O êxtase dos êxtases
O
êxtase, esta suprema alegria, é um dos temas preferenciais de
vários escritores, entre os quais me incluo. Gosto de refletir a
respeito e de provocar polêmica, para dela tirar minhas conclusões.
Nem sempre, todavia, essa condição é entendida com correção. O
êxtase não advém, por exemplo, como supõem (e afirmam) alguns
pseudomísticos (na verdade masoquistas), através da mortificação,
do sacrifício, das privações ou da angústia. Não é encontrado
no mundo trágico das drogas, com seus pesadelos lúgubres, embora
exista um produto com este nome que promete irresponsavelmente
conduzir seus insensatos usuários ao "paraíso".
Dinheiro
algum é suficiente para comprar essa enorme felicidade. O êxtase é
a culminância de pequenas satisfações, quase nunca valorizadas,
que temos no dia a dia e que se somam até se transformar em algo
grandioso e inesquecível. É o gozo máximo, integral, envolvendo
pensamento e sentimento, corpo e alma, proporcionado pelo amor, na
sua melhor e correta acepção.
Leio,
na Wikipédia, que “êxtase, literalmente, quer dizer arrebatar,
desprender subitamente, elevar-se”. Leio mais, na mesma
enciclopédia eletrônica: “corresponde ao sentimento de prazer,
orgasmo ou encantamento divino, transe resultado da meditação”.
Há quem o compare ao estado hipnótico. De qualquer forma, é uma
condição especial e relativamente rara em nossa vida. Mas não tem
nada, absolutamente nada a ver com sofrimento, com mortificação e
com outras práticas doentias e malsãs.
Há
várias formas de amar, vocês, certamente, sabem disso e de sobejo.
Todavia, nenhuma tem maior grandeza e transcendência do que a que
envolve coração, corpo e alma. Há, por exemplo, o amor platônico.
Embora alguns psicólogos afirmem que é fruto de imaturidade (no que
discordo), não deixa de ser bom enquanto dure, posto que seja
parcial e, na maioria das vezes, unilateral, sem a devida
correspondência. Em casos extremos, leva-nos, também, ao êxtase.
Contudo, este é apenas psíquico e sem efeito duradouro.
Já
o amor carnal é delicioso. Contudo, satisfaz só o físico. Via de
regra se extingue, após a satisfação do instinto animal, deixando
nos parceiros um vazio e não raro repulsa de um pelo outro. Conduz
ao orgasmo, uma forma de êxtase (às vezes, contudo, só um dos
parceiros atinge esse clímax, frustrando a outra parte). Mas o amor
total, sem reservas ou restrições, ah! esse é um delírio!. Só é
possível, porém, de ser entendido por quem tem a ventura de
senti-lo com a devida correspondência. É o êxtase dos êxtases,
mesmo que de curta duração.
Ainda
quando acaba (muitas vezes isso acontece até à revelia dos
protagonistas) permanece vivo e intenso na lembrança. Torna-se
inesquecível, por se tratar do momento mais marcante de um homem e
de uma mulher. Edgar Morin nos lembra um fato óbvio, do qual nem
sempre nos damos conta: “O amor (certamente o que envolve coração,
corpo e alma) dá-nos o êxtase psíquico, e dá-nos o êxtase
físico”. É, portanto, completo.
O
êxtase do amor altera nossos parâmetros de medida do tempo e do
espaço. Faz com que nos sintamos, enquanto dura, eternos e
infinitos, a despeito da nossa real pequenez e efemeridade. Trata-se
de sensação mágica, única, indescritível, que os mais
competentes poetas não conseguem dar a mais pálida e aproximada
ideia de como de fato é, embora tentem, e tentem e tentem vida
afora.
Para
sabermos o que se sente nessa circunstância é imprescindível viver
essa experiência. Mas se quisermos descrever como foi, nossas
palavras soarão pequenas, pobres, miseráveis, indigentes. Florbela
Espanca, nos dois tercetos com que encerra o soneto “Versos de
orgulho”, nos dá pálida ideia, posto que com extrema beleza e
lirismo, de como é essa sensação:
“O
mundo? O que é o mundo, ó meu Amor?
