O livro mais caro
Você sabe, caro leitor, qual é o livro mais caro do mundo? Adianto que não se trata de nenhuma obra de Balzac, ou de Hugo, ou de Dostoievski, ou mesmo de Shakespeare, ou de qualquer outro escritor consagrado, ou ganhador de Nobel. Aliás, nem mesmo versa sobre literatura. Não que nós, literatos, não sejamos tão valorizados (embora a maioria não seja mesmo). O livro que alcançou a astronômica cifra de 7.321.250 libras esterlinas (ou, convertido na moeda da moda, o euro, custou ao seu novo proprietário a “bagatela” de 8.696.119,85 euros) é sobre ornitologia. Seu título? “Birds of America”. Seu autor? John James Audubon.
Claro que ele não foi vendido em livraria convencional e quem o comprou não o fez pela internet. E muito menos em um sebo. O comprador foi um marchand europeu, não identificado, que o arrematou, em um leilão realizado na noite de 7 de dezembro de 2010, em Londres, na afamada casa de leilões Sothesby’s. É muito capricho de quem o adquiriu! Como se trata, todavia, de negociante de obras de arte, certamente o ousado comprador espera ganhar muito mais do que gastou – quem sabe o dobro ou até mesmo o triplo – com sua revenda no futuro. Isso é muito comum com pinturas e esculturas dos mestres do gênero. Com livros, porém, nem tanto.
É verdade que no mesmo leilão se fez história novamente, e desta vez com obra de um gênio da literatura mundial, William Shakespeare. Uma primeira edição de suas obras (incluindo, principalmente, seus poemas), datada de 1623, custou ao seu arrematador a nem um pouco desprezível cifra de 2.360.584 libras esterlinas! Uma fábula, convenhamos. Mas seu preço foi três vezes inferior ao valor pago por “Birds of America”. Este sim tornou-se, de longe, o livro impresso mais caro do mundo em todos os tempos.
Quem o comprou não se trata, porém, como já destaquei, de nenhum obsessivo bibliófilo, desses capazes de fazer qualquer loucura para serem proprietários de alguma obra rara e ao mesmo tempo essencial à cultura. Eu, caso fosse milionário e tivesse dinheiro vazando pelo ladrão, como acontece com o precioso líquido numa caixa d’água quando a bóia não funciona, era capaz, sim, desse tipo de maluquice. Mas com uma condição: desde que se tratasse, por exemplo, de algum texto de Johan Wolfgang Göethe, ou quem sabe de Schiller, ou de outro qualquer dos meus tantos escritores favoritos. Como não sou... Cabe-me ficar babando e sonhando com algo que, objetivamente, nunca irá acontecer.
Bem, o fator raridade contou nesse caso (como conta demais em quaisquer leilões de arte). Os quatro volumes de “Birds of America” são da primeira edição. Deles restam somente onze cópias em mãos de particulares e estes, ao que parece, não abrem mão delas por dinheiro algum. Pelo menos é o que dizem. O bibliófilo que os pôs à venda, o segundo lorde Hesketh, também dizia a mesma coisa. Contudo, em pleno século XXI, os membros da nobreza européia têm, hoje em dia, mais pose do que valores. Comem mortadela e arrotam peru. Na hora em que a coisa aperta... são capazes de vender a própria mãe em praça pública. Exagero meu? Não! As evidências mostram que não.
Lorde Hesketh, por exemplo, havia comprado “Birds of America” igualmente em um leilão, em julho de 1951, só que em Nova York, na não menos famosa casa de leilões Christie’s. Pelo menos mostrou ter faro para negócios. Pagou, na época, apenas 7 mil libras esterlinas pelos quatro volumes! E vendeu por 7 milhões!!! Que baita negócio que fez!
Existem, é verdade, outros 108 exemplares dessa primeira edição da obra de Audubon, mas todas pertencentes a museus, bibliotecas públicas e universidades, que não admitem a mais remota cogitação de venda. Depois desse negócio fechado na Sothesby’s, no entanto, duvido que manterão a mesma empáfia, arrogância ou intransigência. Enfim...
