Rei dos moços, tirano dos
velhos
* Por Pedro J. Bondaczuk
O
que seria do mundo se não houvesse amor, em suas várias formas de
manifestação? Se com ele, já há tanta miséria, egoísmo,
injustiças e corrupção, sem ele, provavelmente, nossa espécie já
teria se autodestruído, num torvelinho dantesco de violência e de
horror. É o amor que nos dá forças para suportar as intempéries
da vida. É ele que nos motiva às grandes realizações. Por ele,
desenvolvemos nossas melhores características e sufocamos os mais
baixos instintos.
Foi
o amor que motivou a construção de cidades, templos e monumentos.
Foi ele que inspirou os mais belos poemas, canções, pinturas e
esculturas. Ele é que nos faz amar a vida e ter esperanças de um
mundo melhor. Até os mais sanguinários bandidos, os mais perversos
e cruéis, já experimentaram, um dia, as delícias do amor, o que os
impediu de serem ainda piores.
Uma
das afirmações que mais tenho ouvido por aí é a de que “o amor
não tem idade”. E não tem mesmo. Na prática, todavia, as coisas
não são tão consensuais quanto se dá a entender. Pessoas mais
idosas, quando amam, são vistas com desconfiança, quando não são
vítimas de galhofa, como se não tivessem mais direito a um afeto,
por causa dos muitos anos que viveram.
Parentes,
provavelmente de olho na sua herança, por exemplo, fazem o possível
e o impossível para impedir novos relacionamentos dos mais velhos.
Jovens, por sua vez, fazem anedotas a respeito, esquecidos que um dia
também irão envelhecer e ser vítimas desses mesmos preconceitos
que alimentam.
O
tempo não para, e para ninguém. O mito da eterna juventude não
passa apenas disso: de mero ideal que todos sabem, de antemão, que é
inviável. Este é o sentido que Machado de Assis quis dar à
afirmação (verdadeira, por sinal) que “o amor é o rei dos moços
e o tirano dos velhos”. Bendita tirania!
Contudo,
nunca é tarde para se amar. Aliás, é sempre cedo. Para o amor, não
há condicionantes e nem tempo determinado. Devemos usufruí-lo
sempre, a cada momento, a cada segundo (que pode ser o nosso
derradeiro) com empenho e devoção, pondo nessa empreitada tudo o
que somos e temos. Devemos ter em mente que o tempo nunca para. Que
cada segundo desperdiçado não tem retorno e nos fará muita falta
mais adiante.
O
amor não é adiável, algo que se possa deixar para depois, para um
futuro que nem sabemos se teremos. Embora seja uma ideia incômoda,
não podemos perder de vista o fato de que somos mortais, efêmeros,
transitórios e passageiros. Por que se privar desse privilégio,
dessa bênção, dessa dádiva divina que nos adoça a existência?
O
amor tem que ser vivido, sempre, no superlativo. Quanto mais intenso
for, maior devemos tentar fazer com que se torne. Para ele não há e
nem pode haver limites. Os poetas criaram, até, estranha metáfora
para expressar o absolutismo desse maiúsculo sentimento: morrer de
amor.
A
rigor, convenhamos, ninguém morre dessa causa, claro. E se
morresse... seria morte gloriosa. Morre-se, é verdade, de amor
não-correspondido, o que é outra coisa. Esse, sim, é um sofrimento
que não desejo nem para o pior inimigo. Mas quando há
correspondência! Ah!, os amantes conseguem a façanha de transportar
o céu para a terra. As pedras e espinhos não lhes ferem os pés,
frio e calor não os incomodam e um vê a vida (como incrível magia)
nos olhos do outro. É um delírio!
O
amor, na verdade, não é um sentimento isolado, único, mas um
conjunto de sensações e emoções (não raro contraditórias) que
nos toma por inteiro e preenche todo o nosso tempo, às vezes toda a
nossa vida. Pode até acabar (de morte natural ou não), mas sempre
haverá de nos deixar profundas marcas, em que se misturam saudade e
despeito. Supera as limitações do tempo, não tem passado ou futuro
e é um eterno presente, mesmo que sobreviva apenas na recordação.
Paradoxal,
o amor nos proporciona o máximo do prazer e os mais intensos
sofrimentos, de acordo com as circunstâncias. É a feliz união
entre a emoção e a razão, entre o concreto e o abstrato, entre o
instintivo e o racional. É, simultaneamente, egoísmo e altruísmo,
posse e doação, carne e espírito.
Mas
amar, ao contrário do que possa parecer, não é tão fácil quanto
se apregoa. Para que esse sentimento se manifeste e se realize, em
sua plenitude, temos que abrir mão de grande parcela do nosso
egoísmo e do nosso arraigado e não raro exacerbado egocentrismo.
Apregoar o amor não é difícil, pelo contrário. Senti-lo, também
não chega a beirar a impossibilidade e não envolve maior
complexidade. Mas vivê-lo em sua plenitude é que são elas! Para
isso, temos que relevar os defeitos alheios, que a rigor não são
maiores do que os nossos, sem ares de superioridade ou tentativas de
imposições.
Disse
alguém (não me recordo quem), que “amar é como saborear o melhor
vinho...deixá-lo decantar lentamente, segurá-lo gentilmente,
saborear gole por gole. Não se cultiva uma grande vindima. É
preciso criá-la... O amor requer atenção integral e cultivo
permanente. Mas o trabalho que venha, eventualmente, a dar é mais do
que compensador, pelas delícias que nos proporciona. Só conhece a
sua grandeza e transcendência quem o sente ou um dia sentiu.
Vinícius
de Moraes escreveu, em um de seus poemas mais célebres, que “para
viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso,
muita seriedade e pouco riso – para viver um grande amor”.
Experimente! Vale a pena. Aliás, como ressaltou Fernando Pessoa,
“tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
O amor não é fácil, e falar dele é ainda mais difícil. Nunca consegui fazer o que você fez, faz e fará. Falar de amor é desafio permanente.
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