domingo, 5 de dezembro de 2010


Ânsia de compartilhar

H
á determinados fenômenos que me fascinam, enquanto estudioso do comportamento humano, e que se me constituem em insondável mistério. Um deles é o que se refere à paixão que mais da metade da população mundial tem pelo futebol. Como escritor e como intelectual, essa atividade desportiva é, há já alguns anos, meu objeto preferido de estudo e de reflexão. Não tenho nenhuma conclusão peremptória a propósito, mas elaborei diversas teorias que podem estar corretas ou completamente equivocadas. Por isso é que são meras hipóteses, não certezas. Abordarei o que se passa ao meu redor e que, portanto, posso testemunhar no dia a dia, mas algumas das conclusões a que cheguei se encaixam perfeitamente no que ocorre no resto do mundo.

O futebol, no Brasil, tem papel que extrapola, em muito, sua finalidade básica, que é o lazer. Vai além, também, do âmbito desportivo, no sentido lato, porquanto o mistério reside no comportamento não de quem o pratica, no caso os jogadores, mas na paixão exacerbada de quem o presencia, os torcedores. Ultrapassa inclusive outra função que alguns lhe atribuem, a de catarse coletiva, de válvula de escape de tensões e frustrações, como é utilizado, inclusive – ao lado de outros esportes – em diversas outras sociedades nacionais, mesmo as que ostentam estágios de civilização mais avançados do que o nosso.

O futebol, notadamente no Brasil (que é onde nasci, cresci, vivo e que, portanto, conheço) desperta paixões exacerbadas de amor (pelo clube de coração do torcedor) e de ódio (pelos adversários), como poucas coisas na vida são capazes de despertar. Talvez se aproxime, em termos de fanatismo, da religião. Mas supera as paixões políticas e ideológicas. E por que isso acontece? Há tempos o fenômeno carece de um estudo mais profundo de pessoas mais capacitadas e preparadas que eu. De qualquer forma, considero o futebol importante (desde que encarado na devida medida, sem se descambar para excessos e exageros) por unir os brasileiros (pelo menos parcelas deles) e por servir de pretexto para manifestações de civismo e de amor à pátria – pelo menos em épocas de jogos da Seleção – como nenhuma outra atividade faz.

Critico comportamentos passionais não com a arrogância do intelectual que não se deixa contaminar por paixões. Longe disso. E muito pelo contrário. Nesse aspecto, também sou passional. Quando meu clube do coração está envolvido (e nunca escondi de ninguém que este é a centenária Ponte Preta), toda minha racionalidade vai pras cucuias e só tenho olhos e anseios para os que o representam nas competições que participa. Deixo de ser cerebral para me tornar animal “visceral”. Nisso não sou nada diferente da grande maioria das pessoas que conheço, com as quais convivo, intelectuais ou não.

Uma questão ainda mais intrigante, e que imprime uma infinidade de pontos de interrogação em minha mente, é: Por que o futebol, esporte que nada tinha a ver com nossos costumes e tradições, alienígena, inventado na Inglaterra, de onde foi importado em fins do século XIX e que foi praticado, por muito tempo, apenas, por aristocratas, ou seja, pela elite, caiu tanto no gosto popular do brasileiro? Sim, por que? Afinal, nosso povo poderia ser apaixonado por tantas outras modalidades. Poderia adorar, por exemplo, o beisebol, como o norte-americano o faz. Ou o vôlei, do qual o País é hoje referência de qualidade no mundo, detendo a primazia quer no masculino, quer no feminino. Mas não, o brasileiro é apaixonado, mesmo, é pelo futebol.

Objetivamente, convenhamos, trata-se de um jogo até monótono, quando mal jogado é muito chato, com regras nem sempre muito claras, muitas delas interpretativas e que, quando opõe adversários de pouca ou nenhuma competência, chega mesmo a dar sono. E no entanto... De fins da década de 50 do século passado a meados da de 70, quando o grande Santos montou a incomparável “máquina” de jogar futebol, esse fascínio popular seria até um pouco compreensível. No campeonato paulista de 1958, por exemplo, esse esquadrão fantástico marcou perto de 200 gols em 38 jogos!!! Aplicou pelo menos oito goleadas históricas em seus adversários. Pelé, sozinho, marcou, nessa competição, quase o mesmo tanto de gols que o time inteiro do Fluminense no Brasileirão de 2010: 58!!!.

A maioria dos jogos, porém, é de uma chatice imensa. A bola mais fica parada do que em movimento, por causa das infrações cometidas. O número de passes errados – à exceção de jogos excepcionais, como Barcelona e Real Madrid, na Espanha – é de quantidade absurda e constrangedora. Há partidas que, quando sai um mísero golzinho, é caso de se comemorar como grande feito. E, no entanto...

E o curioso é que a paixão do brasileiro pelo futebol brotou de forma espontânea, sem que houvesse nenhum planejamento nesse sentido ou qualquer forma subjetiva de indução, e que nem mesmo teve grande divulgação pela imprensa nos primórdios da implantação dessa modalidade em nosso País. Talvez, se tivesse, o Brasil não teria o sucesso que de fato tem (vá lá saber!!!). Afinal, aqui é a terra do improviso, do jogo-de-cintura, do jeitinho.

Sem que ninguém consiga explicar como e nem porque, o futebol, aos poucos, se alastrou não somente nos grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, mas por todo o território nacional, tornando-se mania dos brasileiros. Hoje, até campeonatos indígenas são disputados, com o mesmo entusiasmo de um Campeonato Brasileiro da Primeira Divisão. É o que sabemos fazer bem, com competência e êxito.

Tenho uma tese a respeito, embora tema que não se sustente. O futebol é um jogo em que tudo é simbólico. A bola, por exemplo, simboliza o planeta que nos acolhe. As metas são os objetivos que colocamos em nossas vidas que, para serem alcançados, temos, antes, que superar uma grande quantidade de obstáculos (no caso, o sistema defensivo adversário, incluindo o goleiro). O árbitro representa o juiz na vida real, a quem compete julgar nossas pendências com o próximo. E seus auxiliares seriam os outros membros do aparato de justiça que dirime controvérsias e nos pune quando infringimos as regras.

Ademais, o futebol fascina tanto por se tratar de esporte coletivo. A nossa ânsia de compartilhar, de nos sentir parte (mesmo que indireta) de um grupo, de uma comunidade, de uma associação faz com que nos apaixonemos tanto pela modalidade. Mas... como diz o italiano: “Si non é vero é bene trovato”. De qualquer forma, está aí um bom assunto para você, meu paciente leitor, refletir em seus momentos de ócio. Valeu a sugestão?

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. O futebol faz sucesso por que não há participação direta do Governo, e, de um modo geral, nem incentivo financeiro específico para sua prática. A Lei Zico, que ordena o futebol, é de 1993. Antes disso a febre já percorria o país de norte a sul. Sobre sua tese, acho improvável que ela se sustente.

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