoas do bairro, por operários, que tinham no futebol sua diversão
de fim de semana. Treino, nem pensar.
O
Celso era meia-esquerda, como Pelé, de quem, por coincidência,
tinha alguns traços. Possuía um drible fácil, curto, rápido,
progressivo e uma agilidade como a do Robinho, que o fazia escapar
sempre ileso das botinadas dos zagueiros adversários. Raramente se
machucou em algum jogo. E não por lealdade dos que o marcavam (pelo
contrário), mas pela rapidez de raciocínio que tinha.
Era
virtualmente um jogador perfeito. Além de driblar como ninguém,
tinha uma visão de jogo rara. Sabia abrir espaços nas defesas, mas
não era "fominha". Servia invariavelmente os companheiros
em melhor colocação para o arremate. Tinha um chute preciso,
potente, seco e com as duas pernas. Embora de estatura mediana –
não mais do que um metro e setenta – sua impulsão extraordinária
o levava a fazer praticamente a metade dos seus gols de cabeça.
O
ano de ouro do Celso foi 1963, quando o Flamenguinho se sagrou o
campeão amador da cidade. E apesar da ciumeira existente no time –
isso existe em qualquer atividade e lugar – todos foram unânimes
em atribuir-lhe o sucesso. E não foi para menos.
Nosso
meia-esquerda (eu era o técnico da equipe na ocasião), foi o
artilheiro não somente nosso, mas do campeonato, que era
disputadíssimo e causava verdadeiras guerras entre vilas, com brigas
generalizadas ao final de cada jogo.
Caso
tivesse uma chance real no profissionalismo, teria ido longe. Não
havia quem não se encantasse com o seu futebol. Era o homem
invariavelmente visado pelos adversários. Até no gol, quando
preciso, o Celso jogou, e muito bem, numa determinada partida em que
o nosso goleiro foi expulso.
Em
meados de 1963, através do ex-zagueiro Nena, o jovem jogador foi
encaminhado para treinar na Portuguesa de Desportos, no Canindé.
Mesmo não recebendo a devida atenção que um craque desse porte
mereceria, se destacou de imediato. Não tardou para que começasse a
ser escalado no time de aspirantes. No banco de reservas não chegou
a ficar, porque naquele tempo não havia substituições durante a
partida.
Mas
treinou muitas vezes na equipe de cima, ao lado de Ivair. E não
decepcionou. Ocorre que o tempo foi passando, e nada do garoto (então
com 21 anos) se profissionalizar. A família, como é lógico,
começou a pressioná-lo para arranjar emprego ou voltar a estudar.
Sequer sua passagem para ir aos treinos era paga pelo clube
paulistano. Só havia despesas, sem qualquer vantagem. E as pressões
em casa aumentavam.
Um
dia, o Celso voltou ao Flamenguinho. Decidira largar a Portuguesa. O
futebol brasileiro perdeu, sem nenhum exagero, um novo Pelé. Talvez
hoje, com 76 anos de idade e avô, ele ache que tenha feito um bom
negócio ao arranjar um emprego na General Motors de São Caetano do
Sul, onde aposentou-se.
Os
que o viram jogar, e principalmente a turma da Vila Paula onde
cresceu, entendem o contrário. A GM ganhou um excelente torneiro
mecânico. Mas o futebol brasileiro perdeu, com certeza, mais um
gênio desse esporte em que, apesar da desorganização e do
desperdício de talentos, o País é o único pentacampeão do mundo.
Boa
leitura!
O
Editor.
Fiquei aqui pensando que nunca escrevi sobre meu pai,Alcides Alves da Cruz, que, segundo me contaram, no Cassemiro de Abreu, onde jogou aqui em Montes Claros, tinha as características desse jogador, inclusive por ter 1 m e 68 cm, vestir a camisa dez e fazer a maior parte do gols de cabeça.
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