Radical
*
Por Solange Sólon
Borges
Tenho o
domínio das quatro paredes. Entre elas, sinto a intencionalidade da
dor e da espera. Elas são brancas, vítreas, quase nulas. Nulas.
Frias e calculadas como todo sentimento planejado. Impessoais. Entre
elas guardo minhas poções para que sejam utilizadas nos momentos
apropriados; o arsênico também.
Quando
a intencionalidade da dor cresce até a nevralgia, parto para uma
cirurgia radical e extirpo nomes, olhares, cheiros, o gosto do beijo
e o desejo que ainda está retido sob a pele.
Há
um ritual metódico a ser cumprido antes que se possa admirar de
perto minhas cicatrizes. E não há como ter compromissos. É preciso
que se talhe mais uma cicatriz, moldá-la como uma obra de arte, para
que, enfim, se esqueça de si mesma.
É
tanto o peso do corpo que se abandona sobre outro, deixando-se ficar
estéril e à deriva, exposto a qualquer tipo de ataque! É a hora
mais nítida em que se pode amar, comemorar o outro pela fragilidade
que assoma.
O
homem, no entanto, sempre se recompõe o suficiente para olhar de
longe e questionar bruto, apesar da dor. Poder querer mais e poder
não querer outra vez. É o desejo convertido em poder.
Para
quem me guardo se o outro nunca vem totalmente para o meu domínio?
Se o que é aparente domínio escorre das mãos diante do espanto?
O
outro agarra-se com fúria às margens, aos pântanos, à pátina,
com seu coração inacessível. As garras nada exigem, mas por
descuido sempre
criam novas feridas e passam a polir pedras. O desespero se apresenta
sem nenhuma cor. Boas-vindas a quem custa chegar. Na superfície,
tudo parece perfeito.
*
Jornalista, dedica-se a diversos gêneros literários. Entre outras
atividades, atua em alguns programas “O prefácio”, sobre livros
e literatura. Um deles é o programa Comunique-se, levado ao ar pela
TV interativa ALL TV (2003/2004). Apresentou, também, “Paisagem
Feminina”, pela Rádio Gazeta AM (1999), além de crônicas diárias
na Rádio Bandeirantes e na Rádio Gazeta — emissoras das quais foi
redatora, repórter, locutora e editora.
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