Hedonista pós-moderno, eu?
*
Por Pablo Uchoa
De Jericoacoara
Desconfio ser um hedonista
pós-moderno. Ou pelo menos assim insinuou a socióloga que deu
entrevista na velha edição da revista semanal.
Segundo ela, hedonista
pós-moderno é um sujeito que valoriza os pequenos prazeres da vida.
Não necessariamente um bon
vivant, apenas
alguém com disposição para investir tempo (e muitas vezes um bom
dinheiro, é verdade) em alguma experiência, sensação, lapso
inesquecível de tempo.
Grave bem o termo, porque essa
é a mais recente invenção da turma da publicidade para arrancar
dinheiro dos bestas.
Mas ora, que dizia eu –
pequenos prazeres? Olho o mar de Jericoacoara e sinto a brisa deste
litoral, concluo que não, se sou hedonista pós-moderno, como diz a
moça, neste momento estou praticando o hedonismo como o diabo gosta.
– Ô Bastião, vê aí uma
caipirinha! – encomendo. – Maracujá? Se você insiste...
No entanto sou um hedonista
pobre, e pindaíba não combina com as delícias da pós-modernidade.
“Pequeno prazer”, para o pessoal do marketing, é gastar dois mil
e quinhentos reais numa geringonça de derreter chocolate (“ah, mas
você tem que se permitir esse gostinho!”, me aconselhou a
vendedora); ou então torrar milhares de euros por algumas horas ao
volante de uma Ferrari.
Eu, pobre diabo, orgulhoso de
já merecer assento no andar de baixo da existência, me contento com
gastar meia hora em algum banco de praça, contemplando as pernas das
meninas que passam.
“O prazer é o início e o
fim de uma vida feliz”, escreveu Epicuro, o filósofo grego tido
como o inspirador dos hedonistas, inclusive pós-modernos. Coitado, a
essa hora está se revirando no túmulo.
O prazer a que ele se referia
não vinha dos banquetes nem dos bacanais, e sim da alma satisfeita.
Para Epicuro, a vida é prazerosamente vivida quando não se teme a
morte. “A morte não significa nada para nós, porque, quando
estamos vivos, ela não está presente; ao contrário, quando a morte
está presente, nós é que não estamos”, escreveu. Por algum
motivo, o ensinamento foi tomado pelo sentido oposto – como se
fosse preciso viver antes que viesse a morte, tão terrível, tão
temida, tão indefectível.
Assim a filosofia de Epicuro,
advogada de um estilo simples e desapegado de vida, virava espuma de
colchão para preencher existências vazias do mundo moderno.
Suspiro resignado, tiro os
olhos do meu livro. Mas quem sou eu para peitar a publicidade e suas
verdinhas? De pensar assim, não faço pose de hedonista nem sequer
de epicurista, e os marqueteiros me querem vazio e insatisfeito para
empanturrar-me de guloseimas pós-modernas.
Olho mais uma vez em volta,
fico ao sol, lagarteando. Nem hedonista nem pós-moderno –
contemplativo.
Ora essa, acontece que não
quero uma geringonça de derreter chocolate por mil e quinhentos
reais. E nem quero temer a morte. Ressoam-me as palavras de Epicuro,
o companheiro: não parece mortal aquele que vive entre bens
imortais. Viva de maneira simples e seja como Deus.
Talvez seja isso. Leveza,
penso. E sinto. Satisfeito, feliz, faço um balanço dos pequenos e
grandes prazeres ao meu alcance. E executo:
– Ô Bastião, vê aí uma
caipirinha! – encomendo. – Maracujá? Bem, se você insiste...
(*)
Cronista,
autor do livro-reportagem “Venezuela: A Encruzilhada de Hugo
Chávez” (Ed. Globo, 2003), menção honrosa no prêmio Vladimir
Herzog 2004.
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