A
pequena Glória
*
Por Edmilson Naves de Oliveira
Eu
acordo sempre cedo perto das seis e quinze da manhã. Eu mesmo arrumo
a mesa, coloco a água do café e o leite para esquentar, faca e
colher, manteiga e pão. É um ritual antes de sair para o escritório
todos os dias.
Pego
minha pasta abro a porta do apartamento e já dou de cara com a dona
Lúcia uma senhora de quase oitenta anos varrendo o corredor. Ela faz
isso desde quando me mudei para cá há mais de quinze anos.
Nunca
desço ou subo de elevador até o terceiro andar são seis vãos de
escada que faz bem a saúde. Chego ao hall que está vazio. Já não
temos porteiro está muito caro, são somente doze apartamentos e
todos os moradores são idosos e só temos crianças ou netos nos
fins de semana e alguns gostam de receber as cartas e distribuir, se
oferecem para pagar as contas é uma total harmonia aqui.
Daqui
para o meu trabalho são trinta minutos a pé o que faço com prazer
e vou descendo já com a chave do portão na mão e ao abrir o portão
me deparo com uma cena chocante, mas corriqueira que é gente deitada
ao pé do portão. Só que nesta manhã meu coração doeu e até
palpitou forte, estava ali deitada sobre um papelão com uma coberta
fina e suja uma menina que aparentava uns dez anos no máximo.
Olhei
ao redor e gente passando pela calçada e o mais triste que na sua
pressa as pessoas viram o rosto para o lado oposto, para talvez não
sentir a dor que eu senti quando me deparei com a cena. E o que fazer
naquela situação passar a chave no portão e sair caminhando na
direção oposta.
Olhei
para os lados buscando a família ou a mãe daquela menina e ninguém
por perto. E num ato impensável resolvi acordar a menina, ela
despertou assustada eu do lado de dentro do portão e ela do lado de
fora, perguntei se ela queria café, ela meio séria e desconfiada
balançou a cabeça que sim, pedi para ela esperar, entrei no hall e
peguei o elevador eu tinha pressa ela podia pegar suas bugigangas e
ir embora sem comer, quando desci com o copo de café com leite e um
prato com pão e biscoitos ela estava de pé em frente ao portão.
Quando
passei a chave no portão e olhei nos olhos dela ela sorriu, entrou
sentou na escada, devorou o pão e sem olhar nos meus olhos falou
baixinho: - meu nome é Glória! Eu peguei o prato e disse a ela que
iria buscar mais biscoitos e subi de elevador pela segunda vez em
vinte minutos, entrei em casa e fui direto ao telefone e liguei para
minha filha e pedi a ela que viesse rápido, desci com os biscoitos e
em menos de meia hora minha filha chegou, conversamos com a pequena
Glória por um bom tempo, de onde vinha se tinha casa, mãe e pai,
quanto tempo estava nas ruas e etc.
E
hoje depois de quinze anos ao abrir o portão para dar minha
caminhada vejo a imagem daquela menina deitada no meu portão. O
celular toca e ao atender é Glória me ligando de São Paulo para
dar bom dia, ela me liga todos os dias pontualmente às sete horas,
pois foi à hora que a encontrei no portão, me deseja um bom dia e
envia um beijo. Diz que está saindo para a faculdade e que no fim de
semana virá me visitar e diz: - Te amo, vovô!
*
Poeta e escritor.
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