sábado, 18 de dezembro de 2010




Por que escrevo?



* Por Autran Dourado


"Nos países já desenvolvidos, onde a cultura e a língua alcançam sua mais alta perfeição, estando muitas vezes já estratificadas, essa pergunta (por que escrevo?) é uma questão metafísica.
Em países como o Brasil, com mil e um problemas, entre os quais há ainda o de resolver problemas de língua, se um escritor se detém seriamente nessa pergunta, ele deve parar de escrever e se consagrar a um outro tipo de atividade que tenha resultados mais imediatos e mais positivos.
Nós brasileiros temos uma língua e uma literatura aculturadas nos trópicos, com elementos africanos e indígenas, ainda em plena fase de absorção. Talvez esteja aí um dos fascínios, a justificativa do fato de escrever. Nós colaboramos, na medida de nossa fraca capacidade, para o desenvolvimento da língua portuguesa e da literatura que nos veio sobretudo da Europa. O sentido dessa missão deve justificar o sofrimento que se consagra à escrita criativa em países como o nosso, com uma língua em desenvolvimento, como a que nós falamos e com a qual escrevemos. É este, a longo prazo, o papel social do escritor, que trabalha na e com a linguagem e torna possível o aperfeiçoamento e a ductilidade da língua para a tribo. Pessoalmente, como autor de romances e de novelas, já me propus essa pergunta inúmeras vezes. Para não cair na prostração e no desalento, eu decidi escrever para me compreender num ponto de vista existencial e para compreender o meu país. Assim, escrever é uma maneira de dar testemunho de meu país e de minha época. Não é porque ele escreve Coca-Cola, sobre foguetes espaciais e perigo atômico que um autor é moderno: de qualquer maneira, ele é sempre um testemunho, quer queira quer não. Ao falar da metamorfose de um homem em inseto, Kafka falou mais sobre a alienação do homem moderno do que os autores de inúmeras enciclopédias."

(Texto feito para a revista francesa Ilustration.)

* Romancista mineiro, ganhador dos prêmios Camões, Goethe e, por fim, Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da sua obra.

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