A fonte da criação
A
criação seja lá do que for (concreto ou abstrato, não importa)
tem alguma fonte, algum ponto de origem, algo que nos impulsione a
concretizá-la? Entendo que sim. E qual seria essa origem, essa
varinha mágica que nos dê essa possibilidade? Respondo: a
imaginação.
Claro
que apenas ela não basta. Trata-se de mero “start”, de largada,
de tiro de partida para uma corrida que pode ser curta ou longa,
dependendo do que imaginarmos. Além do que, há uma série de
condições para que se crie o que foi imaginado.
A
primeira é que seja factível. Podemos imaginar algo que extrapole,
em muito, nossas forças e nossa capacidade e se isso ocorrer, tudo
se limitará, somente, à mera imaginação e nada mais. Se agirmos
dessa maneira, ou seja, se imaginarmos o irrealizável, você pode
ser até o sujeito mais criativo da face da Terra que não conseguirá
a façanha de tornar o imaginado concreto. Essa imaginação
ultrapassará a sua real capacidade.
Outra
condição para as coisas darem certo é contar com os meios
necessários para concretizar o que for imaginado. Se não contarmos
com eles, nada feito. Afinal, nada surge do nada, num piscar de
olhos, à simples enunciação, por exemplo, de palavras mágicas,
como “abra cadabra” Não é assim que as coisas funcionam na vida
real.
Uma
terceira condição para criar o imaginado é desejar esse objeto.
Não me refiro, porém, àquele desejo difuso, abstrato, na base do
“tanto faz se conseguir ou não”. Temos que querer obsessivamente
e, além disso, lutar com todas nossas forças e capacidade pelo que
queremos. Para tanto, são necessárias diversas virtudes, como
competência, preparo, informação, disciplina, empenho e vai por aí
afora.
Quando
criança, lá por volta dos meus cinco anos de idade, não sei
explicar por qual razão, imaginei que era escritor. Achava bonito um
sujeito alinhavar letras numa página em branco, formando palavras,
sentenças, períodos, capítulos, livros enfim, preenchendo todo um
volume. Não tinha, claro, na ocasião, noção da necessidade de
conteúdo no que escrevesse. Imaginava que escrevendo qualquer coisa
que me viesse na veneta, por mais estapafúrdia que fosse, faria de
mim um escritor.
Em
minha imaginação, eu me via escrevendo livros e mais livros.
Visualizava livrarias repletas de volumes produzidos por mim e
multidões disputando a tapa o que havia escrito. Era um sonho
recorrente, ao qual, volta e meia, eu retornava.
Claro
que, como toda criança, eu imaginava várias outras atividades que
exerceria quando crescesse. Houve tempo, por exemplo, que gostaria de
ser músico, executar algum complexo instrumento (era fascinado,
talvez pelo seu tamanho, pelo contrabaixo). Via-me integrando alguma
orquestra e o público delirando com minhas execuções.
Volúvel,
como todo menino daquela idade, logo passei a imaginar que era um
cientista. Via-me cercado por tubos de ensaio, por cadinhos e
pipetas, por um bico de Bunsen e observando, ao microscópio, o que
era impossível ver a olho nu. Nessa fase, achava que viria a me
tornar benfeitor da humanidade e descobrir a cura de alguma das
tantas doenças ainda incuráveis, o câncer, por exemplo. Essa fase
durou mais, bem mais do que a de músico.
Embora
alternando carreiras, sempre voltava a me imaginar escritor, ou
isoladamente, ou em dobradinha com outras atividades. A esta altura,
já aprendera a ler e passava horas e mais horas com livros nas mãos,
causando alarme em meus pais, que me queriam ver brincando e correndo
como as demais crianças da minha idade.
Da
leitura para a elaboração dos primeiros textos, foi um pulo. A
princípio, eram versinhos ingênuos, com as rimas mais óbvias que
poderiam existir, sem preocupação, nem mesmo, com o conteúdo.
Sentia, após perpetrar algumas quadrinhas piegas, um Drummond, um
Quintana ou mesmo um Vinícius de Moraes.
É
verdade que voltei a ser infiel – e muitas vezes, por sinal – com
o que era minha verdadeira vocação, embora não me desse conta de
tanta infidelidade. Ao iniciar, por exemplo, o então curso
científico, eu queria porque queria ser médico. Fiz cursinho,
prestei três vestibulares paras Medicina, rodei nos dois primeiros
e, finalmente, fui bem-sucedido na terceira tentativa. Na faculdade,
porém, descobri que essa não era “a minha praia”.
Voltei-me
para o jornalismo. Adotei-o como profissão. Afinal, era uma
atividade bastante próxima da que imaginara aos cinco anos,
imaginação que já se transformara em desejo, sem que sequer me
apercebesse. Fiz carreira como jornalista. Sustentei-me e sustentei a
família com ele. Mas lá no fundo do subconsciente, incomodando,
incomodando e incomodando, restava uma pontinha de frustração.
“Isso é bem próximo do que sempre quis, mas não é exatamente o
que quero de verdade”.
Foi
somente beirando os sessenta anos que resgatei o verdadeiro desejo,
fruto da imaginação infantil. Avaliei, então, minhas
possibilidades de concretizar meu sonho recorrente e descobri que
eram, se não totais, bastante razoáveis.
Dispus-me,
pois, a escrever meu primeiro livro, até como uma espécie de teste
da minha aptidão. Para minha surpresa, quando me dei conta, a
primeira, de tantas obras que viriam na sequência, estava prontinha.
Daí para sua publicação foi só mais um passo.
Quando
me dei conta... havia “criado” o que mais queria, do fundo da
alma, sem admitir, contudo que o quisesse com tamanha intensidade ou
sequer seriedade. Recorde-se, porém, que este querer teve origem em
algo tão abstrato, volúvel e frágil quanto a imaginação
infantil. E, por persistir nessa obsessão...: afinal, era um
escritor!!!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Não sabia de ter escrito seu primeiro livro aos 60 anos. Foi "Por uma Utopia"?
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