Marx nas bancas, quem diria!
* Por Amilcar Neves
Passei segunda-feira numa banca de jornais na Trindade e comprei uma edição encadernada de Marx, O Capital. Simples assim: passar na banca, pegar o livro maldito, pagar R$ 17,90 e sair com ele debaixo do braço, sem embrulhar nem enfiar num saco plástico. Simples e inofensivo.
Mas houve época, neste País, em que Karl Marx era palavrão dos mais horrendos. Dava cadeia. Sem metáfora: dava cana apenas citar Marx. Ou falar do marxismo, discutir o comunismo, defender o socialismo ou, simplesmente, ler O Capital. Ou melhor: ter O Capital em casa. Sair com ele à rua tornava a empreitada uma operação de alto risco, uma temeridade, uma irresponsabilidade, um desafio imprudente à ditadura que campeava por estas terras - e também, depois, por terras vizinhas.
Bananas, por exemplo, o quarto filme dirigido por Woody Allen, coisa lá de 1971, só pude assistir no Uruguai, ainda democrático, porque no Brasil foi proibido pelos militares. Conforme a Wikipédia, "Fielding Mellish (Woody Allen) vai para San Marcos, uma republiqueta na América Central, e lá se une aos rebeldes e, no final das contas, se torna o presidente do país". O fator subversivo no filme, para a nossa censura oficial, é que Allen usa barba e veste-se como Fidel, Che e o pessoal de Cuba que... derrubou uma ditadura apoiada pelo governo dos Estados Unidos – ou seja, seu personagem é um perigoso marxista em potencial.
Nesse aspecto, livros, filmes, canções, jornais, peças de teatro e quaisquer manifestações culturais que discutissem a realidade eram colocados lado a lado com revistas como Status e Playboy: estas somente poderiam circular se, nas fotos, os mamilos das mocinhas fossem borrados, mostrados sem nitidez – além de não poderem aparecer dois bicos de seio na mesma foto. Tudo para respeitar a tradição de um povo que nunca falava em sexo e, se o praticava, só o fazia no escuro da sua privacidade, e para defender a família brasileira, a "célula-mater da sociedade", como gostavam de dizer, violentamente ameaçada pelo comunismo internacional.
Depois, como a situação política foi se deteriorando (do ponto de vista da ditadura), as revistas de mulher pelada foram sendo liberadas até o inimaginável nu frontal – para distrair as massas, ocupando-as a fim de não criticarem o governo.
Marx e as manifestações artísticas hostis, entretanto, continuaram censurados.
• Escritor, engenheiro e professor universitário de Tubarão/SC
Passei segunda-feira numa banca de jornais na Trindade e comprei uma edição encadernada de Marx, O Capital. Simples assim: passar na banca, pegar o livro maldito, pagar R$ 17,90 e sair com ele debaixo do braço, sem embrulhar nem enfiar num saco plástico. Simples e inofensivo.
Mas houve época, neste País, em que Karl Marx era palavrão dos mais horrendos. Dava cadeia. Sem metáfora: dava cana apenas citar Marx. Ou falar do marxismo, discutir o comunismo, defender o socialismo ou, simplesmente, ler O Capital. Ou melhor: ter O Capital em casa. Sair com ele à rua tornava a empreitada uma operação de alto risco, uma temeridade, uma irresponsabilidade, um desafio imprudente à ditadura que campeava por estas terras - e também, depois, por terras vizinhas.
Bananas, por exemplo, o quarto filme dirigido por Woody Allen, coisa lá de 1971, só pude assistir no Uruguai, ainda democrático, porque no Brasil foi proibido pelos militares. Conforme a Wikipédia, "Fielding Mellish (Woody Allen) vai para San Marcos, uma republiqueta na América Central, e lá se une aos rebeldes e, no final das contas, se torna o presidente do país". O fator subversivo no filme, para a nossa censura oficial, é que Allen usa barba e veste-se como Fidel, Che e o pessoal de Cuba que... derrubou uma ditadura apoiada pelo governo dos Estados Unidos – ou seja, seu personagem é um perigoso marxista em potencial.
Nesse aspecto, livros, filmes, canções, jornais, peças de teatro e quaisquer manifestações culturais que discutissem a realidade eram colocados lado a lado com revistas como Status e Playboy: estas somente poderiam circular se, nas fotos, os mamilos das mocinhas fossem borrados, mostrados sem nitidez – além de não poderem aparecer dois bicos de seio na mesma foto. Tudo para respeitar a tradição de um povo que nunca falava em sexo e, se o praticava, só o fazia no escuro da sua privacidade, e para defender a família brasileira, a "célula-mater da sociedade", como gostavam de dizer, violentamente ameaçada pelo comunismo internacional.
Depois, como a situação política foi se deteriorando (do ponto de vista da ditadura), as revistas de mulher pelada foram sendo liberadas até o inimaginável nu frontal – para distrair as massas, ocupando-as a fim de não criticarem o governo.
Marx e as manifestações artísticas hostis, entretanto, continuaram censurados.
• Escritor, engenheiro e professor universitário de Tubarão/SC
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