domingo, 26 de agosto de 2018

Hedonista pós-moderno, eu? - Pablo Uchoa


Hedonista pós-moderno, eu?


* Por Pablo Uchoa


De Jericoacoara


Desconfio ser um hedonista pós-moderno. Ou pelo menos assim insinuou a socióloga que deu entrevista na velha edição da revista semanal.

Segundo ela, hedonista pós-moderno é um sujeito que valoriza os pequenos prazeres da vida. Não necessariamente um bon vivant, apenas alguém com disposição para investir tempo (e muitas vezes um bom dinheiro, é verdade) em alguma experiência, sensação, lapso inesquecível de tempo.

Grave bem o termo, porque essa é a mais recente invenção da turma da publicidade para arrancar dinheiro dos bestas.

Mas ora, que dizia eu – pequenos prazeres? Olho o mar de Jericoacoara e sinto a brisa deste litoral, concluo que não, se sou hedonista pós-moderno, como diz a moça, neste momento estou praticando o hedonismo como o diabo gosta.

– Ô Bastião, vê aí uma caipirinha! – encomendo. – Maracujá? Se você insiste...

No entanto sou um hedonista pobre, e pindaíba não combina com as delícias da pós-modernidade. “Pequeno prazer”, para o pessoal do marketing, é gastar dois mil e quinhentos reais numa geringonça de derreter chocolate (“ah, mas você tem que se permitir esse gostinho!”, me aconselhou a vendedora); ou então torrar milhares de euros por algumas horas ao volante de uma Ferrari.

Eu, pobre diabo, orgulhoso de já merecer assento no andar de baixo da existência, me contento com gastar meia hora em algum banco de praça, contemplando as pernas das meninas que passam.

“O prazer é o início e o fim de uma vida feliz”, escreveu Epicuro, o filósofo grego tido como o inspirador dos hedonistas, inclusive pós-modernos. Coitado, a essa hora está se revirando no túmulo.
O prazer a que ele se referia não vinha dos banquetes nem dos bacanais, e sim da alma satisfeita. Para Epicuro, a vida é prazerosamente vivida quando não se teme a morte. “A morte não significa nada para nós, porque, quando estamos vivos, ela não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos”, escreveu. Por algum motivo, o ensinamento foi tomado pelo sentido oposto – como se fosse preciso viver antes que viesse a morte, tão terrível, tão temida, tão indefectível.

Assim a filosofia de Epicuro, advogada de um estilo simples e desapegado de vida, virava espuma de colchão para preencher existências vazias do mundo moderno.

Suspiro resignado, tiro os olhos do meu livro. Mas quem sou eu para peitar a publicidade e suas verdinhas? De pensar assim, não faço pose de hedonista nem sequer de epicurista, e os marqueteiros me querem vazio e insatisfeito para empanturrar-me de guloseimas pós-modernas.

Olho mais uma vez em volta, fico ao sol, lagarteando. Nem hedonista nem pós-moderno – contemplativo.

Ora essa, acontece que não quero uma geringonça de derreter chocolate por mil e quinhentos reais. E nem quero temer a morte. Ressoam-me as palavras de Epicuro, o companheiro: não parece mortal aquele que vive entre bens imortais. Viva de maneira simples e seja como Deus.

Talvez seja isso. Leveza, penso. E sinto. Satisfeito, feliz, faço um balanço dos pequenos e grandes prazeres ao meu alcance. E executo:

– Ô Bastião, vê aí uma caipirinha! – encomendo. – Maracujá? Bem, se você insiste...

(*) Cronista, autor do livro-reportagem “Venezuela: A Encruzilhada de Hugo Chávez” (Ed. Globo, 2003), menção honrosa no prêmio Vladimir Herzog 2004.





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