quinta-feira, 12 de julho de 2018

Realidade hedionda - Pedro J. Bondaczuk


Realidade hedionda

* Por Pedro J. Bondaczuk

A realidade nua e crua, sem nenhum toque de esperança, de sonhos e de fantasias, é cruel, insuportável, horrível e hedionda. Ninguém, por mais forte que seja, a suporta. Encará-la, a seco, sem subterfúgios, é o mesmo que olhar de frente para o sol sem nenhuma espécie de proteção. Se o fizermos, certamente ficaremos cegos.

Pessimismo? Não, caro leitor! Raciocine comigo. Quer coisa mais cruel do que o fato de estarmos conscientes da nossa efemeridade, tendo, como única certeza (e única mesmo), o fato de que um dia haveremos de morrer, sem que sequer se saiba quando? Além do mais, desconhecemos se tudo acabará com a nossa extinção física, ou se haverá outra espécie de vida, melhor do que essa, de eterno e perene gozo. E se não houver? E, pior, se houver algo até mais sofrível do que isto que conhecemos? Ninguém sabe.

Muitos acalentam a fé de que a “alma” sobrevive à morte do corpo e num estado de eterna bem-aventurança. Mas certeza, certeza mesmo, baseada em fatos, em dados concretos, ninguém nunca teve, tem ou jamais terá. Esta é a maior das realidades, a nua e crua. Ou seja, o desconhecimento do “depois”. E se pensarmos nela, por muito tempo, os efeitos sobre a nossa mente serão imprevisíveis, mas, certamente danosos.

Daí nossa necessidade vital, como a do ar, da água e dos alimentos, de sonhos, de fantasias, das artes, dos ideais e das ilusões. Quanto ao fato de ser pessimista ou não, confesso que sou otimista até demais, face ao que conheço, vejo, leio ou ouço.

Escrevo, amiúde, sobre a necessidade que temos de aproveitar ao máximo nosso tempo, nosso maior (e provavelmente o mais palpável e valioso) capital e, não raro, sou mal
interpretado. A culpa, possivelmente, é minha, por não ser mais direto, claro e objetivo. Não defendo que sejamos como robôs, programados “apenas” para o trabalho, cuja obsessão seja produzir, a cada segundo da nossa vida, obras, concretas ou abstratas (não importa), para assegurar a perpetuidade da nossa memória gerações afora.

O que ressalto (talvez não com a ênfase e a clareza pretendidas) é a necessidade de moderação em cada passo que dermos. Sei que é difícil (mas entendo que não seja impossível) achar a dose certa de trabalho, de descanso, de lazer, de estudo e das demais atividades, sejam de que natureza forem. Mas não devemos e não podemos exagerar em nada. Talvez o único exagero admissível seja o de amor, mas este, raras pessoas cometem.

Quanto ao otimismo, ouvi, tempos atrás, uma afirmação que considero lúcida e pertinente a respeito. Foi de Eduardo Galeano, no programa “Encontros para a História”, do canal a cabo Sportv, que contou com a participação do jogador de futebol Reinaldo, ex-centroavante e ídolo do Atlético Mineiro (cuja torcida o chamava de “Rei”) e da Seleção Brasileira. O escritor uruguaio disse, na oportunidade: “Ninguém consegue ser otimista nas 24 horas do dia. Meu otimismo varia. Tenho-o, por exemplo, das dez da manhã ao meio-dia. Fico pessimista das duas às quatro. Volto a ficar otimista das sete às dez, e assim por diante”. Também sou assim. Creio que, em certa medida, todos o sejam.

Nessa questão, portanto, entra, também, em jogo a moderação. Otimismo exagerado passa longe do realismo: é pura alienação. O mesmo vale para o pessimismo, cujo sentimento é ainda pior, pois produz estragos imensos (não raro, irreversíveis) na alma e pode levar uma pessoa, até, a dar cabo da vida.

Busco colorir meu cotidiano com todas as cores possíveis. Disso ninguém pode me impedir. Tento preenchê-lo com sons harmoniosos e ternos, para contrapor aos estrondos, explosões, roncos de motores e gritos de angústia, de ira e de dor ao meu redor. É algo que também me é acessível. Procuro beber e comer o que me satisfaça o paladar e, simultaneamente, me dê energias e saúde. É possível se alimentar corretamente e gozar das satisfações do paladar ao mesmo tempo. Satisfaço, por fim, na medida do possível, todos os meus apetites animais, principalmente o de sexo. Isto, afinal, é viver.

Sem fugir, por completo, da realidade (que, reitero, é hedionda), tempero-a com os ingredientes especialíssimos dos mais ousados sonhos, mas sem perder de vista a sua real natureza abstrata. Tento, sim, trazer os pés bem firmes no solo do real. Mas reservo, em meu cotidiano, momentos para dar asas à fantasia, para viajar para mundos distantes, talvez existentes apenas na minha imaginação e sentir-me, dessa forma, livre e independente, mesmo que essa liberdade e essa independência sejam, apenas, virtuais. É isto, no meu conceito, que é viver.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk


Um comentário:

  1. Sobre a vida, viver tudo intensamente, ainda que existam dias sombrios e sem energia. Quanto à morte, melhor viver sem pensar nela, como se nunca fôssemos morrer.

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