Profundo ou confuso?
Há escritores que gostam de complicar seus textos, com profusão de metáforas, de jargões, de palavras que existem mas que são raramente utilizadas no cotidiano e vai por aí afora. Entendem que isso seja “erudição” e que estão dando preciosa contribuição às letras e ao idioma. Não estão. Esquecem-se que a literatura é uma forma, talvez um pouco mais sofisticada, de comunicação. E o comunicador que não se faz entendido por todos os que têm contato com suas mensagens... é um fracassado.
Há escritores que são quase que ininteligíveis se você, ao lê-los, não tiver um bom dicionário à mão, que terá que consultar a todo o momento. Suas idéias são obscuras, ambíguas, dissimuladas e você tem que fazer enorme ginástica mental para tentar entendê-las. Alguns deles até que conseguem sucesso escrevendo dessa forma empolada e firmam prestígio de eruditos. Mas se você pedir aos seus leitores que façam uma descrição resumida do que leram, mesmo aos mais cultos e esclarecidos, eles não conseguirão. Poderão, até, apresentar suas “versões”, mas dificilmente estas estarão de acordo com o que o sujeito de fato escreveu.
Faço essa constatação não com o objetivo de criticar quem quer que seja. Até porque, não cometeria a indelicadeza de nominar escritores tão confusos, muitos até que se julgam, sinceramente, literariamente profundos, mas que na verdade são apenas obscuros. Faço-o no sentido de recomendar aos neófitos, aos jovens que estão adentrando este fascinante e não raro decepcionante mundo das letras, que atentem para os benefícios e a necessidade da clareza no que escrevem. Lembrem-se que vocês são, também, comunicadores. E o comunicador que não dá conta do recado de comunicar suas idéias e impressões é a negação do agente dessa atividade.
O interessante é que muitos desses textos obscuros são, até, bem construídos. Todavia, não raro seus autores se contradizem, sem que atinem e sem que o leitor, que nada entendeu do que escreveram, também perceba. Os filósofos (mas não somente eles) são muito dados a se valer dessa suposta “profundeza literária”. É mister, todavia, que se observe que clareza não implica no uso de linguagem e estilo relapsos. Você pode (e deve) expressar-se claramente e ainda assim com elegância e bom gosto. Aliás, este é o nosso grande desafio. É o que caracteriza o bom escritor e o distingue do medíocre (no sentido de mediano). Ademais, não se pode confundir simplicidade com infantilidade.
Li, tempos atrás, interessante crônica de Luís Martins a esse propósito, publicada no jornal O Estado de São Paulo, que não me limitei a ler, mas a recortei e adicionei à minha vasta hemeroteca. Aliás, abri uma pasta (que está abarrotada) exclusivamente para arquivar textos desse escritor, que foi colunista por muitos anos desse importante veículo de comunicação paulistano.
O texto a que me refiro intitula-se “A profundeza literária” e foi publicado na coluna “Crônica” em 6 de agosto de 1968. Nele, Luís Martins observa: “Muitas vezes, o efeito da profundeza literária é intencionalmente procurado, com laboriosa e consciente aplicação, e cujo êxito é uma "reussite" de falso virtuosismo, nada mais. O que, a meu ver, é um equívoco. Pois, na verdade, o mundo das idéias – a não ser que se trate da mente de um louco – é um mundo lógico, ordenado e luminoso, onde não há conclusões sem premissas, nem decretos ditatoriais sem "consideranda". O que acontece é que, na maioria das vezes, o pensador não é um escritor, isto é, vive no mundo das idéias mas não sabe exprimi-las exatamente em conceitos claros e objetivos, quando escreve; embrulha-se, divaga, perde-se num labirinto de solilóquios vazios, estabelecendo a maior confusão. Em suma, a profundeza é quase sempre um fruto da incapacidade de expressão”.
