Vagando
entre as estrelas
A
atividade intelectual do físico e cosmólogo britânico Stephen
Hawking – p que faleceu
em 14 de m,arço de 2018 –
foi
assombrosa, se levarmos em conta todas as terríveis circunstâncias
que cercaram
sua vida. O assombro é tão grande que me leva a escrever vários
textos a seu respeito, já que em apenas um se torna praticamente
impossível abordar, com relativa objetividade, suas façanhas
intelectuais. Ademais, não há como não se deixar levar pelo
fascínio que esse homem despertava
em seu “passeio” diário por entre as estrelas, com o recurso da
fértil e excepcional imaginação de que era
dotado, aliado ao seu vasto conhecimento de física, matemática e
disciplinas afins.
Recorde-se
que Hawking estava
fisicamente incapacitado para qualquer atividade que exigisse
um mínimo de esforço físico, desde os 21 anos de idade, em
decorrência de uma doença incapacitante, incurável, progressiva e
paralisante: a esclerose lateral amiotrófica. Os únicos músculos
que atendiam
ao comando do seu cérebro, isto é, que ainda tinham
escasso tônus, eram
os dos três dedos centrais da mão esquerda. Portanto, o polegar e o
mínimo, também eram
inertes. Justo os que qualquer pessoa sadia mais utiliza para suas
tarefas!
Mas,
com esses únicos três dedos, acionava
a cadeira de rodas motorizada, ligava
e comandavab
o sintetizador de voz mediante o qual “falava”
com as pessoas e conseguia
ser útil para si, para a família e para o mundo. Aliás, o termo
“útil” é inadequado, por ser pequeno demais para expressar sua
grandeza. Stephen Hawking foi
genial. E dotado de uma força de vontade incomparável!
Muitas
pessoas especulam como o físico fazia
para escrever seus livros, já que conseguia
movimentar apenas três dedos da mão esquerda e não podia
sequer manter a cabeça erguida sem ajuda externa. Esta tinha
que ser apoiada por uma escora. Como ele fazia?
Ditava-os,
obviamente, o que não era
pouco. Isso também é notável se atentarmos para o fato de que
dispunha
de um computador, para se comunicar com o mundo, acoplado ao
sintetizador de voz, que continha
em sua memória apenas 2.600 palavras. Com esse escasso (diria
ínfimo) acervo, produziu sua magnífica obra científica, e num
estilo acessível a leigos medianamente informados.
Por
essa razão, por precisar ditar suas ideias,
é que a maioria dos seus livros conta com coautores. Seus
“parceiros” foram
três eminentes físicos, o britânico Roger Penrose e os
norte-americanos Alan Lightman e Leonard Mlodinow. A exceção era
sua filha Lucy, que é jornalista, com a qual escreveu “George e o
segredo do universo”, que contém as ideias
e conceitos básicos da Física e da Astrofísica, na visão do
autor, contados (pasmem) em um enredo de aventura voltado para as
crianças.
Sobre
o primeiro livro, “Uma breve história do tempo, do Big Bang aos
buracos negros”, lançado em 1988 – inclusive no Brasil, e em
português – tive a oportunidade de tecer ligeiros comentários
neste espaço.
Embora tenha muito a discorrer sobre essa obra, prefiro deixar a
tarefa para o próprio curioso leitor. Compre-a, aprenda com ela e se
delicie com sua leitura. O livro seguinte de Stephen Hawking – e
todos eles já foram lançados no Brasil – não é menos
instigante, É uma coletânea de ensaios e se intitula “Buracos
negros, universos bebês e outros ensaios”. Se o cientista parasse
por aí, já teria feito mais do que o suficiente para se perpetuar.
Afinal, muitos dos seus colegas não conseguem escrever, a vida toda,
uma só obra consolidada e respeitada, como as duas que citei e nem
por isso são menos importantes do que os que conseguem.
Hawking,
todavia, achava pouco, muito pouco. Não tardou em publicar, em 1994,
“O fim da Física”. E igualmente não parou por aí. Dois anos
depois, lançou “A natureza do espaço e do tempo”, em coautoria
com o físico e matemático Roger Pènrose, seu conterrâneo,
professor emérito de Matemática da Universidade de Oxford. Em 2001,
foi a vez de “O universo numa casca de noz” ser publicado. E sua
mente continuava ativa, febril, fervilhante. Tanto que em 2005
produziu “O futuro do espaço-tempo”, desta vez em coautoria com
o físico, romancista e ensaísta norte-americano, Alan Lightman.
O
livro seguinte foi uma reflexão sobre a atividade científica.
Inclusive seu título já é bastante sugestivo: “Os gênios da
Ciência. Sobre os ombros de gigantes”. As quatro obras que vieram
na sequência foram em coautoria, três com Leonard Mlodinow e uma
(que já citei), com a filha, jornalista, Lucy. Duas foram lançadas
em 2005, duas em 2007 e uma em 2011,
Antes,
julgo oportuno abrir um parêntese para comentar sobre um dos
coautores. Leonard Mlodinow é um sujeito talentoso e popular. É
físico, nascido em Chicago, e seus pais são judeus que sobreviveram
ao Holocausto nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Mas ele
também é sobrevivente. Escapou ileso dos atentados ao World Trade
Center (estava nas torres gêmeas na oportunidade), em Nova York,
naquele fatídico 11 de setembro de 2001, de triste memória para o
mundo.
Mlodinow,
além de pesquisador, é festejado colunista do jornal “The New
York Times”, onde assina coluna semanal de divulgação científica.
Seus feitos, todavia, não param por aí. É, também, roteirista de
filmes para a televisão. Ficou famoso nessa função principalmente
pelos roteiros das séries “MacGyver” e “Star Trek”. Tendo
Mlodinow como coautor, Stephen Hawking escreveu “Uma nova história
do tempo”, “Brevíssima história do tempo” e o recentíssimo
“O grande projeto”.
Como
se vê, é uma produção excepcional até para escritores que têm
saúde “para dar e vender”. Imaginem para alguém nas
circunstâncias de Stephen Hawking! Para que vocês tenham uma ideia
sobre essa produção, basta dizer que escreveu, em coautoria ou de
forma solitária, 11 livros em 23 anos, numa média de dois por ano.
E (sem nenhum menosprezo a autores desses gêneros), não são
romances, novelas, poesias ou contos, mas exposição de
complexíssimas teses científicas, polêmicas pela própria natureza
e que exigem não apenas conhecimento extraordinário de física e
astrofísica, mas uma capacidade de comunicação fantástica. E tudo
isso contando com um acervo de apenas 2.600 palavras na memória do
computador que comandava
seu sintetizador de voz para se comunicar. Vocês conhecem algum
gênio que pelo menos tenha
se aproximado
de Stephen Hawking? Asseguro-lhes, honestamente, que não conheço
nenhum!
Boa
leitura!
O
Editor.
Entre as 2600 palavras escolho "espetacular" para o gênio e paraa sua abordagem. Eu me alimento aqui.
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