sábado, 25 de dezembro de 2010




Por causa do Papai Noel 2

* Por Urda Alice Klueger

Para Neide Capello


Uma vez o Papai Noel já me fez escrever um texto que acabou virando até filme de cinema e me encheu de muitas alegrias; de novo por causa de Papai Noel volto a escrever este texto 2.

Foi assim: era dezembro de 2008 na cidade de Blumenau, logo após a grande Tragédia das Águas, e a gente se agarrava a qualquer fiapo de alegria para fazer de conta de que estava bem, ou que pelo menos estava melhor – e então vi na Internet que Papai Noel estava para chegar à cidade naquele dia, na Prainha do rio, o que não era muito longe de onde eu estava abrigada com o meu cachorro. Vieram-me à mente os tantos Weinachtsmann, Nicolaus e Papais Noéis da minha infância (na minha cidade, quem começou a trazer Papai Noel, lá pelo começo da década de 1960, foi uma loja chamada Hermes Macedo), e achei que deveria ir lá com meu bichinho, para tentar sair um pouco da árida e infinita tristeza em que a gente vivia, assim sem muitas perspectivas para o futuro, e com toda aquela gente desabrigada na cidade, e com todos aqueles animaizinhos perdidos dos seus donos. Apesar da tristeza, as autoridades teimavam em maquiar o centro da cidade e a dizer que tudo estava bem, sem a mínima consideração com as gentes sofridas e com as profundas feridas que sulcavam a minha terra, que nos davam (e nos dão) a impressão de que os tempos antigos nunca voltariam, mesmo agora, tantos meses depois.

Ao anoitecer eu fui, levando meu cachorro Atahualpa junto. De cara achei ter me enganado: havia lá na Prainha umas 30 ou 40 pessoas no total, incluindo as crianças. Onde estava a multidão de meninos e meninas que sempre aparece quando se fala da chegada do Papai Noel, que, junto com o cantar das cigarras, era quem
anunciava a chegada do Natal?

As cigarras não haviam cantado, naquele ano, e agora o povo triste não trazia as crianças para ver o Bom Velhinho. Anoiteceu e continuamos ali esperando, e nada aconteceu – nem chegou Papai Noel nem aumentou a quantidade de pessoas que esperava.

Uma coisa é certa: lá na prefeitura, que era um amontoado de mentiras falando no Natal maravilhoso que se fazia na nossa cidade, enquanto pais de famílias tinham que deixar suas criancinhas com a barriga roncando porque não conseguiam ganhar um quilo de arroz das muitas toneladas que nos eram doadas continuamente, alguém veio dar uma espiada na Prainha, e quando viu aquela mixaria de gente, avisou logo às demais autoridades:
- Suspende o Papai Noel. Vai ficar muito feio a televisão ir lá filmar e aparecer aquele punhadinho de gente que decerto conseguiu engolir nossas mentiras e se abalou até à Prainha. Já pensou se algum turista vê coisa assim?
E o Papai Noel não veio. Era muito triste ver a frustração nos rostinhos daquelas crianças que estavam lá, e os comentários em geral não eram muito airosos para com as nossas autoridades.

Chamava a atenção, dentre outras, a indignação de uma jovem mulher com sua cachorrinha preta.
- Não se faz tal coisa com crianças! Crianças têm que ser respeitadas! Como é que vão decepcionar crianças deste jeito?

Foram aqueles comentários que me levaram a me aproximar daquela mulher e da sua cachorrinha. Fomos conversando rua afora, na volta, e descobri que a mulher era Neide, e a cachorrinha era Poli. No meu novo endereço de abrigada, eu era vizinha do elegante apartamento dela. Neide havia sido professora e sabia que não se devem enganar crianças, por mais que fique feio para autoridades mentirosas.
Foi por causa do Papai Noel que a Neide e a Poli ficaram minhas amigas e amigas do Atahualpa. Nem dá para contar todas as coisas boas que aconteceram entre nós desde então.

Meses depois minha mãe morreu. Neide estava viajando. Na missa de sétimo dia, no entanto, quem apareceu do meu lado e ficou me apoiando com o carinho de uma irmã (tal não desmerece os primos e amigos que estavam lá) foi, sem mais nem menos, a Neide. Ela diz que o nome dela é Neide Capello. Eu acho que ela se disfarça um pouco. Penso que o nome dela é Neide Capelo Gaivota, mas ela não gosta muito de deixar entrever as pontas das suas asas de grande voadora, e se limita a ser solidária.

Continuo acreditando em Papai Noel. E nas Neides Capelo Gaivota da vida.

Obrigada, minha amiga!

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

Um comentário:

  1. Urda, que doçura de texto. Já lhe perguntei, e você não me respondeu: aonde você encontra tanto mel para adoçar essa montanha de sensibilidade que você manifesta? Deve ser na sua militância política de esquerdista convicta. E tenho dito!

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