O pedaço de bolo
* Por Celamar Maione
Ana Maria e Mariozinho já namoravam há mais de dois anos. Conheciam-se desde crianças. Costumavam brincar de pique-esconde, queimada, pique-bandeira. Quando Ana Maria completou 16 anos, Mariozinho, com 18 pediu, para namorar a jovem. Ela aceitou. Era um namoro de dar inveja a gente grande. Os dois eram apaixonadíssimos. Viviam grudados um no outro. Dava até nervoso. A mãe de Ana Maria ficava preocupada com tanta grudação:
-Minha filha, você não acha que está muito nova pra ficar pra cima e pra baixo com esse namorado? Você está na idade de estudar, de sair com as amigas, conhecer outros rapazes...
Nessas horas a jovem ficava contrariada com a mãe:
-Cruzes mãe..você devia agradecer por eu estar namorando um jovem de família. Já está fazendo até faculdade. Tem tantas moças que estão por aí passando de mão em mão e eu fiel ao meu namoro.
A tia encalhada até que dava forças para a sobrinha:
-É isso mesmo Eugênia. Não vê eu, já com quase 40 anos e estou aqui, sem ninguém. Não tem homem na minha idade que queira namoro sério. E tua filha tá aí, namorando um homem de boa família. Devia dar graças a Deus.
A mãe então deixava passar. Mas que aquela grudação dava nos nervos de Dona Eugênia, dava mesmo. Ainda mais quando o marido enchia os ouvidos dela:
-Fica de olho mulher, qualquer dia Ana Maria aparece grávida.
Eugênia batia na madeira três vezes:
-Sai pra lá boquinha santa. Ela tá muito nova pra ter filhos.
Alheios à discussão em torno do namoro, os pombinhos continuavam na maior lua-de-mel. Era cinema, shopping, praia, festas, tudo junto. Não se desgrudavam nem um minuto sequer:
-Amor, vamos ao shopping amanhã? Eu quero que você escolha comigo a camisa para a gente ir naquela festa.
E era assim. Um não dava um passo sem consultar o outro. Até mesmo na escolha de uma simples camisa. As amigas de Ana Maria babavam de inveja. Tinham até aquelas que secavam o namoro:
-Ana Maria, Ana Maria, abre o olho com o teu namorado. Homem fiel não existe. Ele te trata assim mas olha, deve te trair.
-Me trair como? Estamos sempre juntos!
-Ué, quando ele vai para a faculdade... Pode dizer que vai pra faculdade e não vai. Ou quem sabe tem até uma paquera por lá.
Ana Maria era segura de si. Não dava ouvidos para as invejosas das amigas. No fundo ria do veneno das meninas, todas encalhadas.
Por sua vez, Mariozinho também ouvia piadinha dos amigos. Principalmente na faculdade:
-Cuidado hein cara! Vai se amarrar assim tão cedo? Não vê aquela loira que senta lá atrás? Tá te dando o maior mole. E você nada.
Mariozinho, com aquela cara de homem sério respondia:
-Que nada cara, sou fiel. Sou o homem mais fiel do mundo. Amo a Ana Maria e vou me casar com ela.
E assim o tempo ia passando. Até que chegou o Natal. Mais um Natal juntos para Ana Maria e Mariozinho. Uns cinco dias antes do Natal, Ana Maria sentiu que Mariozinho estava meio triste, cabisbaixo. Ela conhecia o namorado. Iinsistiu para que ele falasse. Mariozinho negou que tivesse acontecendo algo diferente:
-Você está se grilando á toa. Não tenho nada. Tira essa bobagem da sua cabeça. Ah, sim, e não se esqueça, dia 25 eu quero comer aquele bolo que só você sabe fazer. E pára com essas bobagens, tá bom?
Mariozinho beijou a namorada e a paz e a confiança foram novamente seladas entre o casal. Dia 24, véspera do Natal, Ana Maria estava na cozinha, toda descabelada, ajudando a mãe com a ceia. Preparava, também, o bolo do namorado. Fazia com gosto o bolo de nozes que ele tanto gostava. Nisso, Mariozinho entra cozinha adentro:
-E aí meu amor? Está preparando meu bolo? Amanhã quero comer esse delicioso bolo de nozes no almoço.
Os dois conversaram um pouco. Mariozinho se despediu prometendo voltar no dia seguinte. Natal era sempre assim. O rapaz passava a ceia com os pais e no dia 25 almoçava na casa da namorada. Durante a despedida Ana Maria sentiu uma pontada no coração. Achou que era apenas impressão. Insegurança boba. Quando Mariozinho virou com o carro na esquina de casa, ela fechou o portão e continuou ajudando a mãe a preparar a ceia.
