sexta-feira, 31 de dezembro de 2010




Encontro com a infância

* Por Urariano Mota

Tive um encontro luminoso, luminoso e claro, durante o enterro da tia de um amigo, no cemitério de Santo Amaro, aqui no Recife.

Uma senhora chegou para mim e começou a falar umas coisas que eu não entendia, me abraçou, disse que me conhecia, e eu sem entendê-la, parecia que ela me falava numa língua distante, de sons distantes, que eu desaprendera a falar, mas que ainda assim era íntima, de uma intimidade esquecida por mim.

Então eu lhe fui sincero: “eu não estou entendendo a senhora”. Então ela me esclareceu, e então entendi a sua língua: ela, de óculos escuros, cabeça toda branca, havia me visto na infância, quando eu ainda tinha mãe, quando eu devia ter uns 6 ou 7 anos.

Ali, à sombra de túmulos, ela contou que me dera as primeiras noções de contar com os dedos. E de lá para cá, ainda segundo ela, passei a gostar de matemática.

Isso foi no tempo em que eu morava no beco, em Água Fria. Aquele beco de casinhas apertadas, pequenas, que mais pareciam quartos.

O meu quarto de dormir, hoje, é quase do tamanho da casa onde eu morava.

Comentário dela: "você está muito parecido com você”.

E eu: "como assim?".

E ela: "Está com a mesma cara de quando era criança".

Nome dela: Euzinha. Sobrinha de Dona Zizi.

Euzinha, Zizi. Que apelidos bonitos, que nomes bonitos, com gosto da infância em Água Fria.

• Escritor e jornalista

2 comentários:

  1. Urariano

    De emocionar. Você recebeu desta senhora o maior presente de Natal que alguém poderia lhe dar: "você está muito parecido com você". Imagine...Ela nem deve conhecer o Urariano escritor, se conhecesse teria dito isso com muito mais convicção.Lindotexto!Parabéns!
    Feliz 2011

    ResponderExcluir
  2. Os encontros com o passado são os mais dolorosos, pela saudade, nem sempre boa, que despertam. Ao mesmo tempo em que custa voltar, o que passou teima em não nos abandonar.

    ResponderExcluir