sexta-feira, 17 de dezembro de 2010


Salvo pelo gongo

Levantei, hoje de manhã, com uma preocupação muito grande: o que escrever? Não que me faltem assuntos, longe disso. Na verdade, eles até sobram e se atropelam no cérebro, cada um deles exigindo prioridade. Contudo, dado o fato de estar com a pauta particularmente mais “carregada” do que o normal neste final de semana, tenho que abordar temas sobre os quais não tenha a menor dúvida e que não precisem, portanto, de nenhuma pesquisa.. Se precisarem, estou roubado, já que minha biblioteca é, não somente enorme, mas principalmente caótica. Se tivesse que fazer isso... estaria perdido. A pesquisa me comeria um tempo imenso, que não posso desperdiçar. É o preço de quem assume uma infinidade de compromissos ao mesmo tempo, na base do puro impulso, e que tem que fazer das tripas coração para honrar a todos.
Ainda se precisasse de um único assunto, a indecisão não seria tão grande. Mas precisava de três: dois para crônicas a serem publicadas em sites de grande prestígio neste final de semana e o terceiro, para a sua reflexão, meu fiel leitor. Reitero que os temas se atropelavam em meu cérebro, cada qual querendo prioridade, e eu não conseguia me decidir por onde começar e qual deles escolher. E as horas estavam passando... Pensei no Cazuza e na sua composição “O tempo não pára”. Resolvi buscar socorro com um amigo, a quem recorro, invariavelmente, nas horas de apuro.
Liguei para o seu celular. A ligação caiu na caixa postal. Comecei a entrar em pânico. Respirei fundo e tentei novamente. Ele atendeu. “Caramba, Carlão, o que você estava fazendo que não atendia essa droga de celular?!”. “Estava tomando banho”, respondeu. “Por que essa afobação?”, indagou a seguir, com toda a calma do mundo. Ele é assim, sumamente vagaroso. Não por acaso, seu apelido é Marcha Lenta. É verdade que ele não sabe disso.
“Carlão, preciso que você me sugira três assuntos. Mas não pode demorar, é urgente e já estou atrasadíssimo!”, falei o mais rápido que podia. “Ora, quem diria! O Pedrão sem ter sobre o que escrever!”, respondeu-me daquele seu jeito irritante e mole. “Pô, Carlão, não tenho o dia todo!”, cutuquei o bicho-preguiça, para que se mexesse.
“Por que você não escreve sobre o novo índice de popularidade do Lula? Você sabe que é um fenômeno um presidente em fim do segundo mandato obter 87% de aprovação ao seu governo”, sugeriu. “Não, não quero abordar fato político. Preciso de assunto para duas crônicas, e não para um artigo”, respondi. “Escreva, então, sobre a conferência do clima em Cancun”, o amigo sugeriu. “Também não vai rolar. O teólogo Leonardo Boff, que é muito mais escritor do que eu e que, ademais, esteve presente ao COP-16, escreveu a respeito. E na comparação... claro que sairei perdendo e de goleada”, respondi. “Então se vire meu amigo”, o Carlão falou de jeito mal-criado e desligou o telefone na minha cara. Falei um palavrão e decidi me virar. Que jeito?
Ao ligar o computador, resolvi escrever sobre o primeiro assunto que me viesse à cabeça. Deixei as águas rolarem. Fui digitando, digitando e digitando e, quando me dei conta, as duas crônicas estavam prontinhas e revisadas. Ufa! Tomara que os leitores gostem! Quem lida com a escrita sabe que há infinita diferença entre redigir um texto sem preocupação de tempo e fazer a mesma coisa, mas de olho no relógio, em contagem regressiva. É fogo!!! No fim das contas, a naturalidade e a espontaneidade vão pras cucuias. E você ainda tem que se dar por satisfeito se não escapar nenhum desses errinhos bestas e chatos de português, notadamente de concordância ou de regência verbal.
Quando me preparei para redigir estas reflexões, faltava pouco tempo para eu me preparar para o “trabalho”, aquele oficial, que consta em minha carteira profissional e que me garante o “pão nosso de cada dia”. Para quem não sabe, tenho a árdua tarefa de manter a integridade do Diário Oficial do Município de Campinas, por cuja edição sou um dos responsáveis. Não me é permitido errar. Se escapar um reles errinho... Será um deus nos acuda! O céu cairá sobre a minha cabeça.
Fiquei pensando, e pensando e pensando sobre o que escrever neste espaço. E justo aqui, onde muitos leitores esperam de mim nada menos do que a perfeição (como se isso fosse possível!). Vou escrever sobre idéias? Outra vez! Não! Não gosto de repetir assuntos. E depois do que escrevi sobre o livro de Augusto Cury, “O semeador de idéias”, não teria nada de inteligente, ou pertinente, a acrescentar.
Em apuro, recorri a um dos meus poetas favoritos, Mauro Sampaio. Abri o livro “Poemas para meditar”, e os assuntos foram brotando um a um, em atropelo, aos borbotões, como pulgas no dorso de um cachorro pulguento. Um tema, todavia, se mostrou recorrente na inspiração do saudoso amigo: vida. É isso aí! Por que não abordar essa aventura maravilhosa e única, cheia de perigos e de surpresas?
No poema “A vida”, Mauro definiu-a da seguinte forma: “A vida, meus amigos,/é quase nada!/É sempre uma anedota, mal contada,/o princípio feliz de uma gargalhada,/e depois, uma festa final da bicharada!”. Pura verdade! Mas, credo, que mórbido!
Li o poema seguinte, “A vida é isto”, que está mais de acordo com o que penso: “A vida é isto:/ser torto por dentro/desde que os olhos dos outros não enxerguem./Ser brutal e desumano,/sujo e ríspido, e ríspido e sujo,/se os sentidos dos outros não sentem,/ou se sentem,/não têm sentido nem vontade de ver!//A vida é isto!/Isto sim, no seu significado por inteiro!/É isto!/Um amontoado de “istos”/que me fazem isto que sou!”. Lindo, não é mesmo?!! O que mais eu poderia acrescentar que não arruinasse ainda mais este texto já de per si mambembe? Mas fui salvo pelo gongo.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Não sabia que os leitores do Literário esperam a perfeição no Editorial. Quanto mais se tem, mais se quer. Quando somos bem acostumados, o mediano não satisfaz o suficiente.

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