Crenças
e descrenças segundo ato
*
Por Mara Narciso
“Creio
em Deus Pai, todo poderoso, criador do céu e da Terra”. Quais são
as suas crenças? Qual causa move a sua vida? Até que ponto você
evita uma polêmica? Por quais certezas você compra uma briga? Por
quais convicções você faria uma guerra?
Quantas
pessoas há, quantos gostos haverá. Num Brasil dividido, o ódio é
vociferado aos quatro cantos, assim, é preciso recuar para fugir das
pedras grandes, pontiagudas e certeiras. São lançadas contra
oponentes, concorrentes e inimigos temidos pelo seu poder de fogo.
Quando os argumentos falham, os gritos mostram quem perdeu a razão e
uma agressão física poderá substituir a oratória. Os fortes e
poderosos poderão vencer, mas os fracos e pequenos um dia crescerão.
As pedradas metafóricas podem se tornar balas de canhão. Poucos
ganharam uma guerra com poemas e flores, porque quase ninguém tolera
ouvir um discurso contrário.
As
discussões mais apaixonadas giram em torno de futebol, política e
religião. A fúria na defesa demonstra que esses especialistas
entendem muito, e seus objetivos são convencer mais gente a mudar de
lado e se possível desmoralizar o inimigo. Uma ira desenfreada surge
quando a pessoa é desafiada em suas certezas, e elas vão sendo
derrubadas uma a uma. A petulância do divergente, especialmente do
mais eloquente, pode gerar descontrole e insultos. Temas de outra
ordem entram em cena para ridicularizar quem está discordando, como
idade, origem, nível social e cultural, gênero e até vida amorosa.
Se contra fatos não há argumentos, contra a boa retórica, para
quem não a tem, só resta apelar, humilhando outros aspectos da vida
de quem fala.
Na
política as pesquisas eleitorais são suspeitas quando o candidato
da pessoa está perdendo e confiáveis quando está na frente. O
resultado das urnas pode não convencer os maus perdedores que tentam
ganhar no grito, desfazendo do sistema eleitoral. Num jogo de futebol
o placar e um título deveriam ser suficientes, mas não são. O
árbitro errou. Na religião, cada um acredita no que quiser, mas há
perseguição às crenças de ascendência africana e aos descrentes,
dois caminhos tornados demoníacos. Não me importo com o que fazem
as conexões cerebrais do outro, e que convicções formam.
Quais certezas posso ter?
Um
quarto tema tem gerado polêmica. O que significa “escolha uma
alimentação equilibrada e saudável”? Depois de cem anos de
indústria alimentícia no Brasil, de montes de venenos que comemos
sem pestanejar, a civilização resolve retornar. Um problema surge:
como alimentar sem conservantes uma população humana de 7,6 bilhões
de pessoas? Largar a indústria e comer coisas tiradas do pé, sem
processamento seria o ideal, abandonando os corantes, aromatizantes,
flavorizantes, acidulantes, conservantes, antioxidantes,
estabilizantes e outras misteriosas classes de químicos adicionadas
aos alimentos, com seus códigos incompreensíveis e passarmos a
comer grãos, frutas, verduras e legumes in natura. Como foram
cultivados? Quantos agrotóxicos, os chamados defensivos agrícolas,
estamos ingerindo? Sem contar os alimentos demonizados a cada época:
açúcar, carne bovina, ovo, leite integral, trigo. Ou os genéricos
gorduras e massas. Foram caçados os transgênicos, a gordura trans,
a margarina, o óleo de soja e canola e o leite de soja. Foram
trazidos de outras plagas chia, linhaça, quinoa, batata yakon, kefir
(delicado equilíbrio de leveduras e bactérias) e endeusados a banha
de porco, a manteiga e o óleo de côco e o regenerado ovo. Os sucos
estão sendo perseguidos. Quem está com a razão? São opinião ou
ciência? Há certezas, ou indícios? Quais interesses econômicos
movem essas cientificidades? Que evidências são irrefutáveis?
Acredite, há quem não goste nem de café
nem de chocolate. Pelo sim, pelo não, melhor cada um descobrir seu
ritmo, seja de exercício, seja de alimentação. Quanto às crenças,
a virtude continua no meio. Eu sou radical, mas ninguém precisa me
acompanhar.
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Que toda essa dialética possa um dia chegar a uma síntese... Abraços, Mara.
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