Insatisfação criadora
* Por Pedro J. Bondaczuk
A
insatisfação é a mola propulsora de todas as realizações
humanas, seja em que campo for. Na economia, é essencial. É um dos
raros comportamentos do homem que atravessou todos os ciclos de
civilização e está mais vivo do que nunca. Os gregos, por exemplo,
nunca se contentaram com suas extraordinárias conquistas
intelectuais. Com isso, criaram o teatro, a filosofia e a poesia,
desenvolveram a escultura e a arquitetura e produziram outros tantos
frutos do intelecto.
Já
a insatisfação romana era basicamente sensorial, referente ao gozo
da carne. A dos povos da Idade Média, por seu turno, era espiritual,
a da prevalência do espírito, no sentido transcendental, sobre os
sentidos. Claro que cometeram excessos e exageros, mortificando a
carne, achando que, com isso, estavam “salvando” a alma.
Evidentemente, não estavam. E o homem contemporâneo, é
insatisfeito? Mais do que nunca!
A
este, no entanto, materialista por excelência, nenhum bem satisfaz
de maneira suficiente. É essa insatisfação que move a economia,
gerando necessidades (reais ou imaginárias), que as pessoas
empreendedoras e dinâmicas buscam, em vão, satisfazer. Com isso,
criam-se indústrias, produzem-se objetos, geram-se empregos e faz-se
circular a riqueza, em um "moto perpétuo".
O
jornalista é um eterno insatisfeito e é necessário que o seja. Mas
não deve ser arauto dessa alienada insatisfação que impera,
insensível e burra, não raro induzida pela publicidade e pela
propaganda, apenas em busca de bens e serviços. Tem que mostrar
insatisfação, isto sim, com a miséria, com as injustiças sociais,
com a depredação do meio ambiente, com a corrupção galopante, com
o egoísmo e seus subprodutos e com todas as ações que ameacem a
preservação, a paz e o futuro do mundo.
A
fúria consumista do homem contemporâneo traz, como principal
consequência, a poluição, em todas as suas formas, que afeta a
saúde de todos. Causa, além disso, o esgotamento dos recursos do
Planeta, que são finitos e, portanto, não-renováveis. No ritmo de
uso atual, boa parte das matérias-primas essenciais àquilo que se
convencionou chamar de progresso e das fontes de energia, que movem a
economia do Planeta, estará exaurida e já por volta de 2050 (e
isso, numa projeção até bastante otimista). Poucos, pouquíssimos,
porém, abordam esse tema e, quando o fazem, não dão a devida
ênfase.
Mas
a Terra está, sobretudo, doente, muito doente. Sofre mudanças
dramáticas e (tomara que não) – ao que tudo indica –
irreversíveis. O aquecimento global é uma realidade, que não há
mais como negar. As geleiras derretem e causam perigosa elevação do
nível dos mares. Caso se acelere, dezenas de cidades (e até países
insulares) tendem a desaparecer.
A
civilização, como a conhecemos, está seriamente ameaçada e a
imprensa, nesse aspecto, exerce, é verdade, seu papel, informando,
advertindo e cobrando providências de quem compete agir. Porém...
Falta a ênfase adequada para despertar a humanidade de seu sono
letárgico, que transforme suas eventuais preocupações em atos
concretos, de correção de rumos.
A
filosofia que impera no mundo, desde meados do século XIX, é a da
“insatisfação organizada”. Ou seja, o desejo das pessoas de
consumir mais e mais, tanto o essencial quanto o supérfluo
(principalmente este), como automóveis, telefones celulares,
brinquedos, computadores, DVDs e tantos e tantos e tantos outros
objetos, úteis ou inúteis, essenciais ou supérfluos, sem o quê
não haverá produção, geração de riquezas, circulação de bens
e serviços, blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá e, em
última instância, empregos.
E
como se organiza isso? Quais as estratégias para manter viva, e
crescente, essa “insatisfação organizada”? Mediante a
publicidade! Daí esse ramo, hoje, ser mais do que mera disciplina do
campo das comunicações. Transformou-se em arte por excelência,
englobando disciplinas tão variadas quanto a psicologia, a
antropologia, a etologia (ciência do comportamento) e até a
filosofia. O satisfeito (se é que existe algum) é, antes de tudo,
um perdedor. Certo? Certíssimo! Os gregos já sabiam disso...Só que
a insatisfação tem que ser genuína, fruto da consciência e não
somente para consumo externo. E, sobretudo, precisa ser racional,
inteligente, prática e que não se limite a elucubrações, mas que
seja acompanhada de indispensáveis e imprescindíveis ações. Esse
é o tipo de insatisfeito, que alguns chamam de “revolucionário”,
que o mundo precisa!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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