Todas as vezes que compro algum livro com essas características, ou seja, em que percebo que o autor quer mostrar maior profundeza literária do que de fato tem, ou fazer uma desnecessária exibição de erudição, sinto-me logrado. Como “castigo”, por não ter me informado, antes de comprar, a respeito da tal obra, leio-a do começo ao fim. Não raro, como castigo sobressalente, chego a relê-la, para aprender a ser mais cauteloso com o que vier a adquirir. Algumas dessas obras, consigo entender por completo, não sem antes fazer incríveis acrobacias e malabarismos mentais. Outras... entendo parcialmente, ficando vários pontos obscuros pendentes. Há, todavia, alguns desses livros que, por mais que tente, não compreendo patavina do que o autor quis dizer. E olhem que tenho cultura de razoável para boa! Imagino o drama do leitor que não seja, digamos, lá tão bem esclarecido.
Concordo com Luís Martins quando afirma que “o mundo das idéias é um mundo lógico, ordenado e luminoso”. Nele, de fato, “não há conclusões sem premissas”. Você até pode utilizar termos que não sejam de uso comum em seus textos, mas deve contextualizá-los. E não custa seguir a regrinha tão comum no jornalismo, que é a de “decodificá-lo”, mas com competência, sem dar a entender ao leitor que você o ache ignorante ou mal-informado. Como fazer isso? Ora, ora, ora, existem mil formas. Se você é, de fato, profissional do texto (e presume-se que o seja), não terá nenhuma dificuldade de fazer isso. Quem tem a verdadeira profundeza literária deixa-a bem à vista no que escreve. Mas de forma rigorosamente inteligível até por parte do cidadão que acabou de ser alfabetizado. Fuja, pois, da tentação de cair no pedantismo e de ostentar erudição, mesmo que você seja, de fato, erudito. Agindo assim, esteja certo, ganhará leitores e, por que não, fiéis e leais seguidores.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor no twitter: @bondaczuk
Há escritores que gostam de complicar seus textos, com profusão de metáforas, de jargões, de palavras que existem mas que são raramente utilizadas no cotidiano e vai por aí afora. Entendem que isso seja “erudição” e que estão dando preciosa contribuição às letras e ao idioma. Não estão. Esquecem-se que a literatura é uma forma, talvez um pouco mais sofisticada, de comunicação. E o comunicador que não se faz entendido por todos os que têm contato com suas mensagens... é um fracassado.
Há escritores que são quase que ininteligíveis se você, ao lê-los, não tiver um bom dicionário à mão, que terá que consultar a todo o momento. Suas idéias são obscuras, ambíguas, dissimuladas e você tem que fazer enorme ginástica mental para tentar entendê-las. Alguns deles até que conseguem sucesso escrevendo dessa forma empolada e firmam prestígio de eruditos. Mas se você pedir aos seus leitores que façam uma descrição resumida do que leram, mesmo aos mais cultos e esclarecidos, eles não conseguirão. Poderão, até, apresentar suas “versões”, mas dificilmente estas estarão de acordo com o que o sujeito de fato escreveu.
Faço essa constatação não com o objetivo de criticar quem quer que seja. Até porque, não cometeria a indelicadeza de nominar escritores tão confusos, muitos até que se julgam, sinceramente, literariamente profundos, mas que na verdade são apenas obscuros. Faço-o no sentido de recomendar aos neófitos, aos jovens que estão adentrando este fascinante e não raro decepcionante mundo das letras, que atentem para os benefícios e a necessidade da clareza no que escrevem. Lembrem-se que vocês são, também, comunicadores. E o comunicador que não dá conta do recado de comunicar suas idéias e impressões é a negação do agente dessa atividade.
O interessante é que muitos desses textos obscuros são, até, bem construídos. Todavia, não raro seus autores se contradizem, sem que atinem e sem que o leitor, que nada entendeu do que escreveram, também perceba. Os filósofos (mas não somente eles) são muito dados a se valer dessa suposta “profundeza literária”. É mister, todavia, que se observe que clareza não implica no uso de linguagem e estilo relapsos. Você pode (e deve) expressar-se claramente e ainda assim com elegância e bom gosto. Aliás, este é o nosso grande desafio. É o que caracteriza o bom escritor e o distingue do medíocre (no sentido de mediano). Ademais, não se pode confundir simplicidade com infantilidade.
