Fracasso
do rotativismo
*
Por Ramalho Ortigão
O
acordo de dois partidos, revezando-se sucessivamente no poder,
dizendo-se um liberal e outro conservador, segundo o regime inglês,
falhara inteiramente na sua reiterada aplicação prática. O jogo
permanente dessa rotatividade representativa, com vinte anos de
funcionamento automático, desgastara todas as engrenagens, boleara
todos os ângulos, puíra todas as arestas, safara todos os cunhos
que caracterizavam o sistema.
Quem
eram os liberais que pela contribuição de novas ideias se propunham
acelerar a energia propulsora do parlamentarismo no sentido do mais
rápido progresso?
Quem
eram os conservadores incumbidos de coordenar a marcha e de manobrar
os travões do maquinismo?…
Ninguém
o saberia dizer, porque nenhum dos dois partidos a si mesmo se
distinguia do outro, a não ser pelo nome do respectivo chefe,
politicamente diferenciado, quando muito, pela ênfase pessoal de
mandar para a mesa o orçamento ou de pedir o copo de água aos
contínuos.
Um
fato sumamente grave preocupava, no entanto, a atenção dos que
isoladamente contemplavam a integral concatenação dos
acontecimentos.
Esse
fato era a decomposição da sociedade, lentamente, surdamente,
progressivamente contaminada pela mansa e sinuosa corrupção
política.
Quantos
sintomas inquietantes!
A
indisciplina geral, o progressivo rebaixamento dos caracteres, a
desqualificação do mérito, o descomedimento das ambições, o
espírito de insubordinação, a decadência mental da Imprensa, a
pusilanimidade da opinião, o rareamento dos homens modelares, o
abastardamento das letras, a anarquia da arte, o desgosto do
trabalho, a irreligião, e, finalmente, a pavorosa inconsciência do
povo.
.
(Do
livro “Últimas
Farpas” -
1911).
*
José Duarte Ramalho Ortigão foi um escritor português de
fins do século XIX e início do século XX.
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