terça-feira, 28 de dezembro de 2010


Arte e competição


O bem e o mal duelam no fundo da nossa mente (quer no plano consciente, quer no sub e no inconsciente), desde o momento em que tomamos consciência de nós mesmos e do mundo que nos cerca, até o instante da absoluta inconsciência, que é a morte. Nem sempre, contudo, um e outro se manifestam em atos. Mas estão lá, adormecidos, esperando apenas uma oportunidade para se manifestar. E ambos, conforme as circunstâncias e ocasiões, manifestam-se de fato, quando menos esperamos.
Todas as nossas atividades intelectuais, ou seja, as artes, a filosofia e a religião, são diretamente determinadas por essa incessante competição. O escritor John Steinbeck, no livro “A Leste do Éden”, levanta uma pitoresca questão a propósito, na qual eu não havia cogitado. Sugere que, intrinsecamente, somos, até por instinto, bons e virtuosos.
O mal, por seu turno, na visão do romancista, precisa, a todo o momento, ser ressuscitado, quando não reinventado. Cita, como argumento, novos vícios que surgem de quando em quando. Por exemplo, o tabagismo era desconhecido do Ocidente até o século XVI, embora atualmente faça tantas vítimas mundo afora com seus malefícios.
Já a virtude é, rigorosamente, a mesma desde que o homem aprendeu a pensar e a se relacionar com o próximo. Nada de novo surgiu, nos últimos milênios, no que se refere à moral e aos bons costumes.
Será que o homem, algum dia, conseguirá extirpar o mal da sua mente e, por conseqüência, do mundo? Provavelmente, sou irrecuperável ingênuo. Mas acredito, sem nenhuma sombra de dúvida, que sim. Somente se (ou quando) conseguir sucesso nesse empreendimento, o dito “Homo Sapiens“ fará jus a essa designação e poderá se considerar regenerado e detentor da verdadeira sabedoria. Enquanto isso...
A vida da grande maioria das pessoas – tanto das que vivem hoje, quanto dos bilhões que já viveram desde o surgimento do homem – é, convenhamos, rotineira e vazia, por causa da personalidade, educação, oportunidades (no caso, falta delas) e, principalmente, circunstâncias de cada uma.
Os valores e objetivos, geralmente, são ilusórios e pequenos, mesmo dos que são tidos e havidos como “vencedores”. Dois terços da humanidade, infelizmente, vivem na miséria e têm diante dos olhos cenários cinzentos, paupérrimos, feios, horrorosos, horrendos, para que o um terço restante se regale e viva com conforto e até desregramento. O consumismo desenfreado e inconsciente é o “bezerro de ouro” do nosso tempo, em que o “mercado” foi alçado à condição de divindade.
Todavia, nem por isso as pessoas punidas pelas circunstâncias precisam abrir mão da beleza. Afinal, o mais puro e encantador lírio brota, também, nos mais infectos pântanos. Mesmo uma vida “perdida”, pelos critérios atuais de sucesso, não precisa, necessariamente, ser feia e desoladora. Pode ser vazia, difícil e sofrida, mas, ainda assim, bela. Não é paradoxal? É! Mas ainda assim, possível!
Para isso, é necessário, no entanto, que essas pessoas cultivem, desde tenra infância, até por instinto, o senso estético. Se puderem criar obras belas e harmoniosas, que encantem a vista e alegrem o coração, tanto melhor. Caso contrário, apenas a capacidade de identificá-las (e valorizá-las) e usufruí-las já transforma (para melhor) a vida de qualquer um, por maiores que sejam sua carência e seu desamparo.
Curiosamente, nos lugares mais sombrios e desoladores, emergem, com freqüência, refinados artistas, que captam beleza até no próprio ar e a transmitem por palavras, cores e sons. Um dos versos do poema “Retrato”, de Cecília Meirelles, diz a propósito: “Meus pés vão pisando a terra/que é a imagem da minha vida:/tão vazia, mas tão bela,/tão certa, mas tão perdida!”
Algumas raras vezes uma obra de arte que produzimos supera, em grandeza e transcendência, em muito aquilo que nós somos. Adquire um toque de magia, de perpetuidade, de eternidade até, enquanto nós não passamos de frágeis animais, efêmeros, ignorantes, sumamente imperfeitos e, sobretudo, transitórios.
Convém que, nessas ocasiões, revisemos o que fizermos para lhe dar indispensável toque de humanidade. Caso contrário, nossa obra-prima, exatamente por sua perfeição formal, não encontrará acolhida por parte das outras pessoas, que não se identificarão com ela. Faltar-lhe-á verossimilhança.
Qualquer tipo de renúncia é doloroso, não há como negar. Ainda mais dessa natureza, que afeta, diretamente, nosso ego. Mas não raro, esta se faz não somente necessária, como indispensável. E este é um desses casos. É disso que tratam estes versos com que o poeta piracicabano, Pedro Morato Krahenbuhl, abre o poema “Voto”: “Corrompe-te um vício de humanidade.//Se teu verso repousar na pedra,/na cúpula do tempo ressoar,/gradua-lhe o tom de eternidade,/em poeira e renúncia”.
Confio no poder da auto-sugestão. Já vi pessoas fazerem maravilhas ao se convencerem que poderiam obter sucesso em suas atividades, quando todos os prognósticos lhes eram contrários. Nas recentes Olimpíadas de Pequim, vários atletas se superaram, e venceram os favoritos, estabelecendo recordes olímpicos e mundiais de suas modalidades, porque, além do devido preparo (indispensável, claro, para quem queira vencer em qualquer coisa), se convenceram de que poderiam surpreender a todos. E surpreenderam.
Este é o caminho que vejo para sufocarmos o mal latente que subjaz em nossos inconsciente e subconsciente e permitirmos que o bem – representado, principalmente, pela “trinca” Bondade, Altruísmo e Solidariedade – reine soberano em nossas mentes, corações e vidas. E, por conseqüência, no mundo...

Boa leitura.

O Editor.
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Um comentário:

  1. Isso é que é otimismo. Pedro, você é incorrigível e busca sempre "Uma Nova Utopia".

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