Admirável paixão que
contagia
O
jovem ex-colunista do Literário, Fernando Narciso Silveira, encerra
a entrevista que concedeu, em 2010, ao Literário recomendando o
seguinte: “Façam o que quiserem de suas vidas, mas façam com
convicção e paixão”. Achei essa recomendação tão pertinente,
lúcida e madura, que a escolhi como título dessa matéria e não
fiz nada mais do que o óbvio. É exatamente isso o que se espera de
escritores e, por extensão, de todos os agentes literários
(incluindo, claro, os leitores) e por maior extensão ainda, de todas
as pessoas de bom-senso, não importando a atividade que exerçam.
É
isso aí, Fernando. Convicção e paixão são as principais
estratégias dos vencedores. É verdade que nem todos se apaixonam
pelo que lhes seja adequado, conveniente ou mesmo útil. Há quem
nutra, por exemplo, fanática paixão por clubes de futebol e fazem
dela a razão de ser de suas vidas. Não passam de tolos, de
rematados imbecis, de alienados.
Há,
ainda, quem se apaixone por mulheres que nem sabem que esses
indivíduos existem e que não lhes correspondem e nunca
corresponderão nem um pouco. Há inúmeros desses casos por aí. Mas
não é dessa paixão que vou tratar.
É
de uma que também me empolga e da qual, sejam quais forem as
circunstâncias, jamais abrirei mão: a da Literatura. A do mundo das
letras e das ideias. A que tenho pela leitura e, por consequência,
pela escrita. Vocês, que me acompanham fielmente nesta trajetória,
certamente a compartilham comigo. Afinal, ela contagia. Mas é um
contágio benigno, útil, desejável e compensador.
O
Brasil (e, por extensão, o mundo) perdeu, há oito anos,r um dos
maiores apaixonados por livros que já tive a oportunidade de
conhecer. José Mindlin, o maior bibliófilo brasileiro, morreu, em
28 de fevereiro de 2010, aos 95 anos de idade, em São Paulo.
Ao
longo da vida, esse homem culto e de bom gosto comprou por volta de
40 mil livros, a maioria dos quais preciosidades, não só pela
raridade (e, portanto, com imenso valor histórico), mas, e
sobretudo, pelo conteúdo.
Foi,
sem dúvida, sujeito de bom gosto e vencedor por qualquer aspecto que
se encare a palavra “vitória”. Mindlin era filho de imigrantes
ucranianos (de ascendência eslava, como eu, que sou filho de
russos), que vieram para o Brasil tentar a sorte no Novo Mundo,
repleto de desafios, mas também de oportunidades.
Como
empresário, destacou-se pelo tirocínio no comando da sua empresa, a
Metal Leve, conceituada indústria de autopeças. Mas o que o
destacou na sociedade e projetou-o em todo o Brasil, tornando-o
figura ímpar, conhecidíssima (e admirada) do público, foi uma
paixão. Ou seja, seu profundo amor pelos livros.
Por
isso, a Academia Brasileira de Letras inovou e fez o que até então
nenhuma congênere havia feito (e não tenho notícia de que qualquer
outra, em qualquer tempo, o fez). Embora José Mindlin nunca tenha
publicado um só livro (se escreveu algum, ou não, que tenha
permanecido inédito, não se sabe) recebeu-o, de braços abertos,
pelo voto da maioria dos acadêmicos, no ano de 2006, para ocupar uma
das suas cadeiras. E foi, justamente, a de número 29, que
anteriormente havia sido ocupada por um dos seus ex-presidentes,
ninguém menos que o consagrado escritor Josué Montelo (do qual
sempre fui fidelíssimo leitor), autor do romance “Os tambores de
São Luís”, entre tantas obras notáveis. Nada mais justo,
convenhamos.
Felizmente,
sua preciosa, inestimável e rica biblioteca não correu qualquer
risco de se dispersar, se deteriorar, se avariar ou se perder. Não
aconteceu com ela o que ocorreu com outras tantas, de vários
intelectuais, vendidas por míseros tostões por herdeiros imbecis
como “papéis velhos”, com algumas das preciosidades
transacionadas a “quilos” para e por sebos e outras, nem isso.
A
de José Mindlin, todavia, foi preservada total e integralmente. Ele,
inteligentemente (e quem lê tanto e nutre tamanha paixão por livros
só pode ser inteligente, e mais do que isso, genial), doou-a, em
2006, à Universidade de São Paulo, onde anos antes havia estudado e
se formado em Direito. E a USP, fazendo jus ao prestígio que goza,
soube valorizar devidamente esse riquíssimo acervo, esse patrimônio
cultural sem preço (como eu gostaria que fosse meu!!!!). Há já
algum tempo, cada livro da biblioteca de José Mindlin vem sendo
digitalizado, para que, em breve, nós, internautas, ávidos por boa
literatura, tenhamos acesso a essa incomparável riqueza intelectual.
Esta,
como se vê (e se exagerei, foi para menos) uma admirável,
admirabilíssima e saudável paixão. Que ela nos contagie e se
espalhe, como “pandemia”, por todo o País, fazendo do Brasil um
lugar cada vez melhor (já é ótimo em uma infinidade de aspectos,
embora seja péssimo em tantos outros!) para se estudar, trabalhar e
viver.
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