quinta-feira, 12 de julho de 2018

Editorial - Muitas perguntas e uma impressão


Muitas perguntas e uma impressão



O que escrever?”. Foi com essa preocupação que despertei nesta manhã, ciente de que teria extensa pauta a cumprir, sem muito tempo para raciocinar. No que se refere a textos jornalísticos, não há problema. Basta ler com atenção o noticiário nos meios de comunicação e comentar aquele fato que minha sensibilidade e intuição indicarem que é o mais relevante do dia. Esse é o procedimento padrão de comentaristas de jornal. Não há motivos, pois, para sair desse roteiro.

Mas... o que escrever neste espaço voltado para a literatura, e sem ser repetitivo, tendo em conta que a esta altura do ano já abordei 336 temas literários diferentes? Não se trata de falta de assunto. Trata-se de selecionar um, apenas um, mas que tenha potencial de prender a sua atenção. Ninguém, afinal, desperdiça tempo e fosfato para escrever o que não tem chance de ser lido por quem quer que seja. Ou cuja leitura seja feita de forma apressada, automática, sem atentar para o conteúdo.

O dilema persistiu por uns quinze minutos, ou pouco mais, enquanto fazia minha higiene pessoal e tomava o café da manhã (e só café mesmo, puro, forte e com pouco açúcar, sem comer nada, como é meu péssimo costume de já muitos anos). O que escrever? Essa era a pergunta que não queria calar e cuja resposta se tornava mais urgente, à medida que o tempo passasva.

Ao entrar em meu gabinete de trabalho, ainda não havia tomado uma decisão. Esclareço que esse tipo de relutância me é raro, posto que não inédito. Via de regra, decido o assunto a ser abordado na véspera. Não fiz isso, porém, ontem. Vai daí... Foi quando vi na escrivaninha, ao lado do computador, um livro que ganhei recentemente de um amigo, cuja leitura concluí sábado. Trata-se de “A sala de vidro”, de Simon Mawer, tradução de Julián Fucks, recente lançamento da Editora Record.

Mas, então, veio a principal questão. Como escrever a respeito de um autor sobre o qual conheço tão pouco? Ainda mais seguindo o meu roteiro habitual, de não resenhar as obras que abordo (nunca me ative a resenhas), mas comentar o que mais me chama a atenção no texto e, sobretudo, na vida de quem o redigiu?. Na realidade, conheço tão pouco a propósito de Simon Mawer (confesso, no caso, minha abissal ignorância)!

O que sei dele? Sei que nasceu na Inglaterra. Muito bem, já é um começo. Mas onde? Em Londres? No interior? Não tenho essa informação. E quando o escritor nasceu? Não sei! Portanto, desconheço (óbvio) sua idade. Seria isso relevante? Em alguns casos, sim, em outros não. O que mais sei a respeito de Mawer? Sei que passou parte da infância na Inglaterra e outra parte, em outras duas ilhas (em Chipre e em Malta). Não deixa de ser coincidência digna de nota essa sua, digamos, “insularidade”.

Outra coisa que sei a seu respeito é que a sua formação acadêmica é a de biólogo. Ah, isso explica o fato de dois de seus livros (um de ficção e outro de não-ficção) terem algo a ver com Biologia, Refiro-me ao romance “O anão de Mendel” e “Gregor Mendel: planting the seeds of genetics”, cuijo gênero desconheço, porque não o li e sequer foi traduzido para o português. Continuo achando que as informações que tenho de Simon Mawer ainda são insuficientes.

O que mais seis dele? Sei que reside na Itália. Relacionando os fatos, até entendo (ou pelo menos julgo entender) o que o levou a escrever o livro “A place in Italy”, que também não é de ficção. Não entendo como há tão escassa informação a propósito de um escritor de tanto sucesso na Europa e nos Estados Unidos. Afinal de contas, não é todo mundo, e não são todos os dias que alguém é finalista do renomado prêmio literário “Booker Prize”. E Mawer o foi, justamente com o livro que acabo de ler, “A sala de vidro”. Um outro romance seu, “A queda”, já havia sido premiado com o “Boardman Tasker Prize”. Como se vê, não é um escritor qualquer.

Além dos livros citados, escreveu, também: “A jealous God”, “A cruz amarga”, “Chimera”, “O Evangelho segundo Judas” e “Swimming to Ithaca”. Três dessas obras foram lançadas no Brasil. Pelos títulos, vocês deduzirão, facilmente, quais são.

E sobre A sala de vidro você não vai falar nada”?, certamente estará perguntando o impaciente leitor. Não, não vou. Apenas compartilho com vocês uma das tantas indagações que a leitura desse romance me suscitou: “por que, diabos, um biólogo se meteu a escrever sobre arquitetura? E mais, por que se propôs a esboçar um panorama histórico, abrangendo um período entre as duas guerras mundiais do século passado, através da trajetória de uma família judia? E mais, ainda; por que um biólogo britânico, travestido de escritor (e bom escritor) situou seu romance na antiga Checoslováquia, mais especificamente na cidade de Brno?”

A sala de vidro”, embora ficcional, é um precioso documento não apenas de uma época dramática, mas das delícias e agruras do casamento e cujo autor se preocupa com tantas outras coisas, como a arte, o Holocausto, o sexo, a solidão, o terror, a traição, a indignidade, a arquitetura e a música. Pois é, de pergunta em pergunta, consegui, pelo menos, chegar a uma conclusão. Aliás, a duas. A primeira é que Simon Mawer é excelente escritor, desses pelos quais a gente se apaixona à primeira leitura. A segunda, é que não preciso mais me preocupar sobre o que escrever.


Boa leitura

O Editor.


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