Aos
eleitores do capitão Jair Messias Bolsonato
*
Por José Ribamar Bessa Freire
"Vai
cartinha fechada, não deixa ninguém te abrir" (Luiz
Gonzaga)
"Minha
querida, saudações, escrevo esta carta, mas não repare os senões"
(Waldick Soriano)
Se
você não é o destinatário dessa carta, pare por aqui. Não
prossiga a leitura, por favor. Não viole correspondência alheia.
Ela contém dados confidenciais e familiares. Não leia o que está
dirigido a outrem. Xeretar correspondência privada é crime punido
pelo Código Penal. O art. 40 da Lei n. 6.538/78 prevê detenção de
até seis meses aos infratores. Portanto, saca fora.
Prezado
(a) eleitor(a) do Bolsonaro
Saudações.
Escrevo essa carta, mas não repare os senões. Segundo os institutos
de pesquisas, vocês constituem um exército considerável de 30
milhões de eleitores, entre os quais se encontram alguns familiares
e amigos queridos, que merecem ser tratados com o devido respeito,
rompendo esse círculo de ódio dos debates nas redes sociais. Mas
assim como eu ouço vocês, espero obter a mesma atenção. Lembro
que discordar faz parte do jogo democrático, que é possível
exercitá-lo com veemência e contundência, mas sem ódio.
Confesso
– quem diria? - que temos muitas coisas em comum. Somos
brasileiros. Amamos nossos filhos (as) e netos (as). Muitos de
nós convivemos com cachorros e gatos, que muito estimamos Sofremos
com a insegurança, a corrupção, a impunidade, o desemprego.
Queremos melhorar nosso país. Compartilhamos o sentimento de que
fomos enganados. Sem contar que eu me enquadro em quase todos os
itens do perfil do eleitor do PSL traçado pelo Ibope: a maioria
esmagadora é de homens (o triplo das mulheres), auferindo mais de
cinco salários mínimos, 32% com 51 anos ou mais, 41% pelo menos com
ensino médio, 72% católicos ou evangélicos. A maioria gente
branca, embora eu não saiba quem é branco no Brasil.
Existem
muitas convergências entre nós. As divergências surgem quando se
propõe soluções aos problemas. A segurança, por exemplo. O teu
candidato acha que bandido bom é bandido morto, que direitos humanos
é mimimi. Defende que a tortura seja uma prática institucional do
Estado e que criminosos sejam eliminados. Quer armar a população.
Se isso acontecer, nas escolas alunos matarão colegas e professores
como nos Estados Unidos e já começa a ser prática aqui, vide o
estudante de 15 anos que feriu dois colegas em um colégio no Paraná
nesta sexta (28). Traficantes estão em campanha em prol do capitão,
acreditando que a proposta deles lhes favorece para que se armem
legalmente.
“Aquilo”
Numa
conversa por whatsApp, um familiar querido destilou fel:
– O
discurso de ódio de Bolsonaro é direcionado aos bandidos. Se você
se sente incomodado, sinto muito te dizer, mas acho que você é um
deles. Acha correto?
Expliquei-lhe
que o meu candidato, defensor da cultura da paz, sustenta que não
são as pessoas desarmadas que devem ser armadas, tal insanidade só
faz aumentar o tiroteio e as mortes. É o contrário: são os
bandidos que devem ser desarmados. O desarmamento de todos causa
prejuízos para a indústria armamentista financiadora de candidatos
- a chamada bancada da bala, mas traz segurança para a população.
Em
vista do exposto, te pergunto: não seria interessante ver os
programas de presidenciáveis menos rancorosos e mais competentes?
Tem tantas opções... O Cabo Daciolo, por exemplo, evangélico
neopentecostal sincero, comunga com o slogan bolsonarista “Brasil
acima de tudo. Deus acima de todos”,
mas não concorda com essa proposta maluca de que cada um faça
justiça com as próprias mãos. Jejuou 21 dias nos montes (devia ter
levado o capitão com ele), voltou de lá iluminado para o debate no
SBT nesta quarta (26). Defendeu as minorias, os índios, os negros,
os quilombolas, apoiou o sistema de cotas e as políticas públicas
de governos criadas nos últimos 20 anos.
-
Uma pessoa que diz que vai tirar o FIES, o Bolsa Família, o ProUni,
essa pessoa nunca passou necessidade, nunca faltou comida na casa
dela – disse Daciolo que defendeu ainda a valorização da mulher
no mercado de trabalho e salários e cargos iguais aos dos homens,
contrariando o programa do teu candidato. Homenageou todas as
mulheres do Brasil e ainda mandou recado ao vivo para o símbolo
delas, sua genitora, presente no estúdio:
-
Mamãe, eu te amo.
Daciolo
pode parecer meio alucinado e “folclórico”, mas além de alegrar
os debates, é menos lunático do que os que pregam ódio, violência,
homofobia, misoginia, cortes de conquistas sociais e de direitos
trabalhistas, como o 13° salário, e a tortura. Bolsonaro, no
entanto, acha que quem discorda dele, é comunista – palavra
assustadora capaz de cegar qualquer um. Nomeia um fantasma já morto
tentando ressuscitar aquilo que a própria história enterrou no
século passado. Dona Elisa, mãe deste soldado Taquiprati, não
ousava nem pronunciá-la. Dizia “aquilo” no lugar de “comunista”,
para "não sujar a boca", igual a dona Feliciana, mãe de
um amigo meu lá de Abaeté (MG), que continua sendo “aquilo” até
hoje. Você, eleitor do capitão, certamente objetará com o fantasma
do comunismo:
-
O Daciolo é “aquilo”, militou no PSOL.
