quarta-feira, 4 de julho de 2018

Editorial - Quando a fama torna-se obsessão


Quando a fama torna-se obsessão


As pessoas – entra geração, sai geração – pouco ou nada mudam no que se refere aos comportamentos básicos na vida em sociedade. Por exemplo, não há quem não sonhe, mesmo que jamais revele a ninguém e até mesmo negue, em ser famoso algum dia. Os mais esclarecidos até sabem que a fama, mesmo que fundamentada em méritos reais e em obras consistentes, é passageira, como um raio numa tempestade, mas acreditam que com eles, por algum motivo que só eles sabem (ou julgam saber), as coisas serão diferentes. Claro que, embora eu escreva a respeito na terceira pessoa, também me incluo no rol desses sonhadores.

Tais indivíduos estão convictos, secretamente, que seus livros serão lidos até o fim dos tempos, se forem escritores. Ou que os quadros que pintaram irão embasbacar apreciadores de artes do ano 3011 ou, quiçá, 5011, se artistas plásticos. Ou que as esculturas que fizeram serão tidas por parâmetros de perfeição, se escultores. Ou que os recordes que estabeleceram jamais serão quebrados, se atletas. Ou que os gols que marcaram nunca serão igualados, se jogadores de futebol. Ou que as canções que compuseram serão admiradas e cantadas para “sempre”, se compositores etc.etc.etc. Enfim, tendem a achar, íntima e secretamente, que sua fama irá perdurar por séculos, por milênios, até pela eternidade afora. Não irá, claro, (e isso se o tal sonhador chegar, por qualquer razão ou mérito, a ser minimamente famoso. A imensa maioria jamais chega).

Nós temos obsessão pela fama. Caso não levemos as coisas às últimas consequências (e raramente não levamos), essa ambição pelo reconhecimento, mesmo que frustrada (geralmente é), não irá nos gerar maiores problemas. Sentir-nos-emos decepcionados, provavelmente até injustiçados, mas tocaremos nossas vidas. Pior é quando o sujeito se torna famoso e, num piscar de olhos, cai no ostracismo.

Quando o livro que um dia esgotou edições, por exemplo, deixa de ser lido e comentado e vai parar em um sebo ou algo pior, em um depósito como papel velho a ser reciclado. Ou quando as telas, que atraíram multidões nas galerias durante exposições e obtiveram imensas cotações se desvalorizam e passam a ser consideradas ultrapassadas e são descartadas pelos que as adquiriram. Ou quando as esculturas feitas para durar para sempre um dia são retiradas das praças em que estavam e vão parar em depósitos de tralhas. Ou quando os recordes estabelecidos com ingentes sacrifícios são batidos por dezenas de outros atletas mais aptos. Ou quando os gols marcados são esquecidos por não terem o mínimo registro de imagem. Ou quando as canções que embalaram toda uma geração passem a ser consideradas como velharias sem nenhum valor etc.etc.etc.

Esse é o caminho natural da fama, ou, mais especificamente, do fim dela. Há quem argumente que deseja ser famoso não por vaidade, mas por razões eminentemente práticas: para vender livros, telas, esculturas e composições. Ou para obter patrocínios. Ou para firmar vantajosos contratos com clubes milionários. Tudo isso até que faz certo sentido, mesmo que não condiga com a verdade. Artistas ou desportistas desconhecidos acabam fracassando, por falta de um mínimo estímulo, principalmente o financeiro. É impossível dizer, com segurança, todavia, se essas alegações são verdadeiras ou não. Acredito que não. Não há pessoa que não se empolgue com elogios, bajulações, homenagens as mais variadas e com o lado supostamente bom da fama: dinheiro, muito dinheiro. Esse tipo de indiferença, convenhamos, não é um comportamento normal.

Bilhões de pessoas, que viveram no passado, já quiseram a mesma coisa que nós queremos hoje. Outras tantas ainda a querem. Dessas, milhões querem obsessivamente. Milhares irão conseguir, para, em seguida, se frustrar. A concorrência é imensa! Seja qual for nosso feito, o que nos tornou relativamente famosos, a probabilidade dele ser superado algum dia é imensa. E, quando menos esperarmos... eis-nos despencando no abismo do ostracismo e da frustração.

Até quem vive à margem da sociedade ambiciona ser famoso de alguma maneira. Conheci, por exemplo, perigosos bandidos, presos várias vezes por inúmeros delitos, que fugiram da cadeia e se tornaram fugitivos da justiça, que colecionavam recortes de jornais narrando suas peripécias, ou seja, suas atividades delituosas. Não é raro (pelo contrário, é muito comum), topar com rematados vagabundos, protótipos do fracasso, alcoólatras, viciados em drogas e miseráveis, sentindo-se “reis” por sua “valentia”, ou seja, julgando-se “especiais” por serem (ou se acharem) os valentões do pedaço. Isso, até que deem de cara com outros, da sua laia, com a mesmíssima obsessão, que lhes derrube o topete, até terem o próprio também derrubado e, assim, sucessivamente.
Fama, fama, fama é uma espécie de mantra, na maioria das vezes secreto, das pessoas de todos os tempos e de todos os graus de cultura e condições econômicas e sociais. A tal ponto que se tornou praticamente clichê a afirmação feita, em certa ocasião, pelo artista pop norte-americano, Andy Warhol, que sentenciou: “No futuro, todo mundo será famoso por 15 minutos”. Exagero dele, claro! Mas sua citação pegou. Todavia, o próprio autor dessa afirmação sentiu na carne um dos lados ruins da fama (há inúmeros deles). Alguns anos antes de morrer, Warhol declarou, após haver sofrido um atentado a bala, numa entrevista: “Acho que ser famoso não é realmente muito importante. Se eu não fosse famoso, não teria levado uns tiros por ser Andy Warhol. Talvez tivesse levado uns tiros por estar no exército. Ou talvez fosse um professor bem gordo”.

A filósofa Hannah Arendt (que também já foi muito famosa quando viva e que hoje é citada, apenas, ocasionalmente, nos meios acadêmicos), afirmou a esse propósito: “Nada mais efêmero em nosso mundo, nada de mais precário que esta forma de conquista conferida pelo renome. Nada ocorre com tanta rapidez e facilidade do que o esquecimento”.

Vocês já pararam para pensar quantos escritores, filósofos, generais, reis, gladiadores, desportistas diversos, artistas de todas as artes etc. etc.etc. do passado, famosíssimos no seu tempo, foram esquecidos e dos quais não restou o menor vestígio de que sequer existiram? Até reinos inteiros caíram no total esquecimento, alguns dos quais, vira e mexe, são desenterrados por algum arqueólogo.

Sei que esta é uma amarga reflexão, mas, creiam-me, é rigorosamente verdadeira. O padre Antonio Vieira, em memorável sermão proferido na Capela Real, em Lisboa, num domingo qualquer de 1657, advertiu a respeito: “Sonhastes no último quarto da noite, quando as representações da fantasia são menos confusas, que possuíeis grandes riquezas, que gozáveis grandes delícias e que estáveis levantado a grandes dignidades; e quando depois acordastes, vistes com os olhos abertos, que tudo era nada? Pois assim passam a ser nada em um abrir de olhos todas as aparências deste mundo”.

Boa leitura!

O Editor.


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