Outros Natais
* Por Risomar Fasanaro
No dia 24 levantei nostálgica. Pensei ser fruto da época: Natal, final de ano...O certo é que uma tristeza se apoderou de mim e não consegui mais ficar na cama.
Levantei logo cedo e resolvi sair. Resolvi percorrer todas as ruas onde morei, passar em frente a todas as casas. Foi o que fiz.
De uma delas, onde vivi momentos de intensa felicidade só restava uma parede do que fora meu quarto, aquela onde eu colocara nos anos 60, dois pôsters enormes, um dos Beatles, desenho a nanquim de minha amiga Regina, e um da chegada do homem à Lua.
A casa era vizinha à antiga Cobrasma, e dela só restava aquela parede, uma montanha de tijolos, e os restos das portas e janelas. Era o retrato vivo de minhas lembranças do que vivera ali.
Como é triste tentar reconstituir o passado e ver que nem o que era material existe mais... O que ficou foi a memória, e não sei se feliz ou infelizmente, a minha é muito boa, e a quem pensa isso ser um bem, aviso que é um pesadelo.
Relembrei os natais a partir das casas. O primeiro foi na terceira casa em que moramos.
É uma casa inesquecível. No jardim havia uma roseira que chamava a atenção das pessoas que passavam, porque ela formava uma touceira, com muitos galhos que vinham do chão estava sempre coberta de rosas.
Naquele Natal, um casal de amigos, Maria e Zacarias que eram do Recife, mas estavam morando no Paraná, tinham vindo passar conosco.
Desde a chegada deles nossa casa vivia dias de festa. Eles tinham trazido um disco de músicas natalinas e ficávamos ouvindo aquelas canções o dia inteiro. A casa cheia de gente, todo mundo alegre. Minha mãe preparando o que iria servir na ceia, a gente na expectativa do que ganharia de presente. Aquela coisa que Fernando Pessoa diz tão bem: no tempo em que festejavam o dia dos meus anos,/ eu era feliz e ninguém estava morto”
Continuei dirigindo, ouvindo as vozes de meus pais e irmãos falando ao mesmo tempo, ninguém ouvindo ninguém, mas todo mundo feliz.
Do fundo de minhas reminiscências veio o som do bandolim do meu irmão Paulo tocando “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo, som que foi fundo musical de nossas vidas naquela época.
Relembrei vários natais, as árvores e presépios de todos os tipos e estilos. Natais inesquecíveis.
Mas nem todos foram assim. Ao passar em frente a algumas daquelas casas me vinha à boca o gosto amargo da memória, e as imagens se embaralhavam dificultando minha visão. Quem sabe seria melhor acelerar e fugir daquelas lembranças? Mas era preciso exorcizar o passado, saíra aquela manhã para isso, só assim seria possível “enterrar” todas as lembranças desagradáveis dos Natais passados.Esquecer tudo que um dia me entristeceu, me magoou, para à noite estar livre para comemorar.
Ao chegar à última casa estava calma, serena. Liguei o rádio na Brasil FM e a voz de Paulinho da Viola cantava os últimos versos de “Abre os olhos”: “esqueça esse mal que nos deu tanto sofrimento/ (...)Felicidade já conheceu seu momento/ Abre os teus olhos e veja o que aconteceu/ Esqueça tudo/ Porque nosso amor já morreu”.
De repente, embora o carro estivesse totalmente fechado, um cheiro de manjericão e de terra molhada, vindo não sei de onde, misteriosamente invadiu o carro me trazendo a lembrança de alguém que há muito não vejo. Tive a nítida sensação de ter saído de um banho de cachoeira igual ao que tomei uma vez em Ilha Bela. Ilusão? Ou alguma miragem que só o Natal nos traz?
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
* Por Risomar Fasanaro
No dia 24 levantei nostálgica. Pensei ser fruto da época: Natal, final de ano...O certo é que uma tristeza se apoderou de mim e não consegui mais ficar na cama.
Levantei logo cedo e resolvi sair. Resolvi percorrer todas as ruas onde morei, passar em frente a todas as casas. Foi o que fiz.
