quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Crenças e descrenças segundo ato - Mara Narciso


Crenças e descrenças segundo ato


* Por Mara Narciso
 
Creio em Deus Pai, todo poderoso, criador do céu e da Terra”. Quais são as suas crenças? Qual causa move a sua vida? Até que ponto você evita uma polêmica? Por quais certezas você compra uma briga? Por quais convicções você faria uma guerra?
 
Quantas pessoas há, quantos gostos haverá. Num Brasil dividido, o ódio é vociferado aos quatro cantos, assim, é preciso recuar para fugir das pedras grandes, pontiagudas e certeiras. São lançadas contra oponentes, concorrentes e inimigos temidos pelo seu poder de fogo. Quando os argumentos falham, os gritos mostram quem perdeu a razão e uma agressão física poderá substituir a oratória. Os fortes e poderosos poderão vencer, mas os fracos e pequenos um dia crescerão. As pedradas metafóricas podem se tornar balas de canhão. Poucos ganharam uma guerra com poemas e flores, porque quase ninguém tolera ouvir um discurso contrário.
 
As discussões mais apaixonadas giram em torno de futebol, política e religião. A fúria na defesa demonstra que esses especialistas entendem muito, e seus objetivos são convencer mais gente a mudar de lado e se possível desmoralizar o inimigo. Uma ira desenfreada surge quando a pessoa é desafiada em suas certezas, e elas vão sendo derrubadas uma a uma. A petulância do divergente, especialmente do mais eloquente, pode gerar descontrole e insultos. Temas de outra ordem entram em cena para ridicularizar quem está discordando, como idade, origem, nível social e cultural, gênero e até vida amorosa. Se contra fatos não há argumentos, contra a boa retórica, para quem não a tem, só resta apelar, humilhando outros aspectos da vida de quem fala.
 
Na política as pesquisas eleitorais são suspeitas quando o candidato da pessoa está perdendo e confiáveis quando está na frente. O resultado das urnas pode não convencer os maus perdedores que tentam ganhar no grito, desfazendo do sistema eleitoral. Num jogo de futebol o placar e um título deveriam ser suficientes, mas não são. O árbitro errou. Na religião, cada um acredita no que quiser, mas há perseguição às crenças de ascendência africana e aos descrentes, dois caminhos tornados demoníacos. Não me importo com o que fazem as conexões cerebrais do outro, e que convicções formam. Quais certezas posso ter?
 
Um quarto tema tem gerado polêmica. O que significa “escolha uma alimentação equilibrada e saudável”? Depois de cem anos de indústria alimentícia no Brasil, de montes de venenos que comemos sem pestanejar, a civilização resolve retornar. Um problema surge: como alimentar sem conservantes uma população humana de 7,6 bilhões de pessoas? Largar a indústria e comer coisas tiradas do pé, sem processamento seria o ideal, abandonando os corantes, aromatizantes, flavorizantes, acidulantes, conservantes, antioxidantes, estabilizantes e outras misteriosas classes de químicos adicionadas aos alimentos, com seus códigos incompreensíveis e passarmos a comer grãos, frutas, verduras e legumes in natura. Como foram cultivados? Quantos agrotóxicos, os chamados defensivos agrícolas, estamos ingerindo? Sem contar os alimentos demonizados a cada época: açúcar, carne bovina, ovo, leite integral, trigo. Ou os genéricos gorduras e massas. Foram caçados os transgênicos, a gordura trans, a margarina, o óleo de soja e canola e o leite de soja. Foram trazidos de outras plagas chia, linhaça, quinoa, batata yakon, kefir (delicado equilíbrio de leveduras e bactérias) e endeusados a banha de porco, a manteiga e o óleo de côco e o regenerado ovo. Os sucos estão sendo perseguidos. Quem está com a razão? São opinião ou ciência? Há certezas, ou indícios? Quais interesses econômicos movem essas cientificidades? Que evidências são irrefutáveis? Acredite, há quem não goste nem de café nem de chocolate. Pelo sim, pelo não, melhor cada um descobrir seu ritmo, seja de exercício, seja de alimentação. Quanto às crenças, a virtude continua no meio. Eu sou radical, mas ninguém precisa me acompanhar.
 
* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



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