De noite correu tudo bem. A família de Ana Maria brindou a chegada do Natal com uma ceia farta e muitos presentes. O tio guloso ainda quis comer um pedaço do bolo de nozes. Ana Maria ralhou:
-Não senhor, esse bolo é para o almoço, é para o Mariozinho!.
Dia 25. Ana Maria esperava o namorado para o almoço. Meio-dia e nada. Ligou para a casa dele, ninguém atendeu. Três horas da tarde e nem sinal do namorado. Todos já haviam almoçado. Ana Maria caiu em prantos. Andava de um lado para o outro. O bolo dentro da geladeira praticamente intacto.
Por volta de cinco da tarde a mãe de Mariozinho ligou para ela. As duas precisavam conversar. Ela foi até a casa do namorado. A mãe de Mariozinho entregou uma carta para ela:
-Toma. Meu filho pediu que entregasse essa carta pra você.
Ana Maria leu com as mãos trêmulas. Era uma carta de despedida. Mariozinho dizendo que havia finalmente conseguido uma bolsa para estudar no estrangeiro. Era o sonho de sua vida e não podia deixar por nada. Não teve coragem de contar para ela. Quando ela lesse a carta, ele já estaria longe. Teria embarcado. O caso de amor deles terminava ali. Não tinha data para voltar. Talvez não voltasse nunca mais.
Ana Maria enlouqueceu. Ainda insistiu com a mãe de Mariozinho para que ela dissesse aonde ele tinha ido. A mãe não falou por nada desse mundo. Nem um mês depois, todos na rua comentavam que Ana Maria havia enlouquecido. A jovem agora falava sozinha. Não tomava banho. E detalhe: guardou um pedaço do bolo de nozes na geladeira. Ela jurava por todos os santos que ele ia voltar. E não voltou nem cinco anos depois. Nunca mais souberam de Mariozinho. Ana Maria realmente saiu do juízo normal. Não havia psiquiatra que desse jeito.
Na geladeira, o pedaço de bolo, que ela havia guardado para o almoço natalino do namorado, ocupava um pequeno espaço no congelador. Todo dia ela ia até a geladeira, olhar para aquele pedaço de bolo velho. E ai de alguém que quisesse jogar fora. Ela seria capaz de matar!
* Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos. É autora do livro de contos “Só as feias são fieis” (Editora Multifoco).
* Por Celamar Maione
Ana Maria e Mariozinho já namoravam há mais de dois anos. Conheciam-se desde crianças. Costumavam brincar de pique-esconde, queimada, pique-bandeira. Quando Ana Maria completou 16 anos, Mariozinho, com 18 pediu, para namorar a jovem. Ela aceitou. Era um namoro de dar inveja a gente grande. Os dois eram apaixonadíssimos. Viviam grudados um no outro. Dava até nervoso. A mãe de Ana Maria ficava preocupada com tanta grudação:
-Minha filha, você não acha que está muito nova pra ficar pra cima e pra baixo com esse namorado? Você está na idade de estudar, de sair com as amigas, conhecer outros rapazes...
Nessas horas a jovem ficava contrariada com a mãe:
-Cruzes mãe..você devia agradecer por eu estar namorando um jovem de família. Já está fazendo até faculdade. Tem tantas moças que estão por aí passando de mão em mão e eu fiel ao meu namoro.
A tia encalhada até que dava forças para a sobrinha:
-É isso mesmo Eugênia. Não vê eu, já com quase 40 anos e estou aqui, sem ninguém. Não tem homem na minha idade que queira namoro sério. E tua filha tá aí, namorando um homem de boa família. Devia dar graças a Deus.
A mãe então deixava passar. Mas que aquela grudação dava nos nervos de Dona Eugênia, dava mesmo. Ainda mais quando o marido enchia os ouvidos dela:
-Fica de olho mulher, qualquer dia Ana Maria aparece grávida.
Eugênia batia na madeira três vezes:
-Sai pra lá boquinha santa. Ela tá muito nova pra ter filhos.
Alheios à discussão em torno do namoro, os pombinhos continuavam na maior lua-de-mel. Era cinema, shopping, praia, festas, tudo junto. Não se desgrudavam nem um minuto sequer:
-Amor, vamos ao shopping amanhã? Eu quero que você escolha comigo a camisa para a gente ir naquela festa.
E era assim. Um não dava um passo sem consultar o outro. Até mesmo na escolha de uma simples camisa. As amigas de Ana Maria babavam de inveja. Tinham até aquelas que secavam o namoro:
-Ana Maria, Ana Maria, abre o olho com o teu namorado. Homem fiel não existe. Ele te trata assim mas olha, deve te trair.
-Me trair como? Estamos sempre juntos!
-Ué, quando ele vai para a faculdade... Pode dizer que vai pra faculdade e não vai. Ou quem sabe tem até uma paquera por lá.
Ana Maria era segura de si. Não dava ouvidos para as invejosas das amigas. No fundo ria do veneno das meninas, todas encalhadas.
