Polêmicas
maiores do que o bejo gay
*
Por Emanuelle Najjar
Há
algum tempo a pauta da diversidade sexual tem sido discutida em nossa
teledramaturgia. Embora nem sempre da maneira desejada, aos poucos a
ideia vem ganhando força e contornos de que ela está sendo efetiva
e servindo para algo mais além de críticas e buchichos. Se há
poucos meses estávamos celebrando TiTiTi devido
à sua abordagem com a história de Julinho (André Arteche) e Thales
(Armando Babaioff), agora podemos fazer o mesmo com Insensato
Coração,
que de longe mexeu com muito mais feridas do que se poderia imaginar.
Esqueça
as barrigas homéricas em sua trama principal e mocinhos insossos.
Esqueça também a polêmica do beijo gay que acabou se tornando mais
um verdadeiro carnaval sem razão do que um simples gesto de afeto.
Exercite também sua memória seletiva em prol do bem e, por um
minuto, esqueça as sequências escritas pelo autor, porém cortadas
pela alta cúpula diante de um público terrivelmente
conservador. Insensato
Coração traz
à tona discussões muito mais efetivas e pontuais em torno das
descobertas e do preconceito.
Descobertas,
diante do relacionamento de Eduardo (Rodrigo Andrade) e Hugo (Marcos
Damigo), muito atribulado em seu início por Eduardo relutar o fato
de sentir desejo por alguém do mesmo sexo. Preconceito, diante da
homofobia expressa por diversos personagens, sendo os mais frequentes
o jornalista Kléber (Cassio Gabus Mendes) e o bad
boy Vinícius
(Thiago Martins) e que chegou ao cúmulo essa semana com a morte de
Gilvan (Miguel Roncato).
Violência
e hipocrisia
Gilvan
era um personagem que estava além de qualquer suposição que se
possa fazer a respeito da não confiabilidade dos crimes praticados
contra homossexuais – muito alegada para quem ignora qualquer
menção à criminalização da homofobia. Era apenas um menino do
bem lutando contra o preconceito, seja ele moral ou físico, que
infelizmente significou o fim, através da mão pesada e dos punhos
cerrados de gente que não aceita a diferença. Um crime abordado de
um modo que se torna muito maior do que a novela em si e uma polêmica
com efeito muito maior do que a simples espera incessante por um
beijo. Os números provam o quanto o assunto deve ser discutido:
um estudo
divulgado em abril pelo GGB(Grupo
Gay da Bahia) revelou que 260 gays, lésbicas e travestis foram
assassinados no Brasil em 2010. Com relação ao mesmo período do
ano passado, o crescimento foi de 31,3% (198 mortes violentas) e a
situação fica ainda pior em comparação aos últimos cinco anos,
com o aumento de 113%.
Na
ficção, a probabilidade é de que Gilvan não seja mais um naquilo
que diga respeito a impunidade. Ainda mais quando até Kleber vai
deixar sua “macheza” de lado em prol de justiça ao denunciar e
pressionar autoridades a respeito do caso. Na vida real, temos apenas
a esperança de que algo possa mudar e que diferenças possam ser
aceitas, e não esmagadas por gente intolerante ou indiferente ao que
acontece do lado de fora. Ver uma história exposta dessa forma
apenas ressalta o fato de que ainda podemos ter fé neste futuro de
paz e com um mínimo de civilidade: um dia ainda poderemos assistir a
um beijo gay, mas antes com certeza preferimos ver o fim da violência
e da hipocrisia desmedida.
*
Jornalista.
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