Segredo
revelado
Então
não vou nem falar do meu candidato: Boulos e Sônia Guajajara, para
não brigar contigo. Busquemos então outras alternativas. Por que
não Fernando Haddad? Ele foi um puta ministro da Educação,
pretende lutar pelos direitos dos trabalhadores, das mulheres, pelas
conquistas sociais, incluindo a manutenção do 13º salário
garantido pela Constituição, que Bolsonaro quer acabar - um segredo
revelado pelo general Mourão com repercussão tão negativa entre
seus eleitores que desdisse o que havia dito.
-
Haddad não! A vice dele é “aquilo”. Além disso, o PT traiu
nossa confiança, prometeu combater a corrupção e chafurdou na lama
– dizem alguns amigos meus que são eleitores de Bolsonaro. Eles já
votaram em Dilma, duas vezes em Lula, como Ricardo Roriz, 60, que há
oito meses tatuou o rosto de Bolsonaro na perna direita e gravou nos
braços o slogan da campanha. Por se sentirem enganados, vocês
ficaram cegos de ódio. Embora discordando de tanto rancor, entendo
tua alma, meu irmão.
Efetivamente,
tens razão: lambanças foram cometidas por alguns ministros e
parlamentares do PT e seus aliados que praticaram, no exercício do
poder, aquilo que vem se fazendo no Brasil desde Tomé de Souza, não
se diferenciando, nesse aspecto, de Temer, Aécio, Jucá, Sérgio
Cabral, Cunha e, com todo respeito, do próprio Bolsonaro. Até hoje
o PT não fez uma autocrítica de suas alianças com o lixo da
política brasileira em nome da tal “governabilidade”.
Mas
não se pode generalizar. O PT é formado por milhares de militantes
íntegros, como Haddad. Seria o mesmo que afirmar, por causa de
alguns nazistas e fascistas, que todo eleitor de Bolsonaro é
canalha, não presta. O que, afinal, a gente quer com nosso voto?
Manifestar o ódio comprometendo o futuros de nossos filhos ou
encontrar o caminho melhor para o país? Achar que Bolsonaro vai
combater a corrupção é de uma ingenuidade similar à ilusão dos
eleitores de Collor, o “caçador de marajás”, que engabelou
milhões de brasileiros.
Os
jornais acabam de revelar que Jair Bolsonaro ocultou da Justiça
Eleitoral e de todos nós a propriedade de duas casas que juntas
valem R$ 2,6 milhões. O Globo comprovou isso em cartórios do Rio de
Janeiro. São 27 anos no poder como parlamentar, durante os quais -
ainda bem - aprovou apenas três projetos sem importância. Mas
durante esse tempo, o capitão usou dinheiro público para pagar uma
“assessora” que cuidava de seus cachorros em Angra dos Reis e
acumulou bens, que não foram declarados sabe-se lá porquê. Se fez
isso sem ter ainda as chaves do cofre, o que não fará com elas em
suas mãos?
Democracídio
Prezado
eleitor de Bolsonaro, todo mundo é livre, evidentemente, para votar
em quem quiser. Mas pensa antes se não estás entrando numa canoa
furada como os eleitores do Collor, o “caçador de marajás”.
Lembra que Geddel e Aécio, no impeachment de Dilma, posavam de
honrados, diziam combater a corrupção e estavam nela atolados até
o pescoço como sabemos hoje.
Jair,
como Collor, usa essa bandeira e a indústria do anticomunismo para
se eleger, enganando assim os bem-intencionados, os ingênuos, os
desinformados, os tolos, os otários. E isso acompanhado de medidas
para calar a imprensa, fazer uma nova Constituição só com
“notáveis”, num claro processo de democracídio. Já disse que
se perder não aceitará o resultado das eleições.
Se
minha reza tivesse algum valor, rezaria por ti, eleitor do Bolsonaro,
de quem tenho pena, de verdade, como tive dos eleitores do Collor,
pela tremenda empulhação a que foram submetidos. Estás votando
contra teus próprios interesses de classe, completamente
desinformado, sem conhecer a história recente do país nos últimos
50 anos. Teremos sorte se nesta semana que antecede as eleições, o
general Mourão revelar outros segredos da chapa que possam orientar
nosso voto.
De
qualquer forma, no momento dessa postagem, manifestações ocorrem em
230 cidades brasileiras e até no exterior contra o nazismo, o
fascismo, o feminicídio, o ódio, a exclusão e a barbárie. A
verdadeira carta endereçada a vocês são as manifestações
organizadas pelas mulheres. Espero que vocês, eleitores de
Bolsonaro, saibam ler o que foi escrito nas ruas e praças do país
neste sábado.
P.S.
Pense bem: a eleição de deputados e senadores é ainda mais
importante que a presidencial.
*
Jornalista e historiador.
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