Realidade hedionda
* Por Pedro J. Bondaczuk
A
realidade nua e crua, sem nenhum toque de esperança, de sonhos e de
fantasias, é cruel, insuportável, horrível e hedionda. Ninguém,
por mais forte que seja, a suporta. Encará-la, a seco, sem
subterfúgios, é o mesmo que olhar de frente para o sol sem nenhuma
espécie de proteção. Se o fizermos, certamente ficaremos cegos.
Pessimismo?
Não, caro leitor! Raciocine comigo. Quer coisa mais cruel do que o
fato de estarmos conscientes da nossa efemeridade, tendo, como única
certeza (e única mesmo), o fato de que um dia haveremos de morrer,
sem que sequer se saiba quando? Além do mais, desconhecemos se tudo
acabará com a nossa extinção física, ou se haverá outra espécie
de vida, melhor do que essa, de eterno e perene gozo. E se não
houver? E, pior, se houver algo até mais sofrível do que isto que
conhecemos? Ninguém sabe.
Muitos
acalentam a fé de que a “alma” sobrevive à morte do corpo e num
estado de eterna bem-aventurança. Mas certeza, certeza mesmo,
baseada em fatos, em dados concretos, ninguém nunca teve, tem ou
jamais terá. Esta é a maior das realidades, a nua e crua. Ou seja,
o desconhecimento do “depois”. E se pensarmos nela, por muito
tempo, os efeitos sobre a nossa mente serão imprevisíveis, mas,
certamente danosos.
Daí
nossa necessidade vital, como a do ar, da água e dos alimentos, de
sonhos, de fantasias, das artes, dos ideais e das ilusões. Quanto ao
fato de ser pessimista ou não, confesso que sou otimista até
demais, face ao que conheço, vejo, leio ou ouço.
Escrevo,
amiúde, sobre a necessidade que temos de aproveitar ao máximo nosso
tempo, nosso maior (e provavelmente o mais palpável e valioso)
capital e, não raro, sou mal
interpretado.
A culpa, possivelmente, é minha, por não ser mais direto, claro e
objetivo. Não defendo que sejamos como robôs, programados “apenas”
para o trabalho, cuja obsessão seja produzir, a cada segundo da
nossa vida, obras, concretas ou abstratas (não importa), para
assegurar a perpetuidade da nossa memória gerações afora.
O
que ressalto (talvez não com a ênfase e a clareza pretendidas) é a
necessidade de moderação em cada passo que dermos. Sei que é
difícil (mas entendo que não seja impossível) achar a dose certa
de trabalho, de descanso, de lazer, de estudo e das demais
atividades, sejam de que natureza forem. Mas não devemos e não
podemos exagerar em nada. Talvez o único exagero admissível seja o
de amor, mas este, raras pessoas cometem.
Quanto
ao otimismo, ouvi, tempos atrás, uma afirmação que considero
lúcida e pertinente a respeito. Foi de Eduardo Galeano, no programa
“Encontros para a História”, do canal a cabo Sportv, que contou
com a participação do jogador de futebol Reinaldo, ex-centroavante
e ídolo do Atlético Mineiro (cuja torcida o chamava de “Rei”) e
da Seleção Brasileira. O escritor uruguaio disse, na oportunidade:
“Ninguém consegue ser otimista nas 24 horas do dia. Meu otimismo
varia. Tenho-o, por exemplo, das dez da manhã ao meio-dia. Fico
pessimista das duas às quatro. Volto a ficar otimista das sete às
dez, e assim por diante”. Também sou assim. Creio que, em certa
medida, todos o sejam.
Nessa
questão, portanto, entra, também, em jogo a moderação. Otimismo
exagerado passa longe do realismo: é pura alienação. O mesmo vale
para o pessimismo, cujo sentimento é ainda pior, pois produz
estragos imensos (não raro, irreversíveis) na alma e pode levar uma
pessoa, até, a dar cabo da vida.
Busco
colorir meu cotidiano com todas as cores possíveis. Disso ninguém
pode me impedir. Tento preenchê-lo com sons harmoniosos e ternos,
para contrapor aos estrondos, explosões, roncos de motores e gritos
de angústia, de ira e de dor ao meu redor. É algo que também me é
acessível. Procuro beber e comer o que me satisfaça o paladar e,
simultaneamente, me dê energias e saúde. É possível se alimentar
corretamente e gozar das satisfações do paladar ao mesmo tempo.
Satisfaço, por fim, na medida do possível, todos os meus apetites
animais, principalmente o de sexo. Isto, afinal, é viver.
Sem
fugir, por completo, da realidade (que, reitero, é hedionda),
tempero-a com os ingredientes especialíssimos dos mais ousados
sonhos, mas sem perder de vista a sua real natureza abstrata. Tento,
sim, trazer os pés bem firmes no solo do real. Mas reservo, em meu
cotidiano, momentos para dar asas à fantasia, para viajar para
mundos distantes, talvez existentes apenas na minha imaginação e
sentir-me, dessa forma, livre e independente, mesmo que essa
liberdade e essa independência sejam, apenas, virtuais. É isto, no
meu conceito, que é viver.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Sobre a vida, viver tudo intensamente, ainda que existam dias sombrios e sem energia. Quanto à morte, melhor viver sem pensar nela, como se nunca fôssemos morrer.
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