Por sua vez, Mariozinho também ouvia piadinha dos amigos. Principalmente na faculdade:
-Cuidado hein cara! Vai se amarrar assim tão cedo? Não vê aquela loira que senta lá atrás? Tá te dando o maior mole. E você nada.
Mariozinho, com aquela cara de homem sério respondia:
-Que nada cara, sou fiel. Sou o homem mais fiel do mundo. Amo a Ana Maria e vou me casar com ela.
E assim o tempo ia passando. Até que chegou o Natal. Mais um Natal juntos para Ana Maria e Mariozinho. Uns cinco dias antes do Natal, Ana Maria sentiu que Mariozinho estava meio triste, cabisbaixo. Ela conhecia o namorado. Iinsistiu para que ele falasse. Mariozinho negou que tivesse acontecendo algo diferente:
-Você está se grilando á toa. Não tenho nada. Tira essa bobagem da sua cabeça. Ah, sim, e não se esqueça, dia 25 eu quero comer aquele bolo que só você sabe fazer. E pára com essas bobagens, tá bom?
Mariozinho beijou a namorada e a paz e a confiança foram novamente seladas entre o casal. Dia 24, véspera do Natal, Ana Maria estava na cozinha, toda descabelada, ajudando a mãe com a ceia. Preparava, também, o bolo do namorado. Fazia com gosto o bolo de nozes que ele tanto gostava. Nisso, Mariozinho entra cozinha adentro:
-E aí meu amor? Está preparando meu bolo? Amanhã quero comer esse delicioso bolo de nozes no almoço.
Os dois conversaram um pouco. Mariozinho se despediu prometendo voltar no dia seguinte. Natal era sempre assim. O rapaz passava a ceia com os pais e no dia 25 almoçava na casa da namorada. Durante a despedida Ana Maria sentiu uma pontada no coração. Achou que era apenas impressão. Insegurança boba. Quando Mariozinho virou com o carro na esquina de casa, ela fechou o portão e continuou ajudando a mãe a preparar a ceia.
De noite correu tudo bem. A família de Ana Maria brindou a chegada do Natal com uma ceia farta e muitos presentes. O tio guloso ainda quis comer um pedaço do bolo de nozes. Ana Maria ralhou:
-Não senhor, esse bolo é para o almoço, é para o Mariozinho!.
Dia 25. Ana Maria esperava o namorado para o almoço. Meio-dia e nada. Ligou para a casa dele, ninguém atendeu. Três horas da tarde e nem sinal do namorado. Todos já haviam almoçado. Ana Maria caiu em prantos. Andava de um lado para o outro. O bolo dentro da geladeira praticamente intacto.
Por volta de cinco da tarde a mãe de Mariozinho ligou para ela. As duas precisavam conversar. Ela foi até a casa do namorado. A mãe de Mariozinho entregou uma carta para ela:
-Toma. Meu filho pediu que entregasse essa carta pra você.
Ana Maria leu com as mãos trêmulas. Era uma carta de despedida. Mariozinho dizendo que havia finalmente conseguido uma bolsa para estudar no estrangeiro. Era o sonho de sua vida e não podia deixar por nada. Não teve coragem de contar para ela. Quando ela lesse a carta, ele já estaria longe. Teria embarcado. O caso de amor deles terminava ali. Não tinha data para voltar. Talvez não voltasse nunca mais.
Ana Maria enlouqueceu. Ainda insistiu com a mãe de Mariozinho para que ela dissesse aonde ele tinha ido. A mãe não falou por nada desse mundo. Nem um mês depois, todos na rua comentavam que Ana Maria havia enlouquecido. A jovem agora falava sozinha. Não tomava banho. E detalhe: guardou um pedaço do bolo de nozes na geladeira. Ela jurava por todos os santos que ele ia voltar. E não voltou nem cinco anos depois. Nunca mais souberam de Mariozinho. Ana Maria realmente saiu do juízo normal. Não havia psiquiatra que desse jeito.
Na geladeira, o pedaço de bolo, que ela havia guardado para o almoço natalino do namorado, ocupava um pequeno espaço no congelador. Todo dia ela ia até a geladeira, olhar para aquele pedaço de bolo velho. E ai de alguém que quisesse jogar fora. Ela seria capaz de matar!
* Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos. É autora do livro de contos “Só as feias são fieis” (Editora Multifoco).
Feliz de Ana Maria que ficou louca para não ficar sofrendo racional e eternamente. Quando a dor é grande demais, a mente sofre um curto-circuito, e sai do ar. Assim foi. É tristíssimo esse amor incompleto, que ficou no quase e não aconteceu de fato. Triste ou alegre? Ambiguo? Pelo menos existiu.
ResponderExcluirQue covardia a dele, não Celamar?Beijos
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