quarta-feira, 29 de dezembro de 2010




A Revolução Praieira

* Por Marco Albertim

Data de 1842 a fundação do jornal Diário do Povo, localizado na rua da Praia em Recife; bem como do Partido Nacional de Pernambuco, cisma de liberais incluindo bacharéis, comerciantes, lavradores e donos de engenhos. Convém dizer que tanto o Partido Conservador, à frente o governador Rego Barros, quanto o Partido Liberal, tinham em seus quadros gente da oligarquia açucareira. A dissidência decorreu do fato de os liberais pernambucanos terem apoiado o poder imperial. Os conservadores, liderados pela família Cavalcanti, mostrando seu propósito de preservação do Estado, não deram apoio às revoltas liberais de São Paulo, nem de Minas Gerais em 1842.
Há duas versões para a designação de praieiros. Conforme o Dicionário do Brasil Imperial, de Ronaldo Vainfas, o nome era para lembrar a fortuna de cada membro do partido. Já para Sebastião do Rego Barros, o nome decorria da rua onde o jornal dos revoltosos tinha sua gráfica. Em revide, Jerônimo Vilela de Castro Tavares, jornalista e deputado liberal, qualificava os governistas de guabirus, na língua tupi, ratos; ratos se apropriando dos cofres governamentais. Os conservadores também ficaram conhecidos como saquaremas, em alusão à lagoa de Saquarema, Rio de Janeiro, onde Joaquim José Rodrigues Torres, visconde de Itaboraí, tinha uma fazenda e se reunia com os correligionários. Em luta na Vila de Santa Luzia do Rio das Velhas, Minas Gerais, os liberais foram derrotados; daí que também ficaram conhecidos como luzias.
O primeiro sentido da Revolução Praieira foi seu caráter nacionalista. Pernambuco, com seis mil casas de comércio, todas de propriedade de estrangeiros – lojistas, quitandeiros, taberneiros, donos de armazéns, trapicheiros, padeiros, açucareiros, de tecidos, de roupas prontas, calçados, funileiros e tanoeiros.* Entre 1845 e 1848, estabelecimentos de portugueses foram saqueados, e lusitanos massacrados. O jornal A Voz do Brasil, 1848, transcrevia a quadrinha:
Corja de vil de vis marotos
Amigos das borracheiras
Dar-vos-emos em resposta
Nas pontas das lambedeiras
Borracheira significando bebedeira; lambedeira, faca estreita. Atribui-se a Antônio Borges da Fonseca o Manifesto ao Mundo, onde se defendia o trabalho como garantia de vida para os cidadãos brasileiros, assim como o comércio a retalho. Os traços republicanos, federalistas e democráticos vieram à tona noManifesto. Pregava-se o voto livre e universal, liberdade de pensamento por meio da imprensa, independência dos poderes constituídos, fim do Poder Moderador, o elemento federal na nova organização, e garantia dos direitos do cidadão no Poder Judicial. Borges da Fonseca ficou conhecido como Republico. A influência do socialismo se fez presente, visto que os episódios coexistiram com as revoluções de 1848 na Europa. O socialismo utópico de Louis Blanc, Charles Fourier e Joseph Proudhon vazou pelo incentivo de Louis Lèger Vauthier. Contratado pelo barão da Boa Vista para programar a modernização do Recife, o engenheiro aqui ficou por seis anos. Tornou-se amigo do jornalista Antônio Pedro de Figueiredo, cujo apelido, Cousin Fusco, de sentido pejorativo, lembrando o fato de ter traduzido o Curso de História da Filosofia, de Victor Cousin; Fusco decorria da cor escura do jornalista.
Outro difusor das ideias socialistas foi o general José Inácio de Abreu e Lima, o General das Massas, confrade de Simon Bolívar. Escreveu a obra O Socialismo. Era irmão de Luís Inácio de Abreu e Lima, também chamado de Luís Inácio Ribeiro Roma, diretor do jornal praieiro. Ambos filhos do padre Roma, fuzilado ao fim da Revolução de 1817.
As características de lutas de classes na Revolução Praieira avultam em depoimentos da época. Figueira de Melo, então chefe de polícia na repressão aos praieiros, dissera dos pobres: “... julgando-se deserdados dos bens sociais ou oprimidas por leis tirânicas e ofensivas, dos seus supostos direitos, nutriam no coração os sentimentos de ódio, de inveja e de vingança contra as classes superiores (...)” – Martiniano Jerônimo em Figueira de Melo. O movimento, forte na capital, não conseguiu se fortalecer no interior por causa da grande propriedade, “a cuja sombra viviam as pequenas povoações, semeadas em suas cercanias; daí a guerra que ela movia à grande propriedade, superior à justiça pública (...)” - Fernando Segismundo em Joaquim Nabuco.
Incisivo é o depoimento de Joaquim Nabuco em Um estadista do Império: “O povo acreditava ter dois inimigos que o impediam ganhar a vida e adquirir algum bem-estar: esses inimigos eram os portugueses, que monopolizavam o comércio nas cidades, e os senhores de engenho, que monopolizavam a terra no interior. A guerra dos praieiros feita a esses dois elementos – o estrangeiro e o territorial, mais que um movimento político, era assim um movimento social.”
*Fernando Segismundo – jornal A Voz do Brasil, janeiro de 1848

**Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

2 comentários:

  1. Marco obrigado por registrar aqui
    um pedaço da nossa história.
    Feliz 2011 e um grande abraço.

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  2. Nubia
    Meu forte abraço. Feliz 2011
    Marco Albertim

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