Sina de campeão
“Por Pedro J. Bondaczuk
Os
ingleses sempre foram “campeões” quando se trata de escrever
novelas, romances e contos de suspense, envolvendo crimes e
investigações, embora o criador do gênero (genial e assustador)
tenha sido o norte-americano Edgar Alan Poe. Para dirimir qualquer
dúvida a respeito – se é que alguém duvide ou questione –
basta citar, apenas, os dois maiores expoentes nesse tipo de
literatura: Arthur Conan Doyle, com sua famosa dupla de personagens
Sherlock Holmes e Dr. Watson; e Agatha Christie, notadamente com o
incrível e enigmático inspetor belga Hercules Poirot.
Para
alguns, Robert Louis Stevenson, ao escrever esse intrigante “O
médico e o monstro”, inquestionável best-seller, se insere também
como autor desse gênero. É caso para se discutir. O fato é que os
ingleses têm um faro apurado para criar e escrever essa espécie de
história.
Essa
longa introdução – que em jornalismo recebe a curiosa denominação
de “nariz de cera” – destina-se a falar sobre um outro escritor
de suspense, como os citados, oriundo, logicamente, das ilhas
britânicas. Trata-se de Dick Francis, pseudônimo literário de
Richard Stanley Francis que, de 1957 para cá, brindou os fanáticos
por este tipo de literatura (entre os quais, confesso, me incluo),
com 42 romances, todos campeões de vendas. Ganhou, portanto, fortuna
com o gênero.
O
sujeito soube, como ninguém, explorar o gosto e a fidelidade do seu
público por histórias de crimes misteriosos, com as respectivas e
engenhosas soluções. “Soube” é bem o termo apropriado para o
seu caso, pois não sabe mais. “Por que sofreu súbita amnésia?”,
perguntará o leitor, intrigando com afirmação tão peremptória.
Não! Dick Francis morreu, em 13 de fevereiro de 2010, aos 89 anos de
idade.
Se
alguém lhe dissesse, antes de 1957, que viria a se tornar sucessor
de Agatha Christie, nosso personagem talvez risse, com incredulidade,
desse tal “profeta”. Mas... as rodas da fortuna dão muitas
voltas e nunca sabemos onde possam parar. Esclareça-se que Dick era,
na ocasião, um dos mais consagrados jóqueis da Grã-Bretanha,
verdadeiro mito na arte de cavalgar. Tanto que não era segredo para
ninguém que era o preferido, o “queridinho” da Rainha Mãe,
notória apreciadora do turfe.
Nos
hipódromos, venceu mais de 350 corridas, o que, convenhamos, não é
para qualquer um. O sujeito tem que ser não apenas bom, mas
excelente, para uma performance de tamanha envergadura. E Dick era.
Mas ele não começou, de cara, escrevendo histórias policiais de
suspense. Seu primeiro livro foi uma autobiografia, intitulada “The
sport of Queens” (“O esporte das rainhas”).
A
rigor, mesmo depois de se transformar no escritor consagrado e genial
que passou a ser até a morte, ele nunca se desligou das corridas de
cavalo. Até janeiro de 2010, e por 16 anos consecutivos, foi o
jornalista hípico mais lido do Reino Unido, com coluna no
prestigioso periódico londrino “Sunday Express”. Afinal, era o
único que já estivera numa pista e, mais do que isso, vencera
corridas e mais corridas. Sabia, pois, do que estava tratando.
Seu
sucesso como romancista confirmou uma convicção que tenho há anos
e que nada e ninguém conseguiram abalar. A de que, quem tem talento
inato para as letras, aquilo que chamam, eufemisticamente de vocação,
por mais que evite a literatura, por achar que se trate de atividade
de baixa (e às vezes nenhuma) remuneração, por mais que se
destaque em outra profissão, que lhe renda fortunas quem sabe, mais
cedo ou mais tarde, até por instinto, acaba por desembocar nela. E,
se for bom (como Dick Francis mostrou ser), em três tempos será
alçado ao estrelato.
Os
dois livros desse jóquei/redator mais conhecidos no Brasil são:
“Quem não se arrisca não vive” e “Mão de chicote”. Outros
dez ou doze, todavia, também tiveram vendas bastante expressivas. E,
agora que morreu, com certeza venderão muito mais. É sempre assim.
Para as editoras, não raro, somos mais valiosos depois de mortos do
que em vida. Mas a obra inteira de Dick Francis é, não somente
caudalosa (publicar 42 romances não é para qualquer um), mas
coerente, sólida e original.
Em
suma (como se diz no popular), esse sujeito nasceu “com o bum-bum
virado para a lua”. Ou seja, com sina de campeão. E nas duas
atividades que exerceu: tanto nas pistas dos principais hipódromos
da Europa, quanto nas milhões de livrarias mundo afora.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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