quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Guerra deflagrada - Mara Narciso


Guerra deflagrada


* Por Mara Narciso
 
O escritor gaúcho, radicado em Campinas, Pedro João Bondaczuk considera a produção literária um ato solitário, que exige concentração e método. Muitas vezes é angustiante, porque, quanto mais escreve, mais exigente se torna o escritor, fazendo exaustivas revisões, lapidando o texto, burilando o escrito sem acreditar que esteja pronto. Escrever é uma necessidade, não sendo um prazer naqueles trabalhos obrigatórios, com prazos. Ler exige concentração e escrever exige doação. É recomendável não entediar o leitor/ouvinte, porém, quando o conteúdo é maior, a dispersão acontece. Como vencer esse limitante humano? Quem fala deve alternar o tom de voz e quem ouve deve procurar prestar atenção.
 
Estava mais angustiado, que um goleiro na hora do gol”, explicitou Belchior, referindo-se à bola lá dentro e ao placar negativo. Para alguns momentos de total abandono essa metáfora cai bem. A vida tem barreiras pessoais que ninguém poderá ajudar. É imperativo escalar com a força e a coragem. O que terá de ser feito agora, já deverá estar preparado, e poderá ser uma eleição, uma prova para carteira de motorista, uma apresentação de TCC – trabalho de Conclusão de Curso, uma dissertação, uma tese, uma estreia num show ou teatro ou a leitura de um discurso.  Quando a única alternativa é avançar, o recuo não será mais possível. O avião está no ar, e, pelas portas abertas você saltou de paraquedas. Ele abrirá?
 
A existência é feita de desafios, recuos, avanços, perdas e ganhos, e há momentos limites, de vida ou morte. Para quê inventou? Agora aguenta. No dia a dia, quando lutas e vitórias se alternam, estaremos aptos para uma possível derrota? Como seguiremos após essa perda? Quando nos reergueremos para enfrentar outro embate?
 
Há quem se divirta com disputas. Algumas pessoas carregam um estilo de guerra permanentemente conflagrada. Estão guerreando o tempo todo, medindo forças, e lançando farpas. É um comportamento frequente, sendo obrigatório analisá-lo a intervalos, considerando a intensidade. É um tempo para se portar escudo ou colete a prova de balas, porque os adversários não colocam as armas no chão.
 
Palavras como disputa, embate, inquirir, debater, bater, estapear, são verbos que, para serem bem conjugados exigem inteligência, raciocínio rápido, controle, poder de cortar o pensamento do outro para fazê-lo perder a compostura. Esse comportamento verbal, tido como o suprassumo da esperteza oral seduz, atrai ou afugenta? Quanto maior o desconforto que causar, mais habilidoso será considerado o entrevistador ou o entrevistado, imaginando que na televisão, quem pergunta não tem interesse nas respostas. Quer mesmo é desconcertar o entrevistado, levá-lo a se contradizer, ficar desconfortável, constrangido, quando não de cair no ridículo. O inquiridor tem lado, partido e candidato.
 
Nas redes sociais tornaram-se moda os linchamentos públicos. Por escrito, fica mais cortante. As letras-navalhas cumprem o seu papel dilacerador. A intenção é mutilar, destruir, aniquilar. Quem não tem competência, que não se estabeleça no debate. Estar em evidência é o clímax do dia para alguns, mas existem estilos reservados, discretos e contidos. Essas pessoas não são boas debatedoras, mas vencerão noutros campos.
 
Estar diante de um microfone, para ler um discurso, falando para uma plateia desatenta, com folhas em profusão, nenhum anteparo para ocultar o corpo, nem algo para pousar as mãos ou os papéis, pode levar a estranhas sensações: desamparo, insegurança, descarga de adrenalina, boca seca, ou, pelo contrário, achar a confiança em si mesmo: agora é a minha vez. Guerra conflagrada, apenas com os próprios pensamentos, sentimentos e hormônios, num incêndio interno de confusão e agitação. Buscar nos recursos mentais o jeito certo de pensar, e ao encontrar a serenidade, executar a tarefa.  Não duvidem: as nossas guerras internas são os nossos mais ferozes inimigos.



* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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