sexta-feira, 24 de dezembro de 2010


Leitura às avessas

O universo, com sua incomensurável vastidão – tão grande que a mente humana sequer consegue conceber tamanha grandeza – e esta poeirinha cósmica no espaço, que é nossa Terra, rigorosamente invisível na comparação com o gigantismo universal, mas que para nós, seus habitantes, se nos afigura imensa, além de tudo o que nos cerca, se constituem em um insondável mistério. Não me furto de sorrir diante da arrogância dos cientistas que acham que conhecem tudo isso, arriscam-se, até, a determinar, não somente seu tamanho, como forma e limite, além de “explicarem”, com ares de entendidos, seu complexo funcionamento. Não conhecem.

Formulam especulações, hipóteses e teorias, e logo dão a entender que são “leis”, rigorosas, exatas, inflexíveis e incontestáveis. Ainda assim, admiro sua capacidade de tentar explicar o que, minha intuição diz, é inexplicável. Tudo o que nos cerca, inclusive nós, somos um intrincado e nebuloso mistério. É impossível conhecer, posto que razoavelmente, tudo isso, com os escassos meios de observação com que contamos.

E por que carecemos de compreensão? Por infinitas razões. Uma delas é a exposta pelo poeta indiano Rabindranath Tagore, nestes inspirados versos: “Lemos o mundo às avessas e queixamo-nos de não o compreender”. E como é “lê-lo” de modo correto? Claro que não sei. Se soubesse, não seria este simples jornalista e projeto de escritor, mas seria o gênio dos gênios, o guru não apenas desta, mas de todas as gerações que vierem (se é que virão) a me suceder.

Uma das coisas que nós, únicos seres racionais e pensantes da natureza, pelo menos deste obscuro recanto do universo (creio na existência de trilhões, quiçá quatrilhões ou dez vezes isso em outras partes dessa absurda imensidão) ainda não aprendemos a valorizar o que possibilita nossa existência, nosso raciocínio, nossos sonhos, fé, esperanças, ações etc.: a vida. Vivemos fantasiando outras dimensões, que não esta, numa suposta condição imaterial. Provavelmente, isso não passa, mesmo, de fantasia. Claro que não garanto. Vá se saber!! E se isso consola as pessoas, tudo bem. Que acreditem. Mas que não coloquem essa crença como dogma, como algo comprovável.

Recorro, mais uma vez, a um célebre poema de Tagore para, de novo, concordar com ele, quando afirma: “A vida revela-se ao mundo como uma alegria. Há alegria no jogo eternamente variado dos seus matizes, na música das suas vozes, na dança dos seus movimentos”. Engraçado, muitos não entendem assim Não é dessa forma que a maioria das pessoas a encara. Ela é vista como sucessão de dores, sofrimentos e desgastes, como uma forma de expiação por suposto “pecado original” dos nossos primeiros ancestrais. Para os religiosos (e de inúmeras religiões) a vida é apenas necessária passagem para hipotética eternidade da “alma”. Quem, todavia, pode comprovar que isso tenha o mínimo fundo de verdade? Ninguém! Absolutamente ninguém!

Suponho que não encaramos a morte na sua real condição. Ao morrermos, não nos extinguimos, como estamos convictos, nos transformamos. Em seres imateriais? Talvez! Afinal, “na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”. O cientista alemão Werner Von Braun, “pai” do projeto Apolo, que colocou os Estados Unidos na vanguarda na corrida espacial, sentenciou, com a objetividade do homem de ciências: “A natureza desconhece a extinção. Só conhece a transformação”. É possível que num tempo incontável (que pode ser de milênios ou, até mesmo, de dias), nossa espécie desapareça da Terra, e sem deixar o menor vestígio. Tudo indica que estamos caminhando para isso.

Tal evento, todavia, não alterará em nada o curso do universo. Nosso planeta um dia deixará de existir, engolido pelo sol, quando este iniciar seu processo de expansão antes de explodir. Essa estrelinha de quinta grandeza, que nos dá vida e sustentação, também um dia haverá de esgotar todo o seu combustível e desaparecer. Ainda assim, o universo, caracterizado por contínua construção (de galáxias, estrelas e planetas) e destruição seguirá seu curso, sempre se transformando. Isso não é fantasia que dependa de quem a engendre.

Uma das melhores observações que já li a esse propósito foi feita por um economista e não um cientista (físico, astrônomo ou de outra disciplina qualquer), Geraldo de Camargo Vidigal. Ele escreveu, na introdução do seu livro “Teoria Geral do Direito Econômico”: “Participamos de um universo em permanente devir. Os movimentos internos de nossas células, os impulsos pelos quais nos comandamos, os registros que acumulamos em nossas memórias, o processamento, em nossa inteligência e em nossa imaginação, dos dados que dia a dia vamos registrando – são fluxos de devir nunca interrompidos, aos quais correspondem, no mundo exterior, o incessante movimento de átomos e o implacável desenvolvimento de energias que vão, a cada instante, alterando o caleidoscópio de um universo apreendido sob categorias de tempo em permanente marcha, de espaço em constante reorganização. No plano biológico, o não-devir corresponderia à inexistência de vida. No plano físico, à ausência de som, de luz, de gravidade ou magnetismo, de qualquer ondulação ou impulso, de quaisquer forças, energias ou movimento”. E não está certo? Pelo menos, “se non é vero é ben trovato”.

Valorizemos a vida, que é experiência única e sem reprise. Se lhe dá consolo, não há mal nenhum em acreditar em outra existência, incorpórea, espiritual e, sobretudo, eterna. Só não se pode abrir mão desta, terrena, frágil e efêmera, mesmo acreditando em uma futura, de gozo e de perfeição. Érico Veríssimo escreveu, em seu romance “Olhai os lírios do campo”, um de seus livros, no meu entender, mais reflexivos e profundos, na página 255, parágrafo 5 do capítulo 21: “Pensemos apenas nisto: não fomos consultados para vir para este mundo e não seremos consultados quando tivermos de partir. Isto dá bem a medida da nossa importância material na Terra. Mas deve ser um elemento de consolo e não de desespero”. Porquanto, como Henrik Ibsen escreveu em uma de suas peças, colocando a afirmação na boca de um dos personagens: “Viver é combater contra os seres fantásticos que nascem nas câmaras secretas de nosso coração e de nosso cérebro”. Combatamo-los, pois, e sem tréguas.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Pena que o editorial tenha sido escrito no dia 24 de dezembro, ocasião de uma trégua na internet, que simplesmente para para sermos gente de carne e osso. Profundos pensamentos, caro editor. Irretocável.

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