Carta
nº 5 – De Domitila para Katty
*
Por Urda Alice Klueger
Oi,
Katty, prazer! A gente ainda não se conhece e então me apresento:
sou Domitila Chungara, a gatinha que a Urda criou depois que veio
morar aqui em Enseada de Brito. Não sei muito bem o começo da minha
história, e então vou repetir o que a Urda sempre conta: em janeiro
de 2017 eu tinha sido jogada fora na Cachoeira, que é um lugar do
qual nem me lembro, e o Chapéu, que é um morador daqui, me achou e
me trouxe para cá, e eu estava na entrada da Servidão Basilissa,
perdidinha da silva, quando a Urda me levou para a casa dela. Ela já
tinha outros dois cachorros e uma gata, então, e um cachorrão
enorme, chamado Atahualpa, ficou tão tomado de amores por mim que
queria por toda a lei me cheirar e me amar, mas com aquele focinhão
dele, ia mais era me esmagar. O único lugar que parecia seguro para
mim era a banheira do quarto, e lá eu fiquei a primeira semana, com
uma casinha de papelão e uma cama quentinha, tomando leite em pires
e lambendo molho de espagueti. Algumas vezes por dia a Urda deixava
aquele cachorrão ir me ver, e ele latia atroando os ares, querendo
ao menos me lamber, mas era uma questão de segurança que ele
ficasse para lá da borda da banheira.
Um
dia, eu já podia subir na tal borda e depois conquistei o mundo, e
todo a gente dizia coisas assim: “Oh, quem é essa coisinha de
nariz cor de rosa e com uma lua na ponta do rabo?” – mas isto faz
um tempo enorme, e eu era mesmo uma coisica de nada, que se enfiava
debaixo das cobertas para escapar do ar condicionado daquele
longínquo verão, mamava no braço ou na orelha ou no nariz de
qualquer um, pois decerto deixara de mamar antes da hora e dormia
abraçadinha com o cachorrinho Zorrilho, que então era quatro vezes
maior do que eu.
A
gata da casa era uma esnobe que nunca gostou de mim – quem gostava
eram os cachorros, e até hoje são eles os meus amigos preferidos e
até hoje a gata da casa não vai com a minha cara.
Pesei-me
hoje: agora sou uma gatona de cinco quilos e meio, com longas pernas
boas para pular e subir até no pinheiro do seu Carlos Japonês, e
não há cachorro no mundo que seja tão rápido quanto eu. Desde
pequena que ando atrás dos cachorros e conheço a praia toda, e
todas as árvores, e todos os esconderijos... meu, Katty, mas não
era isso que eu ia contar. Ia contar é que hoje estive na cidade de
Palhoça, e mesmo não tendo visto muitas coisas, o que eu senti de
cheiros! Na verdade, o que vi foi apenas a clínica veterinária onde
fora tomar vacina e as pessoas que lá trabalham e a tia que dá
pics, mas foi uma aventura! Quando eu ouvia pessoas falando de ônibus
lotados, nunca pudera imaginar do que se tratava, mas hoje viajei
dentro de um. Na verdade, era o carro da Urda, e nos bancos da frente
iam ela e nossa amiga Maria Antônia com Atahualpa no colo – eu sou
doida pela Maria Antônia; às vezes saio de casa em algum horário
como três da madrugada e vou bater lá na casa dela e ela abre a
janela e eu durmo lá com ela até de manhã, e ela me chama de
amorzinho, veja só que querida que é.
Hoje,
no entanto, eu viajei na parte de trás do carro com mais dois
cachorros, sendo que a Tereza Batista tem 25 quilos e eu estava presa
numa casa de gato de pano, bem macia e segura, mas era tanta gente
dentro daquele “ônibus” que quase fiquei esmagada quando a
mochila da Urda caiu sobre mim. Fiz cada MINHAU que a Maria Antônia
correu a me acudir. Acabou tudo bem, mas quando chegamos em casa
estávamos todos exaustos. Fui dormir no sofazinho azul, e logo
Tereza Batista foi também, assim meio em cima de mim, mas eu nem me
dei conta dos 25 quilos dela, e passamos horas, ali, como mortas!
Andar em ônibus lotado não é fácil!
Era
isto que queria contar, que pela primeira vez viajei para longe e fui
numa cidade de verdade – estava tão emocionada que nem senti o
pics! A Urda achou que já era tempo de eu ficar sua amiga e lhe
contar as novidades.
Quando
a gente se encontrar de verdade eu irei subir no seu colo. Por
enquanto, deixo um minhau bem legal, daqueles que faço quando luto
de batalha com Tereza Batista. Tomara que você também me chame de
amorzinho!
Grande
carinho,
Domitila
Chungara Klueger
Gata
Escrito
no Sertão de Enseada de Brito em 16 de agosto de 2018, por Urda
Alice Klueger.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e cinco livros (o 25º lançado em maio de
2018), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições),
“No tempo das tangerinas” (12 edições) e “No tempo da Magia”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário