Ao sabor das emoções
O Natal tende a me tornar mais emotivo do que normalmente já sou (e olhem que sou um feixe ambulante de emoções, com a sensibilidade à flor da pele, embora raros dos que me conhecem se dêem conta), tanto do lado positivo, quanto do negativo.
Lembranças de pessoas queridas – distantes ou que já morreram –, dos meus pais, de parentes, de amigos e de tantas mulheres que amei – me afloram, irresistivelmente, à memória, logo pela manhã, e teimam em ficar comigo o tempo todo, sejam quais forem as circunstâncias do dia, até conciliar o sono, já alta madrugada, me despertando saudades, tristezas, ternuras e uma gama de outros tantos sentimentos que sequer consigo identificar.
Simultaneamente, a revolta, que mantenho represada o ano todo, contra tudo o que vejo de errado no mundo no meu dia-a-dia, – e vejo muitas e muitas coisas, até em decorrência da profissão que exerço, que me obriga a estar sempre bem-informado sobre tudo o que acontece – subitamente vem à tona, de forma incontrolável, e se mistura com as outras emoções, deixando a cabeça em ponto de explosão. É quando aquela imagem do jornalista frio, insensível e até um tanto cínico, que fazem de mim, cai por terra.
Pudesse, como a maioria das pessoas, gozar plenamente o feriado, não haveria maiores problemas. Mas não posso. As vésperas do Natal, e a própria data, são, para mim, das ocasiões mais trabalhosas do ano. É a época em que recebo encomendas e mais encomendas para produzir textos alusivos à data, de jornais e sites de várias partes do Brasil e até do exterior. E todos os querem exclusivos. E todos os querem originais. E todos os querem equilibrados. E todos os querem inteligentes e atrativos. Haja criatividade! Mas como me concentrar com tamanho turbilhão de sentimentos?
Todos os anos é o mesmo drama. Quem já teve a incumbência de escrever uma única crônica de Natal sabe o quanto é difícil ser original e não descambar para a pieguice. Quase tudo o que se possa escrever sobre o assunto alguém já escreveu em alguma época ou lugar. O tema é dos mais complicados para qualquer redator, seja jornalista, escritor ou publicitário. É um campo minado para a criatividade, verdadeiro terreno de areia movediça no qual, se não tivermos cautela, iremos, fatalmente, submergir. Se um texto do tipo já é um parto da montanha, imaginem, então, o tamanho do pepino, ao ter que escrever de oito a dez diferentes, sobre o mesmíssimo assunto! E, ainda mais, com a cabeça cheia de lembranças e de emoções desencontradas!
Tempos atrás, quando trabalhava no Correio Popular, era pior. Nas duas décadas que permaneci no jornal, nunca tive um único Natal de folga, para desespero da mulher e dos filhos. Meus plantões caíam, invariavelmente, nessa data. Quando voltava para casa, alta madrugada, a ceia já havia acabado há tempos, os convidados já tinham ido embora, deixando-me presentes e votos de felicidade, e a família já estava dormindo. Restava-me tomar banho, requentar o prato feito deixado no microondas, jantar na companhia dos fantasmas e recolher-me, cheio de cansaço e de lembranças (doces e amargas ao mesmo tempo), sem tempo e disposição sequer para lamentações.
Ossos do ofício! O que fazer? Agora as coisas, a rigor, não são lá muito diferentes. Só mudou, mesmo, o lugar em que exerço o meu ofício de “escrevinhador”. Em vez da redação do jornal, o local em que busco garantir o pão nosso de cada dia é o meu gabinete particular de trabalho, aqui em casa. É até pior.
Por mais despojado que seja o ambiente, cada objeto que me cerca é uma lembrança viva a tirar a minha concentração. O próprio computador, no qual redijo os textos, é um presente de Natal da minha filha mais velha, a Tatiana. Quase nada no cômodo – à exceção da maioria dos mais de quatro mil volumes da minha caótica biblioteca – foi comprado por mim. Tudo foi mimo de alguém que gosta de mim, que se importa comigo, que quis me agradar: a caneta, os óculos de leitura, o cinzeiro, o relógio de parede e a própria escrivaninha, entre outras coisas.
Foi nessas circunstâncias, e com os já descritos sentimentos e emoções, que redigi estas insólitas e queixosas linhas. Como se vê, apesar de amar, de paixão, o meu ofício, a vida de jornalista não tem nem um pouquinho do glamour e do charme que os que não são do ramo lhe atribuem. Antes tivesse! Feliz Natal para todos!
Boa leitura.
O Editor.
O Natal tende a me tornar mais emotivo do que normalmente já sou (e olhem que sou um feixe ambulante de emoções, com a sensibilidade à flor da pele, embora raros dos que me conhecem se dêem conta), tanto do lado positivo, quanto do negativo.
