Reconhecimento,
posto que tardio
A
escritora espanhola Ana Maria Matute, catalã de nascimento, mas
“cidadã do mundo”, como se definia,
é tida e havida, e há já vários anos, por grande parte dos
críticos literários europeus, em especial os da Espanha, como a
melhor novelista do pós-guerra civil desse país. Além de escrever
romances, contos e novelas, foi
professora de letras e atuava
como mestra convidada também no Exterior, em três renomadas
universidades dos Estados Unidos: as dos Estados de Indiana, Oklahoma
e Virginia.
Ana
Maria, a despeito do seu estilo refinado, inacessível a quem não
tenha razoável cultura geral e bom conhecimento de literatura, tem,
há muito, um público fiel e cativo, que faz dela uma das escritoras
mais bem sucedidas da Espanha na atualidade. Há tempos conta,
também, com o reconhecimento da crítica especializada. Faltava-lhe,
todavia, um prêmio literário de grande expressão para consagrá-la
de vez, como uma das grandes ficcionistas contemporâneas. Faltava...
Não falta mais.
Com
muita justiça (que tardou, mas não falhou) – e quem conhece sua
obra sabe do que estou falando – Ana Maria Matute, membro da Real
Academia Española, conquistou o Prêmio Cervantes de 2010,
considerado o Nobel das letras hispânicas, e praticamente seis meses
depois de completar 85 anos de idade (em 26 de julho de 2010). Que
bom que foi reconhecida e
antes da
sua morte, ocorrida em 25 de junho de 2014.
Considero,
no entanto, que ainda há poucas mulheres conquistando os grandes
prêmios de literatura, mundo afora. Não que sua produção seja
inferior à dos homens. Em determinados períodos, até a supera, em
quantidade e em qualidade. Há, ainda, no meu entender, um certo
“ranço” de preconceito de gênero, inconcebível em pleno século
XXI. Até porque, competência e criatividade não são e nunca serão
questões de sexo. Ou as pessoas são competentes e criativas, não
importa se homens ou mulheres, ou não são.
Quando
se levanta a questão, os responsáveis pela atribuição dos
principais prêmios literários negam que haja esse tipo de
preconceito. Não estranho, todavia, essa negativa. Só faltava
alguém admitir que é preconceituoso e assumir isso publicamente.
Nunca vi ninguém fazer isso. Façam um levantamento dos ganhadores
do Prêmio Nobel de Literatura e vejam quantas mulheres
conquistaram-no. Foram poucas. Cabe, inclusive, o superlativo:
pouquíssimas.
Quanto
ao Cervantes, Ana Maria Matute foi,
apenas, a terceira mulher a ser contemplada. As duas anteriores foram
a também espanhola Maria Zambrano (1988) e a poetisa cubana Dulce
Maria Loynez (1992). Os círculos literários, convenhamos, não
podem se transformar numa espécie de Clube do Bolinha, sob pena de
perderem credibilidade. Tem que ser premiado quem tiver uma obra
consistente, criativa e original. A questão de se tratar de homem ou
de mulher não deve sequer ser cogitada.
O
Prêmio Miguel de Cervantes foi instituído em 1974. Premia,
alternadamente, num ano escritores espanhóis e em outro
latino-americanos que escrevam em castelhano. Essa espécie de regra
informal foi quebrada apenas quatro vezes. Nos anos de 1982-1983,
contemplou, respectivamente, Luís Rosales e Rafael Alberti e de
1985-1986, premiou Gonzalo Torrente Balester e Antonio Buero Valejo.
Os quatro nomes citados são de escritores espanhóis. No caso de
latino-americanos, isso ocorreu em 1980-1981, com Juan Carlos Onetti
do Uruguai e Octávio Paz do México, respectivamente e em 1989-1990,
com Augusto Roa Bastos, do Paraguai e Adolfo Bioy Casares, da
Argentina.
Da
América Latina, muito “peso pesado” já conquistou o Cervantes.
Alguns também acabaram somando o Nobel às suas coleções. Outros
tantos, não. Entre os grandes ganhadores da América Latina podemos
citar o cubano Alejo Carpentier (1977); o argentino Jorge Luís
Borges, um dos injustiçados do Nobel (1979); o uruguaio Juan Carlos
Onetti (1980); o mexicano Octávio Paz, que na sequência ganharia o
Nobel (1981) e vai por aí afora. Sem esquecer de Ernesto Sabato,
Carlos Fuentes, Augusto Roa Bastos, Adolfo Bioy Casares e Mário
Vargas Llosa.
Sentiram
como é rica a literatura latino-americana? Mas onde estão as
mulheres? Elas estão produzindo, criando, publicando e vendendo
tanto quanto os homens, mas à espera de um reconhecimento, mesmo que
tardio, como o que aconteceu
com Ana Maria Matute. Os romances dessa escritora são uma espécie
de radiografia da sociedade espanhola, com sua grandeza e seus
inúmeros problemas. Em quase toda a sua obra, a Guerra Civil
aparece, de uma forma ou de outra, como pano de fundo, por se tratar
de divisora de águas da história da Espanha.
Uma
das características desta escritora são as trilogias. Utilizou
os mesmos personagens em três histórias diferentes, que podem ou
não ter ligações entre si. E isso nos três gêneros de ficção
que explorava:
romance, conto e novela. Tomara que sua conquista abra as portas para
novas mulheres, quer da Espanha, quer na América Latina, que neste
momento produzem obras competentes, consistentes, criativas e
marcantes. Até aqui, no
entanto, isso não ocorreu.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
As mulheres costumam ser tão ou mais preconceituosas que os homens em relação à capacidade feminina, exceto na áreas definidas como "coisa de mulher".
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