domingo, 19 de dezembro de 2010




Uma história de Natal diferente

* Por Harry Wiese

Já faz tempo, na minha cidade, numa rua pouco movimentada, moravam duas senhoras distintas e muito respeitadas. Estavam de bem com a vida e deixaram-na passar sem preocupações e aborrecimentos. Recebiam poucas visitas, mas eram benquistas na comunidade.
A mulher mais idosa tinha noventa anos e se chamava Marichen. Ela era a mãe. A outra, mais nova, tinha 72 e se chamava Maria Isabel. Era a filha. Mãe e filha moravam juntas numa casinha de madeira. Na frente da casa havia um jardim muito bem cuidado e florido. No meio dele, um estreito caminho ligava a residência à rua. Um pouco mais distante existia um mercado que vendia de tudo, quase vinte e quatro horas por dia. Lá, as duas senhoras gastavam o dinheiro da aposentadoria, que sobrava da conta da farmácia.
Marichen, a mãe, não tinha mais ninguém, exceto Maria Isabel, a filha. A filha também não tinha ninguém além da mãe. Ambas passaram por muitas dores e aflições na vida. Maria Isabel perdeu o marido num acidente automobilístico. A única filha morreu aos vinte e três anos, dois meses depois do noivado, de uma doença que até os médicos não conseguiram explicar. Desde então, uma vive para a outra, relembrando e planejando timidamente alguma ação para o futuro. Quase nada!
Naquele ano, o Natal, como todos os outros, veio devagarzinho, com algumas cigarras cantando e a rádio da cidade transmitindo propagandas de presentes e festas. Um carro de som também passava de vez em quando anunciando maravilhas: vinhos, champanhes, chocolates, panetones, frutas desidratadas, nozes e outros produtos do gênero.
Marichen, a mãe, e Maria Isabel, a filha, providenciaram uma árvore natalina, colhida nos fundos da casa. Ali havia três araucárias que abasteceram os últimos natais, num processo de revezamento. Após o corte, surgiam novos brotos que se desenvolviam e a cada três anos estavam aptos para enfeitar o Natal naquela casa.
Na noite da véspera, como em todos os anos, as duas senhoras acenderam as velas da árvore enfeitada com bolas coloridas e algodão. Estavam sentadas lado a lado, apreciando as pequenas chamas refletidas nos enfeites da árvore. Era lindo! Depois de permanecerem assim por longo tempo, Marichen disse para Maria Isabel:
─ Que tal comprarmos uma garrafa de vinho lá no mercado para comemorar o Natal? Ainda deve estar aberto. Vai ser bom tomar vinho, hoje!
Algum tempo depois, Maria Isabel, um pouco assustada com a decisão da mãe, respondeu:
─ Não acho uma boa ideia comprarmos vinho. A senhora tem noventa anos e o vinho vai lhe fazer mal. Eu também não posso tomá-lo por causa do remédio. É melhor comprar outra coisa.
─ Tomar vinho uma vez por ano, com certeza, não vai-nos fazer mal. Vai lá e compra uma garrafa de vinho tinto ─ voltou a pedir a mãe.
Maria Isabel não tinha escolha. Em meia hora, elas estavam saboreando aquela bebida festiva. Depois ficaram abraçadas em silêncio. A mãe não se conformou com aquela solidão e voltou a intervir:
─ E se nós adotássemos um menino, Maria Isabel?
─ O quê?
─ Nós poderíamos adotar um menino para nos fazer companhia e acabar com este tédio, você não acha, filha?
─ Mas aonde vamos encontrar um menino a estas horas? Não há ninguém para ser adotado. Não tem orfanato na cidade e o Fórum de Justiça está fechado!
Maria Isabel então se lembrou de que no baú, velho móvel guardador de lembranças e coisas antigas, havia uma relíquia, que pertencia à filha que tão cedo deixou a vida terrena. Foi até ao quarto e depois de revirar as bugigangas encontrou uma boneca feita menino, com roupas de menino, cabelos de menino, parecido com anjo.
Puseram-na em uma caixa à luz da árvore de natal, era quase igual a um cocho que há muitos anos haviam visto na igreja, no lado do altar, também debaixo de uma árvore colorida. Elas ficaram muito tempo apreciando aquela cena, enquanto se deliciaram com os pensamentos bons e bonitos que teimavam em perpetuar-se em suas mentes com os últimos goles de vinho da garrafa. Quando as velas sumiram e as luzes começaram a se apagar, a mãe disse à filha:
─ Veja, Maria Isabel! A nossa boneca está viva! Está se mexendo! Olha, está se mexendo!
Maravilhadas as duas senhoras não entenderam o que estava acontecendo. Devia ter sido milagre. Como uma boneca, tantos anos guardada num baú, pôde virar gente?
Quando a hora de dormir chegou, pegaram o menino, trocaram-lhe a roupa e o deitaram na cama, no meio delas para que pudesse ser cuidado e recebesse o amor que lhe era devido. Trocaram beijos e abraços, abençoaram a criança e desejaram a ela vida longa e boa.
Na manhã seguinte, deitaram o menino na caixa, parecida com um cocho, debaixo da árvore de natal. Ao seu redor colocaram um homem e uma mulher, que tinham a felicidade refletida nos rostos e, algumas figuras de animais que estavam espalhadas pela casa e pelo jardim. Também colocaram uma estrela sobre a caixa. Para deixar o lugar mais sugestivo, tiraram os anjinhos da
árvore e os colocaram mais perto do menino. Para que ele tivesse mais companhia, providenciaram três figuras masculinas, que olhando bem, tinham manias de reis. Um deles era nigérrimo e de beleza singular. Uma lâmpada elétrica iluminou o ambiente, porque não havia mais velas na casa.
Com alegria estampada nos rostos como há muito tempo não se viu, abraçadas, andavam pelo estreito caminho que ligava a casa à rua. Quando chegaram ao portão, cumprimentaram as pessoas que ali passaram e desejaram-lhes boas festas.
Os transeuntes que se dirigiram à igreja para assistirem à missa natalina perceberam a alegria das duas senhoras, as suas vozes fortalecidas e os seus passos mais firmes e mais rápidos, tanto que bradavam em alto tom:
─ Que alegria é essa, senhoras! Estão bem de saúde?
Sem perder tempo, Marichen e Maria Isabel falaram:
─ Ontem à noite, nós adotamos um menino! Por isso estamos felizes!
─ O quê?
─ Querem ver? Está lá dentro! Ele é parecido com um anjo!
Incrédulas, as pessoas entraram na casa de Marichen e Maria Isabel e se maravilharam com que viram. Durante vários dias aconteceu uma peregrinação àquela casa para ver e adorar o menino que vivia debaixo da árvore de natal. Hoje, alguns anos depois, Marichen não vive mais e Maria Isabel, a filha, mora sozinha. Sozinha? Não! Tem um menino que cuida dela e, de muitas outras pessoas que lhe querem bem!
Feliz Natal!

• Harry Wiese é escritor e reside em Ibirama, SC. Entre suas obras, destaca-se A Sétima Caverna, romance premiado pela Academia Catarinense de Letras.

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