E quem foi esse tal de Audubon? Bem, não reproduzirei sua biografia, super-aventurosa, mas citarei, para o leitor ter uma pálida idéia, sua importância como ornitólogo. Foi um dos personagens mais importantes da história natural. Além de pesquisador, tinha um talento inigualável para o desenho. E na primeira metade do século XIX, percorreu os Estados Unidos de ponta a ponta, catalogando, detalhando e desenhando todos os pássaros que encontrava nesse país. Catalogou e desenhou centenas de milhares.
Seu trabalho foi tão importante, que impressionou Charles Darwin, o pai da teoria da evolução, que o citou por três vezes em sua obra seminal “A origem das espécies”. A dúvida que me fica é: o que foi feito com o restante dos exemplares da primeira edição, já que, comprovadamente, dela restam apenas 119 unidades (onze em mãos de particulares e 108 nas de instituições)? Afinal, foram impressos mais de dois mil volumes!!! O que seus proprietários fizeram com eles? Usaram as páginas para acender a lareira nas noites de inverno? Forraram a casinha do cachorro ou a gaiola dos seus passarinhos? Fizeram aviõezinhos de papel? Sabe-se-lá.
Quem sabe, caro colega escritor, algum livro seu, aquele que atualmente lhe dê dor de cabeça por estar encalhado e não vender nem a pau, num futuro que pode ser até próximo ou talvez remotíssimo, algum excêntrico colecionador, digamos, do ano de 2100, ou algum marchand com faro de negócios, o arremate em leilão e por quantia tão exorbitante ou até mesmo maior! Nunca se sabe! Vai me enganar que John James Audubon, mesmo que em seu mais absurdo delírio, sequer sonhou que um único exemplar em quatro volumes de seu “Birds of America” custaria a bagatela de 7 milhões de libras esterlinas!!!
Boa leitura.
O Editor.
Você sabe, caro leitor, qual é o livro mais caro do mundo? Adianto que não se trata de nenhuma obra de Balzac, ou de Hugo, ou de Dostoievski, ou mesmo de Shakespeare, ou de qualquer outro escritor consagrado, ou ganhador de Nobel. Aliás, nem mesmo versa sobre literatura. Não que nós, literatos, não sejamos tão valorizados (embora a maioria não seja mesmo). O livro que alcançou a astronômica cifra de 7.321.250 libras esterlinas (ou, convertido na moeda da moda, o euro, custou ao seu novo proprietário a “bagatela” de 8.696.119,85 euros) é sobre ornitologia. Seu título? “Birds of America”. Seu autor? John James Audubon.
Claro que ele não foi vendido em livraria convencional e quem o comprou não o fez pela internet. E muito menos em um sebo. O comprador foi um marchand europeu, não identificado, que o arrematou, em um leilão realizado na noite de 7 de dezembro de 2010, em Londres, na afamada casa de leilões Sothesby’s. É muito capricho de quem o adquiriu! Como se trata, todavia, de negociante de obras de arte, certamente o ousado comprador espera ganhar muito mais do que gastou – quem sabe o dobro ou até mesmo o triplo – com sua revenda no futuro. Isso é muito comum com pinturas e esculturas dos mestres do gênero. Com livros, porém, nem tanto.
É verdade que no mesmo leilão se fez história novamente, e desta vez com obra de um gênio da literatura mundial, William Shakespeare. Uma primeira edição de suas obras (incluindo, principalmente, seus poemas), datada de 1623, custou ao seu arrematador a nem um pouco desprezível cifra de 2.360.584 libras esterlinas! Uma fábula, convenhamos. Mas seu preço foi três vezes inferior ao valor pago por “Birds of America”. Este sim tornou-se, de longe, o livro impresso mais caro do mundo em todos os tempos.
Quem o comprou não se trata, porém, como já destaquei, de nenhum obsessivo bibliófilo, desses capazes de fazer qualquer loucura para serem proprietários de alguma obra rara e ao mesmo tempo essencial à cultura. Eu, caso fosse milionário e tivesse dinheiro vazando pelo ladrão, como acontece com o precioso líquido numa caixa d’água quando a bóia não funciona, era capaz, sim, desse tipo de maluquice. Mas com uma condição: desde que se tratasse, por exemplo, de algum texto de Johan Wolfgang Göethe, ou quem sabe de Schiller, ou de outro qualquer dos meus tantos escritores favoritos. Como não sou... Cabe-me ficar babando e sonhando com algo que, objetivamente, nunca irá acontecer.
