quarta-feira, 29 de dezembro de 2010




Hora de decisão e umas poucas palavras

* Por Mara Narciso

Os piores momentos da vida, aqueles nos quais nos sentimos soltos no ar, são exatamente os períodos das tomadas de decisão. Estamos diante de uma bifurcação. À frente temos dois caminhos. Caso entremos numa via, seremos, sentiremos e acontecerão determinadas coisas. Caso optemos pelo outro, tudo será de outra forma, de outro jeito. Seremos e sentiremos tudo diferente. Mas há uma perda: quando escolhemos um percurso, abandonamos, perdemos o outro para sempre.
O que nos faz escolher uma coisa ou outra? O instante da escolha é penoso, mas o instante seguinte é um alívio e tanto. Pode ser o pior caminho, a pior opção, mas só de estarmos decididos, já nos sentimos bem melhor.
Continuar ou romper? Fazer isso ou aquilo? Subir ou descer? Seguir esta profissão ou aquela? Ir nessa trilha ou na outra? Nada nos deixa mais inseguros do que as escolhas, especialmente as afetivas. Quando um casamento está desmoronando, não sabemos até que ponto vale a pena investir naquilo que não fica de pé sozinho, que não se sustenta, que tomba. O que fazer?
A situação ruim em que a pessoa está é conhecida. Ela sabe lidar com aqueles sentimentos ruins de insatisfação, de chateação, de vazio, de falta de perspectiva, de ausência de surpresas. Caso rompa, um universo novo se impõe. O que será de mim? Como vou viver sem aquela pessoa? Como será a minha rotina? Terei de construir um mundo totalmente novo. Será que vou sobreviver? Conseguirei dar conta? E isso, e aquilo? Como será? Conseguirei viver só? Conseguirei habituar-me a uma nova vida? Terei capacidade de conquistar outra pessoa? Será melhor ou pior? Medo de não aguentar, insegurança diante do novo e do desconhecido. A fantasia impede o pensamento racional, e o que poderia ser ruim, fica ainda pior por conta do imaginário. Muitos se acovardam diante do que é estranho e, inseguros, desistem de dar esse passo tão difícil. É como pular num buraco sem fundo, ainda mais se não há ninguém para lhe dar a mão. A pessoa adia tanto, que até evita pensar no assunto. Perde a paz e o sossego, não dorme e não come direito, havendo aumento ou diminuição de fome e sono. O que tem, não serve, e o que não sabe causa medo.
O morno, o relacionamento sem paixão, uma corrente que amarra e não dá prazer, é bom? Num filme ruim, quando não se espera nada dele, caminha-se para a porta de saída e larga-se a história pela metade. Também não nos envergonhamos de deixar um livro pelo meio. Num relacionamento do qual nada se espera, a não ser o vazio, por que ficar nele? Olhe-se e pergunte-se: o que posso esperar disso? Algo novo? Algo bom? Caso a resposta seja não, ou ainda o que é pior, uma deterioração ainda maior do caso, é melhor sair pela porta da frente do que esgueirar-se colado ao muro após uma perda completa de respeito de um pelo outro.
Teme-se a solidão, o tédio, a falta de companhia, o não ter o que fazer, o nada ter que esperar. Esquece-se que estar só pode ser um momento para estar consigo mesmo, fazer o que quiser ou nada fazer para o seu bel prazer e não dar satisfação a quem quer que seja. Ser livre tem um preço, que é encontrar-se e estar só. Tem medo de estar com a pessoa mais importante para você que é você mesmo?
Decidir-se calmamente, estar em paz, cuidar bem de você ao sair de uma situação de indecisão pode trazer uma paz única. Além da independência de executar ou de nada fazer, decidir-se é uma libertação que quem está em situação ruim nem pode imaginar. Para alcançar esse estado de pura autonomia é preciso atravessar um deserto e seus perigos, mas que depois de vencidos, é abraçar o prêmio de tudo poder. Ao se lembrar da situação anterior, brota um alívio sem precedentes. O segredo é não pensar demais. Amar e cuidar de você, que bem merece colocar-se como prioridade. E sem medo.
E, caso opte por permanecer como está, porém decidido e seguro do que realmente quer, fique no mesmo lugar, mas sem as amarras da indecisão.

* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.

5 comentários:

  1. Se o tempo que vier for de certezas, bom pra nós.
    Mas se houver dúvidas, que saibamos lidar com elas...
    Mara muitas alegrias pra ti em 2011.
    Abraços.

    ResponderExcluir
  2. Beleza de texto, Mara.
    O conhecimento de si mesmo é importantíssimo, contribuindo consideravelmente para trazer a felicidade... "(...)Ser livre tem um preço, que é encontrar-se e estar só. Tem medo de estar com a pessoa mais importante para você que é você mesmo?"
    Parabéns e um Feliz Ano Novo.
    Abraços,

    ResponderExcluir
  3. Ter de decidir sobre o que fazer dá um revertério na mente. É claro que dor, doença e morte são momentos muito mais graves, mas escolher sobre assuntos amoroso é de amargar. Núbia e Calvino, muito obrigada pelos comentários. Excelente 2011 para nós!

    ResponderExcluir
  4. Eu paguei o preço, Mara, e lhe asseguro que não é fácil. Depois de muitas sessões de psicoterapia, aprendi que "estar só" é diferente de "ser só". A partir daí, a caminhada tem sido mais leve e tenho conseguido sobreviver, tentando apagar hábitos adquiridos em 20 anos de casamento. Seu texto instiga reflexão.
    Beijos.

    ResponderExcluir
  5. Ótima frase Marleuza, diferenciando os verbos "ser" e "estar". Também serve para mim, depois de 29 anos de casamento. Sim, estou só há quatro anos, mas me sinto querida por um monte de gente.

    ResponderExcluir