Inveja,
de onde vem, para onde vai?
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Por Mara Narciso
Inveja,
diz o Aurélio, é o desgosto ou o pesar pelo bem ou pela felicidade
de outrem. Os que disso padecem, não proclamam que sofrem em ver o
outro se dar bem. Chegam a dizer que sentem “inveja branca”, na
verdade uma mentira envolta em véu racista.
Nas
redes sociais, eximias vitrines produtoras de inveja, o que mais se
vê é a falsidade imperando em todos os quadrantes dos cinco
continentes, e dos sete mares. As pessoas admiram, veneram, seguem e
invejam a juventude, a beleza, as conquistas, a fama, o sucesso, a
inteligência, o dinheiro, o consumo de bens e serviços dos
bem-sucedidos mundo afora. Sem esquecer a coragem e a ousadia. Caso a
inveja não existisse e a intenção de provocá-la não surgisse na
outra ponta, as redes sociais seriam um deserto de gente e ideias o
tempo todo, e não apenas em dias especiais. Pra ninguém ver, pra
que mostrar?
O
mau-olhado seca pimenteira é feroz e pode matar. Pessoalmente fere,
mas virtualmente teria poder de fogo? Mesmo o cético afirma ser
verdade, e recorre ao sal grosso e ramos de arruda para se prevenir
da morte certa. O sorriso falso, o discurso envolvente, a voz
melosa, o chocalho hipnotizador de cobra cascavel fazem parte da
perfídia. Atente-se aos adulos verbais, suaves venenos, como a
flauta de Hamelin. Alguns desconfiam, mas continuam seguindo seus
chamados. Para tirar o quebranto, só reza brava, muita benzedura com
ramo, a chamada simpatia, aquele ritual para curar uma enfermidade.
“Olhos
de cigana oblíqua e dissimulada”, Capitu seria assim, muitos são
assim, representam, e por isso enganam bem. Falsos, fingem ajudar, e,
na distração, puxam o tapete do incauto. Atuam como se servissem,
mas querem derrubar. Bafejam favores, como névoa enganadora, e,
inebriado por palavras doces, a vítima mal se dá conta do bote.
Caso ame a pessoa, não enxergará a verdade e poderá ter ódio de
quem queira lhe abrir os olhos. Bem depois, morrerá de raiva por ter
se deixado enganar. É humilhante ser chamado de coitado.
Quando
as palavras são excessivamente elogiosas, quem ouve sabe o
despropósito. O elogio sincero e desinteressado adoça o ego, e a
crítica, mesmo miúda, causa raiva. Alguns louvam sem desejar nada
em troca, mas os hipócritas se fingem virtuosos de forma
interesseira. Por outro lado, “se você quiser o reconhecimento
alheio pelos seus méritos, seja o primeiro a reconhecê-los”,
escreveu, recentemente, Pedro Bondaczuk. A modéstia excessiva também
compromete a valorização pessoal.
As
avaliações, em qualquer setor, mesmo quando verdadeiras, variam
muito, tanto em relação à qualidade quanto à quantidade. Erros
acontecem, e o reconhecimento do real valor poderá dar-se apenas
após perder algo ou alguém. Desde criança, sem perceber, as
pessoas participam de concorrida disputa, inicialmente, entre irmãos,
depois entre colegas, e nos diversos grupos que participam vida
afora. Chegar lá adiante em destaque depende da conjunção de
variáveis como sorte, acaso, esforço, estudo, dedicação, e estar
nos locais apropriados e no período certo, para fazer os contatos
adequados. Então sua vida poderá ser um sucesso ou um fracasso, já
que os fatores determinantes poderão estar fora da sua
governabilidade.
As
pessoas que mais elogiam, ou contraditoriamente atacam, costumam ser
as que mais invejam o objeto atacado. Na verdade, quer ser o
invejado, sem tirar nem por. O sentimento altera de tal forma o
invejoso, que, naquela de querer ser o outro, acaba de esquecendo que
“cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” (Dom de iludir
- Caetano Veloso). E por falar nisso, quem for invejoso, que levante
a mão!
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Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Muito bom, Mara. A ideia do mau-olhado virtual é ótima, daria um bom texto de humor! Abraços.
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