sábado, 7 de julho de 2018

Editorial - O êxtase dos êxtases


O êxtase dos êxtases


O êxtase, esta suprema alegria, é um dos temas preferenciais de vários escritores, entre os quais me incluo. Gosto de refletir a respeito e de provocar polêmica, para dela tirar minhas conclusões. Nem sempre, todavia, essa condição é entendida com correção. O êxtase não advém, por exemplo, como supõem (e afirmam) alguns pseudomísticos (na verdade masoquistas), através da mortificação, do sacrifício, das privações ou da angústia. Não é encontrado no mundo trágico das drogas, com seus pesadelos lúgubres, embora exista um produto com este nome que promete irresponsavelmente conduzir seus insensatos usuários ao "paraíso".

Dinheiro algum é suficiente para comprar essa enorme felicidade. O êxtase é a culminância de pequenas satisfações, quase nunca valorizadas, que temos no dia a dia e que se somam até se transformar em algo grandioso e inesquecível. É o gozo máximo, integral, envolvendo pensamento e sentimento, corpo e alma, proporcionado pelo amor, na sua melhor e correta acepção.

Leio, na Wikipédia, que “êxtase, literalmente, quer dizer arrebatar, desprender subitamente, elevar-se”. Leio mais, na mesma enciclopédia eletrônica: “corresponde ao sentimento de prazer, orgasmo ou encantamento divino, transe resultado da meditação”. Há quem o compare ao estado hipnótico. De qualquer forma, é uma condição especial e relativamente rara em nossa vida. Mas não tem nada, absolutamente nada a ver com sofrimento, com mortificação e com outras práticas doentias e malsãs.

Há várias formas de amar, vocês, certamente, sabem disso e de sobejo. Todavia, nenhuma tem maior grandeza e transcendência do que a que envolve coração, corpo e alma. Há, por exemplo, o amor platônico. Embora alguns psicólogos afirmem que é fruto de imaturidade (no que discordo), não deixa de ser bom enquanto dure, posto que seja parcial e, na maioria das vezes, unilateral, sem a devida correspondência. Em casos extremos, leva-nos, também, ao êxtase. Contudo, este é apenas psíquico e sem efeito duradouro.

Já o amor carnal é delicioso. Contudo, satisfaz só o físico. Via de regra se extingue, após a satisfação do instinto animal, deixando nos parceiros um vazio e não raro repulsa de um pelo outro. Conduz ao orgasmo, uma forma de êxtase (às vezes, contudo, só um dos parceiros atinge esse clímax, frustrando a outra parte). Mas o amor total, sem reservas ou restrições, ah! esse é um delírio!. Só é possível, porém, de ser entendido por quem tem a ventura de senti-lo com a devida correspondência. É o êxtase dos êxtases, mesmo que de curta duração.

Ainda quando acaba (muitas vezes isso acontece até à revelia dos protagonistas) permanece vivo e intenso na lembrança. Torna-se inesquecível, por se tratar do momento mais marcante de um homem e de uma mulher. Edgar Morin nos lembra um fato óbvio, do qual nem sempre nos damos conta: “O amor (certamente o que envolve coração, corpo e alma) dá-nos o êxtase psíquico, e dá-nos o êxtase físico”. É, portanto, completo.

O êxtase do amor altera nossos parâmetros de medida do tempo e do espaço. Faz com que nos sintamos, enquanto dura, eternos e infinitos, a despeito da nossa real pequenez e efemeridade. Trata-se de sensação mágica, única, indescritível, que os mais competentes poetas não conseguem dar a mais pálida e aproximada ideia de como de fato é, embora tentem, e tentem e tentem vida afora.

Para sabermos o que se sente nessa circunstância é imprescindível viver essa experiência. Mas se quisermos descrever como foi, nossas palavras soarão pequenas, pobres, miseráveis, indigentes. Florbela Espanca, nos dois tercetos com que encerra o soneto “Versos de orgulho”, nos dá pálida ideia, posto que com extrema beleza e lirismo, de como é essa sensação:

O mundo? O que é o mundo, ó meu Amor?
O jardim dos meus versos todo em flor…
A seara dos teus beijos, pão bendito…

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços…
--- São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o infinito”.

Há quem ainda confunda paixão com amor. São coisas muito diferentes, embora, à primeira vista, pareçam ser a mesma, principalmente quando envolvem duas pessoas que sentem atração física uma pela outra. Paixão é fogo, que logo se consome e se apaga, enquanto o amor é luz, com brilho próprio, que permanece acesa, não raro, por toda a vida. Morris West observou, no romance “Arlequim”: “Apaixonar-se é coisa de crianças. Mas amar é como saborear o melhor vinho...deixá-lo decantar lentamente, segurá-lo gentilmente, saborear gole por gole. Não se cultiva uma grande vindima. É preciso criá-la...”.

O amor requer atenção integral e cultivo permanente. Mas o trabalho que venha, eventualmente, a dar é mais do que compensador, pelas delícias que proporciona. Só conhece a sua grandeza e transcendência quem o sente ou um dia sentiu. Há quem, equivocadamente, ache que o amor tem tempo fixo para acontecer. Que após determinada idade – Qual? Quarenta anos? Cinquenta? Sessenta? Oitenta? – se trate de inconveniência, de algo ridículo, de “aberração”. Atitude aberrante, porém, é não senti-lo, seja em que época for.

Nunca é tarde para se amar. Aliás, é sempre cedo. Para o amor, não há condicionantes e nem tempo determinado. Devemos usufruí-lo a cada momento, a cada segundo (que pode ser nosso derradeiro) com empenho e devoção, pondo na empreitada tudo o que somos e temos. Devemos ter em mente que o tempo nunca para. Que cada segundo desperdiçado não tem retorno e nos fará muita falta adiante. O amor não é adiável, algo que se possa deixar para depois, para um futuro que nem sabemos se teremos.

Embora seja ideia incômoda, não podemos perder de vista o fato de que somos mortais e transitórios. Por que se privar desse privilégio, dessa bênção, dessa dádiva divina que nos adoça a existência? O amor não deve ter limites e nem tem idade. O poeta francês, Alphonse de Lamartine, nos exorta, nestes magníficos versos:

Amemos! Gozemos da hora fugitiva!
O homem não tem porto,
o tempo não tem praias;
corre e nós passamos”.

Entendo o amor apenas como um sentimento irrestrito, que envolva a totalidade de um homem e uma mulher: corpo, alma, pensamentos, sentimentos, ideais e tudo isso mutua e simultaneamente, sem nenhuma restrição ou pudor. É verdade que a palavra designa muitas outras emoções, a meu ver, de forma equivocada. Resumindo, podemos afirmar o seguinte. Quando há apenas atração sexual entre dois parceiros, eles têm desejo, mas não se amam. Saciada a vontade, resta o vazio, quando não até repulsa entre ambos, até que voltem a se desejar fisicamente (quando voltam).

O simples afeto, sem atração carnal, é só amizade. A necessidade irresistível de um pelo outro, mas com a ideia de que o sexo tira a pureza do sentimento, é belo, é poético, mas não é amor. É platonismo. O amor que conduz ao êxtase, ao arrebatamento, à elevação é o que reúne tudo isso simultaneamente e muito mais. O poeta português, Alexandre O’Neill, escreveu estes versos a propósito:

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos – somos um? Somos dois? –
espírito e calor!

O amor é o amor – e depois?”

Depois? Depois mais, e mais, e mais amor... Enquanto vivermos.


Boa leitura!

O Editor.


Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk

Nenhum comentário:

Postar um comentário