Disciplina
*
Por Cesare Pavese
O
trabalho começa ao romper do dia. Mas nós começamos,
um
pouco antes do romper do dia, a reconhecer-nos
nas
pessoas que passam na rua. Ao descobrir os raros
transeuntes,
cada um sabe que está sozinho
e
que tem sono — perdido no seu próprio sonho,
cada
um sabe no entanto que com o dia abrirá os olhos.
Quando
a manhã chega, encontra-nos estupefatos
a
fixar o trabalho que agora começa.
Mas
já não estamos sozinhos e ninguém mais tem sono
e
pensamos com calma os pensamentos do dia
até
que o sorriso vem. Com o regresso do sol
estamos
todos convencidos. Mas às vezes um pensamento
menos
claro — um esgar — surpreende-nos inesperadamente
e
voltamos a olhar para tudo como antes do amanhecer.
A
cidade clara assiste aos trabalhos e aos esgares.
Nada
pode turvar a manhã. Tudo pode
acontecer
e basta levantar a cabeça
do
trabalho e olhar. Rapazes que se escaparam
e
que ainda não fazem nada passam na rua
e
alguns até correm. As árvores das avenidas
dão
muita sombra e só falta a erva
entre
as casas que assistem imóveis.
São
tantos os que à beira-rio se despem ao sol.
A
cidade permite-nos levantar a cabeça
para
pensar estas coisas, e sabe bem que em seguida a baixamos.
Tradução
de Carlos Leite
* Foi um escritor e poeta italiano. Combatente antifascista, esse fato lhe rendeu três anos de prisão no sul da Itália.
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