Beleza e feiura
Milan
Kundera, em seu livro “A Imortalidade”, traz à baila, entre
tantos temas que me fascinam pelo inusitado (trata-se de um escritor
sumamente original) um que particularmente merece maiores
considerações, não apenas minhas, mas dos estudiosos e amantes de
literatura, por ser o fulcro da nossa atividade artística. Declara
que “a vocação da poesia não é nos deslumbrar com uma ideia
surpreendente; mas sim fazer com que um instante do ser se torne
inesquecível e digno de uma insustentável nostalgia”.
Ou
seja, levanta a tese de que um poema é sempre uma “fotografia” –
de uma pessoa, objeto, planta, paisagem, sentimento etc. – em
determinado instante do tempo, que o poeta capta, com sua
sensibilidade, e reproduz por palavras. É uma espécie de
“instantâneo”. Registra, sem tirar e nem pôr, e para sempre,
aquele segmento particular do tempo, aquele segundo especial, em que
algo ou alguém o impressione e, mais do que isso, o impacte e
marque.
Na
maioria das vezes, afirmamos (e até temos convicção) que o
compromisso do artista é com a beleza. De fato, é. Mas, por que não
o é, eventualmente, com seu oposto, no caso, a feiura? Poderia ser!
A beleza é volátil, transitória, efêmera, com tempo contado,
passageira, portanto. A feiura, por seu turno, é definitiva.
Determinada
mulher que consideremos belíssima, pelos padrões estéticos
vigentes, para nossa infelicidade (e dela, principalmente), não
permanece para sempre nessa condição. Aos poucos vai definhando, à
medida que os anos passam (quando não meros dias) murchando, se
entortando e se enfeiando, até que um dia... morre. E tanto o
cadáver, quanto, principalmente, seu produto final, ou seja, a
caveira e os ossos desconjuntados, são, convenhamos, horrorosos,
tétricos, feios, feíssimos.
O
mesmo ocorre, por exemplo, com uma folha, que é bela quando verde e
recente e deixa de sê-lo tão logo fique seca. Ou de uma flor. Ou,
mesmo, de obras de arte, como majestosas esculturas (que com o tempo
criam pátina, ficam cinzas, foscas, negras), ou pinturas (que
descoram) ou, até mesmo, fotografias.
As
únicas produções artísticas que se mantêm intactas e não
enfeiam com o tempo são os textos, notadamente poesias, e sua irmã
gêmea, a música, que é a captação daquele instante mágico
citado por Kundera, mas reproduzida não por palavras, mas por sons
harmoniosos e originais.
É
isso, meus amigos, a beleza é frágil, fragílima, passageira,
efêmera, embora embevecedora. Ademais, sequer há consenso sobre o
belo e o feio. Digamos que venhamos a ter contato, algum dia, com
seres extraterrestres.
Para
que isso ocorra, eles terão, necessariamente, que ser inteligentes,
para criar veículos que vençam as fantásticas e até inimagináveis
distâncias do nosso planeta a um outro que seja povoado por eles. A
menos, claro, que nós, humanos, venhamos a descobrir como fazer isso
e aportar, um dia, onde tais hipotéticos ETs vivam. Mas não é este
o caso.
Caso
existam, e esse improbabilíssimo encontro algum dia ocorra, o que
eles irão achar de nós, no aspecto estético? Seres belos e
proporcionais? Dificilmente! Arriscar-me-ia a dizer que é mais
provável que nos vejam como criaturas monstruosas, assustadoras,
disformes, horrorosas, piores do que seus mais horrendos pesadelos (e
vice-versa, pois, quase certamente, não terão a mínima semelhança
conosco).
Nem
precisamos ir tão longe assim. Aqui na Terra mesmo, os padrões
estéticos estão longe de ser consensuais. Para um hotentote, por
exemplo, do interior da África, a Miss Universo é um ser horroroso:
magra, espigada e sem substância. Pelos padrões de beleza desses
nativos africanos, quanto mais gorda for determinada mulher, mais
bonita lhes parecerá. Quem está certo? Nós? Eles? Ambos estão.
Gosto não se discute.
Kundera
define da seguinte forma o que não é belo: “Feiura: caprichosa
poesia do acaso”. Já o que não é feio, mereceu-lhe esta
definição: “Beleza: prosaísmo da média exata”. Viram como
esse conceito é vago e indefinido?
Vários
escritores se manifestaram a respeito. Coletei, rapidamente, algumas
dessas observações a esmo, que lhes trago, a título de
curiosidade. O poeta John Keats, por exemplo, escreveu: “Uma coisa
bela é algo que dá eterna alegria”. É uma definição sumamente
vaga, vocês não acham? O que é considerado “feio”, por
determinados padrões estéticos, também pode nos alegrar, por que
não? É questão de gosto que, reitero, não se discute.
Já
Charles Baudelaire, no texto “O Confiteor do Artista”, do livro
“Pequenos Poemas em Prosa”, assegura: “O estudo do belo é um
duelo em que o artista grita de pavor antes de ser vencido”. Ou
seja, não é o que lhe dá satisfação, mas o que o assusta e
apavora, face à sua grandeza e majestade.
O
filósofo norte-americano, Will Durant, no seu clássico “Filosofia
da vida”, prefere concentrar-se em sua fragilidade. Escreve: “A
beleza é penosa de ser criada e fácil de ser destruída”. E como!
Ou seja, ressalta sua efemeridade. Corrobora, pois, minha afirmação
de que a beleza é, mesmo, transitória, enquanto a feiura é
definitiva.
Já
Paul Valéry define-a de forma diametralmente oposta à do poeta John
Keats (sendo ele, também, inspiradíssimo poeta, diga-se de
passagem). Assevera: “A definição do belo é fácil: é aquilo
que desespera”.
Todas
essas opiniões são, no mínimo, pitorescas. Daí concluir que a
única maneira de preservar a beleza, em toda a sua majestade e
encanto, é recorrendo à arte, notadamente à poesia e à sua irmã
gêmea, a música. É captando um instante que se torne “inesquecível
e digno de uma insustentável nostalgia”.
Boa
leitura!
O
Editor.
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