O
jardim dos meus versos todo em flor…
A
seara dos teus beijos, pão bendito…
Meus
êxtases, meus sonhos, meus cansaços…
---
São os teus braços dentro dos meus braços,
Via
Láctea fechando o infinito”.
Há
quem ainda confunda paixão com amor. São coisas muito diferentes,
embora, à primeira vista, pareçam ser a mesma, principalmente
quando envolvem duas pessoas que sentem atração física uma pela
outra. Paixão é fogo, que logo se consome e se apaga, enquanto o
amor é luz, com brilho próprio, que permanece acesa, não raro, por
toda a vida. Morris West observou, no romance “Arlequim”:
“Apaixonar-se é coisa de crianças. Mas amar é como saborear o
melhor vinho...deixá-lo decantar lentamente, segurá-lo gentilmente,
saborear gole por gole. Não se cultiva uma grande vindima. É
preciso criá-la...”.
O
amor requer atenção integral e cultivo permanente. Mas o trabalho
que venha, eventualmente, a dar é mais do que compensador, pelas
delícias que proporciona. Só conhece a sua grandeza e
transcendência quem o sente ou um dia sentiu. Há quem,
equivocadamente, ache que o amor tem tempo fixo para acontecer. Que
após determinada idade – Qual? Quarenta anos? Cinquenta? Sessenta?
Oitenta? – se trate de inconveniência, de algo ridículo, de
“aberração”. Atitude aberrante, porém, é não senti-lo, seja
em que época for.
Nunca
é tarde para se amar. Aliás, é sempre cedo. Para o amor, não há
condicionantes e nem tempo determinado. Devemos usufruí-lo a cada
momento, a cada segundo (que pode ser nosso derradeiro) com empenho e
devoção, pondo na empreitada tudo o que somos e temos. Devemos ter
em mente que o tempo nunca para. Que cada segundo desperdiçado não
tem retorno e nos fará muita falta adiante. O amor não é adiável,
algo que se possa deixar para depois, para um futuro que nem sabemos
se teremos.
Embora
seja ideia incômoda, não podemos perder de vista o fato de que
somos mortais e transitórios. Por que se privar desse privilégio,
dessa bênção, dessa dádiva divina que nos adoça a existência? O
amor não deve ter limites e nem tem idade. O poeta francês,
Alphonse de Lamartine, nos exorta, nestes magníficos versos:
“Amemos!
Gozemos da hora fugitiva!
O
homem não tem porto,
o
tempo não tem praias;
corre
e nós passamos”.
Entendo
o amor apenas como um sentimento irrestrito, que envolva a totalidade
de um homem e uma mulher: corpo, alma, pensamentos, sentimentos,
ideais e tudo isso mutua e simultaneamente, sem nenhuma restrição
ou pudor. É verdade que a palavra designa muitas outras emoções, a
meu ver, de forma equivocada. Resumindo, podemos afirmar o seguinte.
Quando há apenas atração sexual entre dois parceiros, eles têm
desejo, mas não se amam. Saciada a vontade, resta o vazio, quando
não até repulsa entre ambos, até que voltem a se desejar
fisicamente (quando voltam).
O
simples afeto, sem atração carnal, é só amizade. A necessidade
irresistível de um pelo outro, mas com a ideia de que o sexo tira a
pureza do sentimento, é belo, é poético, mas não é amor. É
platonismo. O amor que conduz ao êxtase, ao arrebatamento, à
elevação é o que reúne tudo isso simultaneamente e muito mais. O
poeta português, Alexandre O’Neill, escreveu estes versos a
propósito:
“Na
nossa carne estamos
sem
destino, sem medo, sem pudor,
e
trocamos – somos um? Somos dois? –
espírito
e calor!
O
amor é o amor – e depois?”
Depois?
Depois mais, e mais, e mais amor... Enquanto vivermos.
Boa
leitura!
O
Editor.
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