De uma delas, onde vivi momentos de intensa felicidade só restava uma parede do que fora meu quarto, aquela onde eu colocara nos anos 60, dois pôsters enormes, um dos Beatles, desenho a nanquim de minha amiga Regina, e um da chegada do homem à Lua.
A casa era vizinha à antiga Cobrasma, e dela só restava aquela parede, uma montanha de tijolos, e os restos das portas e janelas. Era o retrato vivo de minhas lembranças do que vivera ali.
Como é triste tentar reconstituir o passado e ver que nem o que era material existe mais... O que ficou foi a memória, e não sei se feliz ou infelizmente, a minha é muito boa, e a quem pensa isso ser um bem, aviso que é um pesadelo.
Relembrei os natais a partir das casas. O primeiro foi na terceira casa em que moramos.
É uma casa inesquecível. No jardim havia uma roseira que chamava a atenção das pessoas que passavam, porque ela formava uma touceira, com muitos galhos que vinham do chão estava sempre coberta de rosas.
Naquele Natal, um casal de amigos, Maria e Zacarias que eram do Recife, mas estavam morando no Paraná, tinham vindo passar conosco.
Desde a chegada deles nossa casa vivia dias de festa. Eles tinham trazido um disco de músicas natalinas e ficávamos ouvindo aquelas canções o dia inteiro. A casa cheia de gente, todo mundo alegre. Minha mãe preparando o que iria servir na ceia, a gente na expectativa do que ganharia de presente. Aquela coisa que Fernando Pessoa diz tão bem: no tempo em que festejavam o dia dos meus anos,/ eu era feliz e ninguém estava morto”
Continuei dirigindo, ouvindo as vozes de meus pais e irmãos falando ao mesmo tempo, ninguém ouvindo ninguém, mas todo mundo feliz.
Do fundo de minhas reminiscências veio o som do bandolim do meu irmão Paulo tocando “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo, som que foi fundo musical de nossas vidas naquela época.
Relembrei vários natais, as árvores e presépios de todos os tipos e estilos. Natais inesquecíveis.
Mas nem todos foram assim. Ao passar em frente a algumas daquelas casas me vinha à boca o gosto amargo da memória, e as imagens se embaralhavam dificultando minha visão. Quem sabe seria melhor acelerar e fugir daquelas lembranças? Mas era preciso exorcizar o passado, saíra aquela manhã para isso, só assim seria possível “enterrar” todas as lembranças desagradáveis dos Natais passados.Esquecer tudo que um dia me entristeceu, me magoou, para à noite estar livre para comemorar.
Ao chegar à última casa estava calma, serena. Liguei o rádio na Brasil FM e a voz de Paulinho da Viola cantava os últimos versos de “Abre os olhos”: “esqueça esse mal que nos deu tanto sofrimento/ (...)Felicidade já conheceu seu momento/ Abre os teus olhos e veja o que aconteceu/ Esqueça tudo/ Porque nosso amor já morreu”.
De repente, embora o carro estivesse totalmente fechado, um cheiro de manjericão e de terra molhada, vindo não sei de onde, misteriosamente invadiu o carro me trazendo a lembrança de alguém que há muito não vejo. Tive a nítida sensação de ter saído de um banho de cachoeira igual ao que tomei uma vez em Ilha Bela. Ilusão? Ou alguma miragem que só o Natal nos traz?
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
Pode ser Riso...pode ser.
ResponderExcluirPor vezes me vejo mergulhada
em lembranças apenas me esforço
para não me afogar nelas...
Lindo texto.
Querida Riso um 2011 maravilhoso
pra ti.
Beijos
Sábias palavras, poetamiga. Feliz 2011, Riso!
ResponderExcluirBeijão
O método que uso para não ficar nostálgica é não pensar, é deixar o passado lá no passado. Quando o pensamento vem eu o expulso. Sinto-me melhor assim. Um passeio como o seu me levaria ao choro, e prefiro não fazer esse tipo de viagem, mesmo com ótimas coisas para recordar, e é por isso mesmo. O seu texto me suscitou tamanha falação por que me tocou. Ficou perfeito.
ResponderExcluirObrigada meus amigos queridos. Estive com uma gripe muito forte, daí a demora para responder aos comentários generosos de vocês. Beijos
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