Lembranças de pessoas queridas – distantes ou que já morreram –, dos meus pais, de parentes, de amigos e de tantas mulheres que amei – me afloram, irresistivelmente, à memória, logo pela manhã, e teimam em ficar comigo o tempo todo, sejam quais forem as circunstâncias do dia, até conciliar o sono, já alta madrugada, me despertando saudades, tristezas, ternuras e uma gama de outros tantos sentimentos que sequer consigo identificar.
Simultaneamente, a revolta, que mantenho represada o ano todo, contra tudo o que vejo de errado no mundo no meu dia-a-dia, – e vejo muitas e muitas coisas, até em decorrência da profissão que exerço, que me obriga a estar sempre bem-informado sobre tudo o que acontece – subitamente vem à tona, de forma incontrolável, e se mistura com as outras emoções, deixando a cabeça em ponto de explosão. É quando aquela imagem do jornalista frio, insensível e até um tanto cínico, que fazem de mim, cai por terra.
Pudesse, como a maioria das pessoas, gozar plenamente o feriado, não haveria maiores problemas. Mas não posso. As vésperas do Natal, e a própria data, são, para mim, das ocasiões mais trabalhosas do ano. É a época em que recebo encomendas e mais encomendas para produzir textos alusivos à data, de jornais e sites de várias partes do Brasil e até do exterior. E todos os querem exclusivos. E todos os querem originais. E todos os querem equilibrados. E todos os querem inteligentes e atrativos. Haja criatividade! Mas como me concentrar com tamanho turbilhão de sentimentos?
Todos os anos é o mesmo drama. Quem já teve a incumbência de escrever uma única crônica de Natal sabe o quanto é difícil ser original e não descambar para a pieguice. Quase tudo o que se possa escrever sobre o assunto alguém já escreveu em alguma época ou lugar. O tema é dos mais complicados para qualquer redator, seja jornalista, escritor ou publicitário. É um campo minado para a criatividade, verdadeiro terreno de areia movediça no qual, se não tivermos cautela, iremos, fatalmente, submergir. Se um texto do tipo já é um parto da montanha, imaginem, então, o tamanho do pepino, ao ter que escrever de oito a dez diferentes, sobre o mesmíssimo assunto! E, ainda mais, com a cabeça cheia de lembranças e de emoções desencontradas!
Tempos atrás, quando trabalhava no Correio Popular, era pior. Nas duas décadas que permaneci no jornal, nunca tive um único Natal de folga, para desespero da mulher e dos filhos. Meus plantões caíam, invariavelmente, nessa data. Quando voltava para casa, alta madrugada, a ceia já havia acabado há tempos, os convidados já tinham ido embora, deixando-me presentes e votos de felicidade, e a família já estava dormindo. Restava-me tomar banho, requentar o prato feito deixado no microondas, jantar na companhia dos fantasmas e recolher-me, cheio de cansaço e de lembranças (doces e amargas ao mesmo tempo), sem tempo e disposição sequer para lamentações.
Ossos do ofício! O que fazer? Agora as coisas, a rigor, não são lá muito diferentes. Só mudou, mesmo, o lugar em que exerço o meu ofício de “escrevinhador”. Em vez da redação do jornal, o local em que busco garantir o pão nosso de cada dia é o meu gabinete particular de trabalho, aqui em casa. É até pior.
Por mais despojado que seja o ambiente, cada objeto que me cerca é uma lembrança viva a tirar a minha concentração. O próprio computador, no qual redijo os textos, é um presente de Natal da minha filha mais velha, a Tatiana. Quase nada no cômodo – à exceção da maioria dos mais de quatro mil volumes da minha caótica biblioteca – foi comprado por mim. Tudo foi mimo de alguém que gosta de mim, que se importa comigo, que quis me agradar: a caneta, os óculos de leitura, o cinzeiro, o relógio de parede e a própria escrivaninha, entre outras coisas.
Foi nessas circunstâncias, e com os já descritos sentimentos e emoções, que redigi estas insólitas e queixosas linhas. Como se vê, apesar de amar, de paixão, o meu ofício, a vida de jornalista não tem nem um pouquinho do glamour e do charme que os que não são do ramo lhe atribuem. Antes tivesse! Feliz Natal para todos!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor no twitter: @bondaczuk
Há profissões piores, você sabe, mas as outras não exigem o que a criação de textos exige. Das que estou me lembrando, por exemplo médico de CTI, ou de Pronto Socorro, a maior parte dos casos são de resolução automática. O que há em comum é a emoção. Fazem o pior juízo dos médicos da emergência, mas no peito deles bate um coração, principalmente no Natal.
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