quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Editorial - Vagando entre as estrelas


Vagando entre as estrelas



A atividade intelectual do físico e cosmólogo britânico Stephen Hawking – p que faleceu em 14 de m,arço de 2018 – foi assombrosa, se levarmos em conta todas as terríveis circunstâncias que cercaram sua vida. O assombro é tão grande que me leva a escrever vários textos a seu respeito, já que em apenas um se torna praticamente impossível abordar, com relativa objetividade, suas façanhas intelectuais. Ademais, não há como não se deixar levar pelo fascínio que esse homem despertava em seu “passeio” diário por entre as estrelas, com o recurso da fértil e excepcional imaginação de que era dotado, aliado ao seu vasto conhecimento de física, matemática e disciplinas afins.

Recorde-se que Hawking estava fisicamente incapacitado para qualquer atividade que exigisse um mínimo de esforço físico, desde os 21 anos de idade, em decorrência de uma doença incapacitante, incurável, progressiva e paralisante: a esclerose lateral amiotrófica. Os únicos músculos que atendiam ao comando do seu cérebro, isto é, que ainda tinham escasso tônus, eram os dos três dedos centrais da mão esquerda. Portanto, o polegar e o mínimo, também eram inertes. Justo os que qualquer pessoa sadia mais utiliza para suas tarefas!

Mas, com esses únicos três dedos, acionava a cadeira de rodas motorizada, ligava e comandavab o sintetizador de voz mediante o qual “falava” com as pessoas e conseguia ser útil para si, para a família e para o mundo. Aliás, o termo “útil” é inadequado, por ser pequeno demais para expressar sua grandeza. Stephen Hawking foi genial. E dotado de uma força de vontade incomparável!

Muitas pessoas especulam como o físico fazia para escrever seus livros, já que conseguia movimentar apenas três dedos da mão esquerda e não podia sequer manter a cabeça erguida sem ajuda externa. Esta tinha que ser apoiada por uma escora. Como ele fazia? Ditava-os, obviamente, o que não era pouco. Isso também é notável se atentarmos para o fato de que dispunha de um computador, para se comunicar com o mundo, acoplado ao sintetizador de voz, que continha em sua memória apenas 2.600 palavras. Com esse escasso (diria ínfimo) acervo, produziu sua magnífica obra científica, e num estilo acessível a leigos medianamente informados.

Por essa razão, por precisar ditar suas ideias, é que a maioria dos seus livros conta com coautores. Seus “parceiros” foram três eminentes físicos, o britânico Roger Penrose e os norte-americanos Alan Lightman e Leonard Mlodinow. A exceção era sua filha Lucy, que é jornalista, com a qual escreveu “George e o segredo do universo”, que contém as ideias e conceitos básicos da Física e da Astrofísica, na visão do autor, contados (pasmem) em um enredo de aventura voltado para as crianças.

Sobre o primeiro livro, “Uma breve história do tempo, do Big Bang aos buracos negros”, lançado em 1988 – inclusive no Brasil, e em português – tive a oportunidade de tecer ligeiros comentários neste espaço. Embora tenha muito a discorrer sobre essa obra, prefiro deixar a tarefa para o próprio curioso leitor. Compre-a, aprenda com ela e se delicie com sua leitura. O livro seguinte de Stephen Hawking – e todos eles já foram lançados no Brasil – não é menos instigante, É uma coletânea de ensaios e se intitula “Buracos negros, universos bebês e outros ensaios”. Se o cientista parasse por aí, já teria feito mais do que o suficiente para se perpetuar. Afinal, muitos dos seus colegas não conseguem escrever, a vida toda, uma só obra consolidada e respeitada, como as duas que citei e nem por isso são menos importantes do que os que conseguem.

Hawking, todavia, achava pouco, muito pouco. Não tardou em publicar, em 1994, “O fim da Física”. E igualmente não parou por aí. Dois anos depois, lançou “A natureza do espaço e do tempo”, em coautoria com o físico e matemático Roger Pènrose, seu conterrâneo, professor emérito de Matemática da Universidade de Oxford. Em 2001, foi a vez de “O universo numa casca de noz” ser publicado. E sua mente continuava ativa, febril, fervilhante. Tanto que em 2005 produziu “O futuro do espaço-tempo”, desta vez em coautoria com o físico, romancista e ensaísta norte-americano, Alan Lightman.

O livro seguinte foi uma reflexão sobre a atividade científica. Inclusive seu título já é bastante sugestivo: “Os gênios da Ciência. Sobre os ombros de gigantes”. As quatro obras que vieram na sequência foram em coautoria, três com Leonard Mlodinow e uma (que já citei), com a filha, jornalista, Lucy. Duas foram lançadas em 2005, duas em 2007 e uma em 2011,

Antes, julgo oportuno abrir um parêntese para comentar sobre um dos coautores. Leonard Mlodinow é um sujeito talentoso e popular. É físico, nascido em Chicago, e seus pais são judeus que sobreviveram ao Holocausto nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Mas ele também é sobrevivente. Escapou ileso dos atentados ao World Trade Center (estava nas torres gêmeas na oportunidade), em Nova York, naquele fatídico 11 de setembro de 2001, de triste memória para o mundo.

Mlodinow, além de pesquisador, é festejado colunista do jornal “The New York Times”, onde assina coluna semanal de divulgação científica. Seus feitos, todavia, não param por aí. É, também, roteirista de filmes para a televisão. Ficou famoso nessa função principalmente pelos roteiros das séries “MacGyver” e “Star Trek”. Tendo Mlodinow como coautor, Stephen Hawking escreveu “Uma nova história do tempo”, “Brevíssima história do tempo” e o recentíssimo “O grande projeto”.

Como se vê, é uma produção excepcional até para escritores que têm saúde “para dar e vender”. Imaginem para alguém nas circunstâncias de Stephen Hawking! Para que vocês tenham uma ideia sobre essa produção, basta dizer que escreveu, em coautoria ou de forma solitária, 11 livros em 23 anos, numa média de dois por ano. E (sem nenhum menosprezo a autores desses gêneros), não são romances, novelas, poesias ou contos, mas exposição de complexíssimas teses científicas, polêmicas pela própria natureza e que exigem não apenas conhecimento extraordinário de física e astrofísica, mas uma capacidade de comunicação fantástica. E tudo isso contando com um acervo de apenas 2.600 palavras na memória do computador que comandava seu sintetizador de voz para se comunicar. Vocês conhecem algum gênio que pelo menos tenha se aproximado de Stephen Hawking? Asseguro-lhes, honestamente, que não conheço nenhum!

Boa leitura!

O Editor.


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Um comentário:

  1. Entre as 2600 palavras escolho "espetacular" para o gênio e paraa sua abordagem. Eu me alimento aqui.

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