Bem, o fator raridade contou nesse caso (como conta demais em quaisquer leilões de arte). Os quatro volumes de “Birds of America” são da primeira edição. Deles restam somente onze cópias em mãos de particulares e estes, ao que parece, não abrem mão delas por dinheiro algum. Pelo menos é o que dizem. O bibliófilo que os pôs à venda, o segundo lorde Hesketh, também dizia a mesma coisa. Contudo, em pleno século XXI, os membros da nobreza européia têm, hoje em dia, mais pose do que valores. Comem mortadela e arrotam peru. Na hora em que a coisa aperta... são capazes de vender a própria mãe em praça pública. Exagero meu? Não! As evidências mostram que não.
Lorde Hesketh, por exemplo, havia comprado “Birds of America” igualmente em um leilão, em julho de 1951, só que em Nova York, na não menos famosa casa de leilões Christie’s. Pelo menos mostrou ter faro para negócios. Pagou, na época, apenas 7 mil libras esterlinas pelos quatro volumes! E vendeu por 7 milhões!!! Que baita negócio que fez!
Existem, é verdade, outros 108 exemplares dessa primeira edição da obra de Audubon, mas todas pertencentes a museus, bibliotecas públicas e universidades, que não admitem a mais remota cogitação de venda. Depois desse negócio fechado na Sothesby’s, no entanto, duvido que manterão a mesma empáfia, arrogância ou intransigência. Enfim...
E quem foi esse tal de Audubon? Bem, não reproduzirei sua biografia, super-aventurosa, mas citarei, para o leitor ter uma pálida idéia, sua importância como ornitólogo. Foi um dos personagens mais importantes da história natural. Além de pesquisador, tinha um talento inigualável para o desenho. E na primeira metade do século XIX, percorreu os Estados Unidos de ponta a ponta, catalogando, detalhando e desenhando todos os pássaros que encontrava nesse país. Catalogou e desenhou centenas de milhares.
Seu trabalho foi tão importante, que impressionou Charles Darwin, o pai da teoria da evolução, que o citou por três vezes em sua obra seminal “A origem das espécies”. A dúvida que me fica é: o que foi feito com o restante dos exemplares da primeira edição, já que, comprovadamente, dela restam apenas 119 unidades (onze em mãos de particulares e 108 nas de instituições)? Afinal, foram impressos mais de dois mil volumes!!! O que seus proprietários fizeram com eles? Usaram as páginas para acender a lareira nas noites de inverno? Forraram a casinha do cachorro ou a gaiola dos seus passarinhos? Fizeram aviõezinhos de papel? Sabe-se-lá.
Quem sabe, caro colega escritor, algum livro seu, aquele que atualmente lhe dê dor de cabeça por estar encalhado e não vender nem a pau, num futuro que pode ser até próximo ou talvez remotíssimo, algum excêntrico colecionador, digamos, do ano de 2100, ou algum marchand com faro de negócios, o arremate em leilão e por quantia tão exorbitante ou até mesmo maior! Nunca se sabe! Vai me enganar que John James Audubon, mesmo que em seu mais absurdo delírio, sequer sonhou que um único exemplar em quatro volumes de seu “Birds of America” custaria a bagatela de 7 milhões de libras esterlinas!!!
Boa leitura.
O Editor.
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Essa foi boa, Pedro.
ResponderExcluirEstou rindo aqui à valer!
Eu já comprei o meu próprio livro no Sebo por dois reais!, rsrs
Adorei seu texto, Pedro. Eu sou apaixonada por pássaros, e se pudesse compraria também esse livro que deve ser um tesouro raro.
ResponderExcluirAbraços
A loucura de um comprador é sem limites. Acontece e não acreditamos. Por outro lado, uma peça que ainda tem 119 unidades ser tão cara? As obras de arte são únicas, e dessa maneira são arrematadas por milhões de dólares, mas no caso do livro, com tantas cópias, é de se admirar o preço.
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