sábado, 18 de dezembro de 2010


Dias de repensar o Natal & outras coisas

* Por Luiz Carlos Monteiro

1.

Pensar o Natal como algo simples e não simplório, inteligível e sem complexidades demasiadas, que chegue a alguém na forma de dádiva ou presente. Exemplos iniciais desdobram-se em mais outros: um texto que se espalha sem as vaidades de seu autor, uma fala desvestida do circunstancialismo do seu locutor, um abraço sem as garras traiçoeiras do tamanduá ou da serpente. Muitos não apreciam a leitura, mas isso não serve de motivo para se abandonar a nobre causa da palavra dançando luminosa ou obscura nos feitios da página. A maioria das pessoas prefere saber mais lidar com números, contas, placas, anúncios, cifrões, receitas, marcas, referências. Observando-se bem, há sempre o amigo, o vizinho, o parente, o conhecido ou o desconhecido total que não perderam de todo a paciência e a inclinação para a leitura, a quem interessa tanto o calor do abraço quanto a poesia da vida e das coisas. São estes que justificam qualquer mensagem escrita, qualquer esboço permeado de misterioso sentido criativo. E que se esmeram em aguçar talvez com certo exagero os ouvidos, absorvendo a fala transmitida por quem mais desenvolto e astuto.

2.

Um pouco de festa não faz mal a ninguém. Pão e circo. Carnaval e caviar. Vinho e celebração. Quermesse e roleta, carrossel e cachaça. A transgressão e a fartura, mesmo que ilusórias e passageiras, se reivindicam necessárias. Ninguém pode ser tão rígido ao ponto de não se permitir, de vez em quando, quebrar as regras vigentes. Desde que não cause dano ou lesão a outrem. Através do humor brincante certeiro e sincero de gente modesta e despojada constata-se a verdade das pequenas alegrias. Os jogos e brincadeiras em família cujos membros, pares e casais ainda não se desintegraram, podem ser deveras estimulantes e facilitar o bom convívio. Entretanto, logo se intui e após se verifica que algo se perdeu da harmonia, da solidariedade e do espírito de grupo ancestrais entranhados na essência do humano.

3.

Os que estão mergulhados em um tédio existencial alargado e depressivo, ou em algum projeto intelectual de perquirições e pesquisas insolúveis e imponderáveis, sujeitam-se a aprovar o rol das novidades surgidas a cada segundo. É um sinal de que não conseguem alcançar o segredo e o mistério mais antigos embutidos nas águas profundas da arte e da filosofia, a grande atração sensorial da poesia, da pintura e da música. Uma constatação insofismável aponta para o fato de que, em décadas recentes, aqueles que vêm tocando eventos científicos assumiram a multiplicidade meganumérica alojada nas tecnologias da informação, as supostas e reais desordens internas da entropia terrena e os princípios da incerteza vetorizados para a consecução de certezas aplicáveis, práticas e demonstráveis. E assim ultrapassaram em escala notável as injunções imemoriais da metafísica, as aplicações mecânicas e relativísticas e as desvirtuações atômicas desastrosas de um mundo contemporâneo até há pouco menos caótico, porém para eles superado.

4.

Estabelecer teses e reflexões impossíveis de abrangência para país tão imenso e por natureza contraditório já na sua origem, traz o risco óbvio da dispersão e da generalidade. A favela na alça de mira das sentinelas afincadas nos postos militares de observação traduz a distância exata e mínima de um tiro de grosso calibre. Um movimento inverso também se enseja no manejo desarrazoado, amador e sanguinário dos rifles e metralhadoras oriundos de transações internacionais circunvizinhas da alta contravenção. Aqui se encontra envolvido o que de antemão já se sabe: as variáveis estatísticas da quantidade rumorosa e midiática de sequestros, assaltos, estupros e assassinatos coletivos no mundo todo. Tal surto de violência inédita é reforçado pela disseminação desenfreada do tráfico de narcóticos, de bugigangas eletrônicas e objetos de uso doméstico caros e luxuosos, além da escravidão moderna e da comercialização dos próprios seres humanos e seus órgãos.

5.

Nos setores da política e das finanças nada mais causa espanto, a não ser a ausência de novos escândalos. Se existe uma lei constituída e em curso, mais fácil desrespeitá-la em nome de ambições pessoais geradas no cerne das confusões ideológicas. A neutralidade e o distanciamento da sociedade civil do debate político refletem o desvirtuamento e a desconfiança com relação ao caldeirão ideológico utilitário de feições, destinos e facetas diversas. Uma parcela ínfima insiste na opção primordial de luta pela melhoria de vida dos excluídos e pobres de toda sorte. Poucos assumem o combate feito em nome de numerosas mudanças sociais e políticas, que algum dia talvez possam passar do estágio de quimera a sonho realizado, ou mais propriamente, semi-realizado. No mesmo passo, a maioria assiste à proliferação dos absurdos políticos com um olhar cético, desencantado e questionador.

6.

Militantes profissionais equivocados e antiéticos nem sempre correspondem ao que se espera politicamente deles. Guardam invariavelmente um lugarzinho em casa ou no trabalho, na pasta ou na gaveta, no bolso furado ou na bolsa íntima, para um pró-labore que jamais mereceram. Tais coisas acontecem no mesmo país onde a manutenção sutil ou a substituição brusca de quadros políticos se reafirmam como formalizações democráticas insustentáveis. As posições fragilizadas, extorsivas e ressentidas dos que foram preteridos se manifestam através do fracasso das negociações veladas e das conversas enviesadas, nas quais desaba no chão qualquer espécie ou noção de decoro pessoal ou público. Porque nossas melhores lições de democracia originam-se da verve e da práxis do próprio povo brasileiro e muito menos da parte de quem o dirige ou oprime.

7.

Pensar o Natal como algo revelador – um texto, um abraço, uma fala – de esperança e futuro é ofício de quem não se desgarrou em absoluto da vida e da luta. E é tarefa também de quem se permite sonhar, por mais que o sonho se mostre frágil e à aparência inconsistente. Externa, de modo enfático, a atitude de quem persiste, aprisionado embora, nas malhas e rituais de um presente encetado em perspectiva fechada e idealizado somente. De quem não deixou de acreditar na busca incessante de um futuro menos sombrio e ainda distante e inalcançado.

* Poeta, crítico literário e ensaísta, blog www.omundocircundande.blogspot.com

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