Sensação de ter sido
enganado
O
sucesso e o fracasso, ambos bastante relativos, não dependem tanto
de nós, como somos tentados a achar. Claro que temos que fazer a
nossa parte, sem a qual não teremos a mínima chance de sermos
bem-sucedidos no que quer que seja. Devemos nos aplicar aos estudos,
nos esmerar em adquirir (e exercitar) virtudes, colecionar valores
(testados e aprovados pelo tempo), ser solidários e participativos,
amar o trabalho e nos tornarmos os melhores possíveis nas profissões
que viermos a exercer.
Mas
somente isso basta para termos sucesso na vida? Esse esforço, essa
aplicação, essa sabedoria de conduta são suficientes para
chegarmos às metas que traçarmos? São garantias absolutas de
êxito? Claro que não! Dependemos, sempre e sempre, de algo que o
filósofo José Ortega y Gasset chama de “circunstâncias” (e
que, da minha parte, denomino de “acaso”).
Raras
são as pessoas que, em determinado momento de suas vidas, não se
sentem logradas, decepcionadas com os resultados que alcançaram, por
maior que estes possam ser. Ou seja, sentem-se enganadas. Claro que
nem todos saem apregoando isso aos quatro ventos. Muitos têm essa
sensação e sequer sabem defini-la, expressá-la e, principalmente,
verbalizá-la. Guardam consigo e ficam remoendo essa amargura do
fracasso enquanto vivam.
Há
os que se sentem completos derrotados e não mostram a menor vontade
de reação. Outros tantos lançam todas as culpas de seus insucessos
sobre terceiros e nunca assumem seus erros. Todavia, a atitude mais
sábia é a de se analisar o que se fez, detectar onde se errou,
definir o quanto o acaso influenciou nos tropeços que ocorreram e
tocar a vida para a frente, na tentativa de reversão. Enquanto se
está vivo, tudo, absolutamente tudo, é possível.
O
mesmo acaso que nos surpreendeu, e nos derrubou, pode nos
proporcionar êxitos que nunca cogitamos. Afinal, ele não acontece,
somente, para o mal. Ocorre que quase sempre consideramos
(erroneamente) nossas vitórias como ocorrências naturais,
consequências exclusivas das nossas ações, sem qualquer
intervenção das circunstâncias. Todavia, estas atuam mais,
exatamente, em nossos sucessos, determinando-os de vez, do que em
nossas derrotas.
Há
muitos que, analisando suas trajetórias de vida e constatando o que
hoje são, têm profunda sensação de fracasso, mesmo que aos olhos
alheios sejam encarados como bem-sucedidos. Há, por exemplo, os que
pretendiam seguir determinada profissão, para a qual se prepararam
com afinco (no meu caso, sempre sonhei em ser médico), mas que
acabaram em outra atividade, totalmente diferente da pretendida
(acabei parando no jornalismo). Ressalto, porém, que, da minha
parte, não me sinto fracassado por isso. Um pouquinho frustrado,
talvez.
Há
quem tenha sonhado constituir família com uma parceira ideal que,
além de bela, fosse compreensiva e, sobretudo, companheira. No
entanto, acabaram se juntando a uma mulher caprichosa, resmungona,
exigente, dominadora, quando não infiel. Sentem-se enganados por
isso, principalmente quando se lembram das tantas namoradas que
tiveram, com o perfil ideal, e concluem que escolheram exatamente a
mais inadequada. Por que? Não sabem responder.
Outros
tantos surpreendem-se com sua visão negativa do mundo, e não
compreendem como e porque mudaram tanto e deixaram os ideais e sonhos
da juventude pelo caminho. Até nisso sentem-se logrados, como
ademais também se sentem sobre o seu caráter, seus procedimentos,
suas relações, seu status etc. etc. Etc.
Alguns,
poucos, após essa revisão, mudam de rumo, saem em busca de seus
sonhos e se realizam. A maioria, porém, assume de vez a condição
de perdedora e tem uma velhice amarga e curta. Sua amargura e
autodepreciação lhes abreviam a vida. O pior é que essas pessoas
não encontram, em nenhum lugar, qualquer explicação para as coisas
terem ocorrido como ocorreram e não da maneira ideal, como haviam
planejado. Provavelmente, isso seja inexplicável.
No
meu caso, confesso, não me sinto frustrado pelas mudanças de rumo
que ocorreram ao longo dos anos. Não, pelo menos, o tempo todo.
Claro que há ocasiões em que me sinto enganado. Contudo, as
circunstâncias jogaram em meu colo vitórias que, provavelmente, não
obteria se as coisas ocorressem exatamente como eu planejava.
No
caso da profissão, por exemplo, sinto-me plenamente realizado, ao
cabo de meio século de carreira como jornalista. Quem me garante que
eu seria um bom médico? Quanto à esposa... o acaso outorgou-me uma
companheirona, que é minha “cúmplice” há já quase meio
século, e que não trocaria por nenhuma outra mulher no mundo.
Por
isso, sinto-me gratíssimo à vida por tudo o que ela me
proporcionou. Poderia ser melhor? Claro que sim! Mas, provavelmente,
escapei (por acaso) de algo muitíssimo pior. Sou, pois, um
privilegiado. Na comparação entre logros e ótimas surpresas, o
saldo, felizmente, é positivo. Por isso faço minhas as palavras do
escritor argentino, Adolfo Bioy Casares, quando escreveu: “Se
pudesse viver quinhentos anos aceitaria e pediria: não pode me dar
mais alguns?”. E você, paciente leitor, aceitaria viver tanto?
Boa
leitura!
O
Editor.
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