Li, tempos atrás, interessante crônica de Luís Martins a esse propósito, publicada no jornal O Estado de São Paulo, que não me limitei a ler, mas a recortei e adicionei à minha vasta hemeroteca. Aliás, abri uma pasta (que está abarrotada) exclusivamente para arquivar textos desse escritor, que foi colunista por muitos anos desse importante veículo de comunicação paulistano.
O texto a que me refiro intitula-se “A profundeza literária” e foi publicado na coluna “Crônica” em 6 de agosto de 1968. Nele, Luís Martins observa: “Muitas vezes, o efeito da profundeza literária é intencionalmente procurado, com laboriosa e consciente aplicação, e cujo êxito é uma "reussite" de falso virtuosismo, nada mais. O que, a meu ver, é um equívoco. Pois, na verdade, o mundo das idéias – a não ser que se trate da mente de um louco – é um mundo lógico, ordenado e luminoso, onde não há conclusões sem premissas, nem decretos ditatoriais sem "consideranda". O que acontece é que, na maioria das vezes, o pensador não é um escritor, isto é, vive no mundo das idéias mas não sabe exprimi-las exatamente em conceitos claros e objetivos, quando escreve; embrulha-se, divaga, perde-se num labirinto de solilóquios vazios, estabelecendo a maior confusão. Em suma, a profundeza é quase sempre um fruto da incapacidade de expressão”.
Todas as vezes que compro algum livro com essas características, ou seja, em que percebo que o autor quer mostrar maior profundeza literária do que de fato tem, ou fazer uma desnecessária exibição de erudição, sinto-me logrado. Como “castigo”, por não ter me informado, antes de comprar, a respeito da tal obra, leio-a do começo ao fim. Não raro, como castigo sobressalente, chego a relê-la, para aprender a ser mais cauteloso com o que vier a adquirir. Algumas dessas obras, consigo entender por completo, não sem antes fazer incríveis acrobacias e malabarismos mentais. Outras... entendo parcialmente, ficando vários pontos obscuros pendentes. Há, todavia, alguns desses livros que, por mais que tente, não compreendo patavina do que o autor quis dizer. E olhem que tenho cultura de razoável para boa! Imagino o drama do leitor que não seja, digamos, lá tão bem esclarecido.
Concordo com Luís Martins quando afirma que “o mundo das idéias é um mundo lógico, ordenado e luminoso”. Nele, de fato, “não há conclusões sem premissas”. Você até pode utilizar termos que não sejam de uso comum em seus textos, mas deve contextualizá-los. E não custa seguir a regrinha tão comum no jornalismo, que é a de “decodificá-lo”, mas com competência, sem dar a entender ao leitor que você o ache ignorante ou mal-informado. Como fazer isso? Ora, ora, ora, existem mil formas. Se você é, de fato, profissional do texto (e presume-se que o seja), não terá nenhuma dificuldade de fazer isso. Quem tem a verdadeira profundeza literária deixa-a bem à vista no que escreve. Mas de forma rigorosamente inteligível até por parte do cidadão que acabou de ser alfabetizado. Fuja, pois, da tentação de cair no pedantismo e de ostentar erudição, mesmo que você seja, de fato, erudito. Agindo assim, esteja certo, ganhará leitores e, por que não, fiéis e leais seguidores.
Boa leitura.
O Editor.
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Fizemos uma releitura sobre os Sertões de Euclides
ResponderExcluirda Cunha no Centro Cultural Banco do Brasil.
Enquanto eu marcava a lápis as palavras que não
entendia, a maioria assentia sem fazer questionamentos.
Vergonha de admitir que não possuíam total domínio
das palavras?
Arrogância?
Prepotência?
Não sei...mas creio que a maioria ali perdeu uma grande
oportunidade de fazer uso da "voz".
Abração Pedro
Acabou desnudando a empolação, tão comum em linguagens técnicas. Tirar a roupa do pedantismo é uma necessidade nos dias que voam(nem digo, que correm). Boa parte dos leitores largarão o texto difícil por impaciência. A preguiça explica. Quando o texto complexo é bom, façamos força para o decifrar. O prazer final pode ser compensador.
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